Da sucessão legítima

Por Rafael da Silva Ijanc | 15/12/2010 | Direito

DA SUCESSÃO LEGÍTIMA.

Resumo: O presente artigo tem a finalidade de tecer algumas notas a respeito da sucessão legítima, matéria essa pertencente ao Livro V Do Direito Das Sucessões inserido no Código Civil. A idéia central do artigo em nenhum momento é levantar alguma novidade, muito menos esgotar toda a matéria referente a sucessão legítima, mas sim abranger de forma geral como ocorre a sucessão preferencial estabelecida pela lei.


A sucessão legítima é tratada nos artigos 1829 e seguintes, do Código Civil. Sucessão legítima é aquela inteiramente regulada pela lei, ou seja, nesta sucessão a ordem de vocação hereditária é toda determinada pelo legislador em que são colocadas em regime de preferência, qual seja: a) descendentes; b) ascendentes; c) cônjuges; d) colaterais. O critério norteador para determinar esta classe é aquilo que vai na consciência social, isto é, a intenção média das pessoas, ou seja, o Poder Legislativo, além de estabelecer as classes, instituiu uma ordem de preferência. Neste sentido, a herança só poderá ser destinada à segunda classe se houver ausência de herdeiros da primeira e, assim por diante.

Ressalte-se, ainda, que dentro das respectivas classes, esta regra também se aplica. Os descendentes da primeira classe são, v.g, os filhos, netos e bisnetos. Havendo filhos, apenas estes sucederão, não sucedendo os netos e bisnetos. Quer dizer, havendo parentes de grau mais próximo ficam afastados parentes de grau mais remoto.

No que diz respeito à regra geral, a ordem de preferência das classes há uma exceção: o direito de concorrência, sendo esta a possibilidade de os herdeiros de classes distintas concorrerem em uma mesma sucessão, é o que prevê artigo 1829 do Código Civil o qual dispõe a possibilidade dos cônjuges concorrerem com demais herdeiros.

Concorrência com os ascendentes do falecido se dará na hipótese em que não houver descendentes do "de cujus", é o que dispõe o artigo 1.837. A lei não estabelece qualquer condição especial, nem mesmo ao regime de bens do casamento. As quotas são variáveis, a saber: (a) ele receberá 1/3 quando houver ascendentes em ambas as linhas de primeiro grau, isto é, pai e mãe do falecido; (b) receberá 1/2 se houver ascendente de primeiro grau em apenas uma das linhas ou se os ascendentes existentes estiverem a partir do segundo grau, em qualquer situação.

No que toca à concorrência do cônjuge com os descendentes, disciplinada no artigo 1829 do Código Civil, o legislador determinou alguns critérios específicos, tendo em vista que esta se dará com os sucessores de maior importância. Pode-se extrair do artigo referido que o pré-requisito essencial diz respeito ao regime de bens do casamento, ou seja, o cônjuge sobrevivente só irá concorrer com os descendentes se o regime de bens adotado não incidir nas hipóteses em que o direito concorrencial é excepcionado pelo legislador.

Há três situações em que a concorrência fica vedada em face do regime de bens: (a) regime da comunhão universal; (b) regime da separação obrigatória e (c) regime da comunhão parcial quando o de cujus não deixar bens particulares, ou seja, se este é o regime adotado e houver bens apenas do falecido, estar-se-á configurada o direito à concorrência.

Os casados no regime da comunhão universal não podem concorrer com os descendentes, pois ele já sai do casamento com uma situação patrimonial presumivelmente satisfatória para enfrentar a viuvez. Tal presunção merece críticas, uma vez que nem sempre aqueles que foram casados sob este regime têm patrimônio suficiente, um exemplo clássico para se demonstrar isso é aquele em que o autor da herança, mesmo neste regime, mantinha um patrimônio particular substancioso. Isto se dá porque o artigo 1.668 do Código Civil, estabelece que o regime da comunhão universal não inibe a existência de bens particulares, uma vez que basta gravar com a cláusula da inalienabilidade ou a de incompatibilidade parte do patrimônio para que este seja inacessível ao cônjuge supérstite.

Outro regime que não possibilita a concorrência, por expressa disposição legal, é o regime da separação obrigatória, isto se dá porque a separação é obrigatória e absoluta, portanto, a comunicação do patrimônio não é permitida antes, durante ou depois do casamento. Consigne-se que se se tratar de regime de separação legal de bens, haverá a concorrência com relação aos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento, é o que aduz a súmula 377 do STF: No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.

Tendo em vista que o objetivo da concorrência é ampliar o patrimônio do cônjuge sobrevivente, preservando-se, entretanto, o patrimônio dos descendentes, a vedação concernente ao regime de comunhão parcial de bens quando não houver bens particulares se dá em razão de o cônjuge sobrevivente receber metade dos bens comuns por meio do direito à meação, portanto, somente os bens que não fazem parte do patrimônio comum, isto é, os bens particulares, poderão ser objeto de concorrência.

Por outro lado, os regimes que admitem a concorrência do cônjuge com os filhos são: (a) regime da comunhão parcial, quando o autor da herança deixar bens particulares, (b) regime da separação convencional de bens e (c) regime da participação final nos aquestos. Nestes 3 casos é possível a concorrência

Há críticas quanto ao direito de concorrência com os descendentes quando o regime escolhido é o da separação convencional, quando absoluta, uma vez que questiona-se o fato de que se é casado no regime de separação absoluta assim o escolheu por ato legítimo de sua própria vontade não comunicar os patrimônios, antes, durante ou depois do casamento. Ou seja, tratar-se-ia de uma incongruência do sistema. No entanto, O STJ, já decidiu no final de 2009, que o cônjuge supérstite casado sob o regime de separação total de bens, fosse afastado da sucessão. Não obstante ao referido julgado, a questão está longe de ser pacificada.

Quanto à quota na concorrência com os descendentes, esta é determinada pelo artigo 1.832, I, do Código Civil, o qual dispõe que caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Quando se tratar de descendentes exclusivos do de cujus, caberá ao cônjuge sobrevivente a mesma quota que couber a cada um dos filhos herdeiros. Entretanto, se houver filhos comuns caberá ao viúvo concorrer à mesma quota equivalente àquela que caiba aos descendentes comuns, todavia, com a garantia de nunca receber menos de ¼ do todo da herança.

Um tema de grande discussão são os casos que circundam a família híbrida uma vez que esta não foi prevista pelo legislador. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência encontraram duas alternativas para solucionar a questão: a) desenvolver um critério próprio e específico para estas situações, ou seja, se se tratar de filhos exclusivos incidirá a regra própria concernente a esta situação, e para os filhos comuns, aplicar-se-á o critério estabelecido para esses casos . No entanto, a crítica que se faz deste preceito autônomo é a infringência do artigo 1.834 do Código Civil o qual aduz que os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes, isto é, por esse dispositivo é proibido a desigualação dos descendentes; b) adotar um dos dois critérios já existentes. No entanto a duvida consiste em saber qual dos critérios deverá ser adotado: o da família com filhos exclusivos ou da família com filhos comuns. Para a escolha do critério que será adotado deve ser observado aquele que menos prejudique o descendente. Para estes, determina-se a aplicação do critério da família com filhos exclusivos, uma vez que não há o mínimo concernente à quarta parte para o cônjuge, ou seja, este receberá a mesma quota dos filhos. Por outro lado, há aqueles que defendem que o critério aplicável é o dos filhos comuns, isto é, o cônjuge supérstite deveria ser privilegiado, aplicando-se, a regra da quarta parte. Trata-se de uma visão mais prática, mais pragmática e tende a ser a posição da jurisprudência pátria.

Bibliografia:

GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas. Direito das Sucessões. 12. ed. São Paulo: Saraiva. 2010. v.4.

TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil. Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Método, 2010. v.6.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito das Sucessões. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. v. 7.