Da Proteção aos Direitos da Criança

Por Victor dos Anjos Cordeiro | 21/10/2008 | Direito

O artigo expõe o contexto no qual esta inserida a criança brasileira hoje, passando por leis anteriores e chegando ao estatuto atual, que rege seus direitos fundamentais. Direitos estes que devem ser respeitados por toda a sociedade. Além disso, este trabalho visa analisar o âmbito que diz respeito ao processo de adoção no Brasil. Fala também da situação em que se encontram as crianças que não são adotadas devido ao seu tom de pele, idade ou sexo, tornando-se, assim excluídas socialmente.
Palavras-chave: Criança; Estatuto; Adoção; Exclusão.

  1. Introdução

O objetivo deste trabalho é fazer uma análise sobre a proteção dos direitos da criança e suas garantias fundamentais legais. Até princípios do século XX, em muitos países, a criança não era mais do que um ser do qual os pais ou outras pessoas quaisquer poderiam dispor, como se ela fosse um objeto. O seu bem estar psíquico e moral dependia unicamente da boa vontade dos adultos, que a consideravam uma espécie de propriedade. A lei limitava-se a proteger a sua vida. Nesse contexto elas eram vítimas de uma série de abusos, praticados nos mais distintos espaços, notadamente na seara familiar. Essa situação fez com que alguns setores da sociedade se mobilizassem, levando à construção de uma legislação protecionista.

O interesse por essa temática surge após a leitura de uma reportagem da revista Época. Tal reportagem trata do processo de adoção anterior e suas modificações atuais, abrindo, assim espaço para tratar dos demais meandros nos quais estão envolvidas as crianças atualmente. A partir daí tornou-se ainda mais evidente a grande importância de se tratar sobre os direitos fundamentais da criança para poder assim assegurá-las diante da sociedade. Segundo consta no ART.7o do Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança e adolescente têm o direito à proteção a vida e a saúde, mediante a efetivação de políticas sociais púbicas que permitam o nascimento e o seu desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Direitos estes que na realidade não estão sendo respeitados, ou até pior, estão sendo a cada dia, esquecidos.

De acordo com Hebert de Souza, sociólogo, falecido no Rio de Janeiro, com a realização plena deste artigo o Brasil poderia resgatar uma boa parte de sua divida social para com milhões de crianças e adolescentes, que jamais tiveram uma vida que pudessem considerar digna de ser vivida por um ser humano, e garantir a condição básica para a construção de uma nova sociedade.

2. O caso da Adoção – uma das proteções à criança

A adoção pode ser considerada como uma proteção à criança uma vez que toda criança tem direito a um lar, ou seja, toda criança tem direito a ter uma família e todas as seguranças que esta pode lhe dar. A adoção proporciona isso e muito mais à uma criança carente, entretanto o fato não é tão simples quanto se pensa

Apesar de a antiga estrutura familiar-- pai, mãe e dois filhos-- hoje só ser regra nos comerciais de margarina. Segundo pesquisas realizadas pelo IBGE, 49% das famílias de hoje já não seguem mais esse padrão. Com isso, de acordo com especialistas, a idéia de um filho adotivo já não causa nenhuma estranheza para as famílias. "Procuramos mostrar que a adoção é apenas mais uma das possíveis configurações familiares", diz a psicóloga Claudia Cabral, diretora da ONG Terra dos Homens, a revista Época de agosto de 2004. Claudia orienta cerca de cem grupos de apoio à adoção no país, e o trabalho desses grupos também contribui para a mudança.

O que ocorre é que, segundo a mesma revista Época, 98% dos pais que adotam são brancos e querem um filho da mesma cor. A fixação em adotar uma criança loura e de olhos azuis provoca uma corrida aos Estados do Sul. Uma pesquisa feita pela mesma revista Época em Santa Catarina mostra, por exemplo, que no ano 2000, 80% dos candidatos à adoção eram de outros estados. A Justiça teve então que baixar uma portaria garantindo a prioridade aos pais locais e, hoje, os de fora somam apenas 49%.

Para combater o preconceito, a justiça do Rio de Janeiro tomou uma medida polemica: desde junho deste ano, não é mais possível escolher cor, sexo nem idade. Além disso, a devolução de uma criança implica na perda da carta de adoção. Isso se deve ao fato de que a idade e cor contam e muito na hora de se adotar uma criança. "Meninas recém-nascidas e brancas sempre foram a preferência e tiravam a chance dos outros. Uma criança não é um objeto. A situação ideal seria a criança poder escolher, porque é ela que tem direito a uma família", diz, em entrevista a revista Época, o Juiz da Primeira Vara de Infância e Juventude do Rio, Siro Darlan, autor da medida e mentor de uma campanha de incentivo a adoção em parceria com a Rede Globo de Televisão.

Pesquisas da Época mostram que no Rio de Janeiro, antes da medida, apenas 0,01% dos candidatos a pais adotivos desejavam uma criança negra. A barreira da idade é também muito obvia. Pesquisas realizadas pela CECIF (Centro de Capacitação e Incentivo a Formação de Profissionais) mostram como fica cada vez mais difícil encontrar um pai adotivo por causa da idade das crianças. Existem hoje cerca de 36 pretendentes para cada criança de 0 a 2 anos e 5 para cada criança de 2 a 5 anos. Já dentre as crianças de 5 a 7 anos, existem 2 para cada pretendente, de 7 a 10 anos, existem 13 crianças para cada pretendente e com mais de 10 anos existem mais de 66 crianças para cada pretendente.

Há quatorze anos, antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, filhos adotivos não tinham sequer direito a herança, hoje em dia segundo o ART. 20 deste Estatuto : Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação

Alem disso, para adotar, era preciso ser casado, ter boa situação financeira e mais de 30 anos. As dificuldades burocráticas eram tamanhas que a adoção ilegal— quando uma mãe registra uma criança como sua, comunicando um falso nascimento – acabava sendo a alternativa mais rápida para muitos pais.

Hoje isso praticamente não existe, devido ao fato de essas regras de adoção terem mudado. Os quatro passos básicos para o processo de adoção ser bem sucedido são: 1) O interessado em adotar deve ter mais de 18 anos e não ter nenhum antecedente criminal. O estado civil, a classe social ou a preferência sexual não têm peso no processo. 2) Depois de fazer a inscrição, o candidato passa por uma entrevista, faz uma dinâmica de grupo e recebe a visita do serviço social do juizado, que checará as condições da casa onde a criança ficará. Uma vez habilitado, recebe a carta de adoção, que em geral vale por um ano. 3) Localizada uma criança com um perfil compatível com o desejado, o candidato é contatado. Segue-se o chamado "período de convivência", durante o qual o candidato faz visitas sucessivas à criança no abrigo e a leva pra casa. Esse período dura cerca de um mês. 4) Com a aprovação do juizado, é emitida uma nova certidão de nascimento, em que os pais dão seu sobrenome ao filho e podem, inclusive mudar o prenome da criança. Todo o processo leva em média, seis meses, mas pode ser mais curto em caso de crianças maiores.

3.Proteção da criança e seus direitos fundamentais

A Constituição Federal de 1988 é muito clara no que diz respeito à proteção da criança. Está disposto em seu art. 226 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade a à convivência familiar e comunitária. Além disso, este mesmo art.226 garante o direto de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Além disso, no dia 20 de novembro de 1959, por aprovação unânime, a Assembléia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração dos Direitos da Criança. Constitui ela uma enumeração dos direitos e das liberdades a que, segundo o consenso da comunidade internacional, faz jus toda e qualquer criança, segundo notificam pesquisas recentes da Unicef/2003.

Os direitos e as liberdades das crianças contidos neste documento fazem parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral em 1948. Alvitrou-se, no entanto, que as condições especiais da criança exigiam uma declaração à parte. Em seu preâmbulo, diz a nova Declaração expressamente que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, requer proteção e cuidados especiais, quer antes ou depois do nascimento. E prossegue, afirmando que à criança a humanidade deve prestar o melhor de seus esforços.

Tal como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração dos Direitos da Criança enuncia um padrão a que todos devem aspirar. Aos pais, a cada indivíduo de per si, às organizações voluntárias, às autoridades locais e aos governos, a todos, enfim, apela-se no sentido de reconhecer os direitos e as liberdades enunciados e que todos se empenhem por sua concretização e observância.

Data de 1946 o interesse por parte das Nações Unidas por uma enunciação de tais princípios. Inspirado na Declaração de Genebra, aprovada em 26 de setembro de 1924 pela Assembléia da então Liga das Nações, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em 1946, acolheu uma recomendação no sentido de que a referida Declaração de Genebra "deveria, tanto quanto em 1924, obrigar os povos hoje em dia".

A redação preliminar da nova Declaração coube a duas das comissões funcionais do Conselho - à Comissão Social e à Comissão dos Direitos Humanos, Em sua forma final, o texto foi elaborado pelo Comitê Social, Humanitário e Cultural da Assembléia Geral. Na Assembléia Geral de 1959, finalmente, com a presença de representantes de 78 nações membros, foi a Declaração aprovada, sem um voto dissidente sequer.

Assim a Assembléia Geral proclama , com esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as mulheres em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios, dentre outros:

PRINCÍPIO 1º - A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

PRINCÍPIO 2º - A criança gozará proteção especial e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade.

As crianças são também asseguradas pelo seu próprio estatuto: "Estatuto da criança e do adolescente". Este resgata juridicamente a cidadania e a atenção universalizada a todas as crianças e adolescentes e respeita as normativas internacionais: a Declaração dos Direitos da Criança (Resolução 1.386 da ONU - 20 de novembro de 1959);as Regras mínimas das Nações Unidas para administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing (Resolução 40/33 - ONU - 29 de novembro de 1985);alem das Diretrizes das Nações Unidas para prevenção da Delinqüência Juvenil - diretrizes de Riad (ONU - 1º de março de 1988 - RIAD).

 O Estatuto da Criança e do Adolescente introduz em 1990 mudanças significativas em relação à legislação anterior, o chamado Código de Menores, instituído em 1979. Crianças e adolescentes passam a ser considerados cidadãos, com direitos pessoais e sociais garantidos, desafiando os governos municipais a implementarem políticas públicas especialmente dirigidas a esse segmento.

4. Considerações finais

Apesar de toda a evolução social pela qual o Brasil vem passando nos últimos tempos, com a criação de leis que fortaleçam as garantias individuais das crianças e dos adolescentes, existem ainda muitas falhas no que se diz respeito a sua aplicação. Crianças continuam ainda nas ruas, sem lares ou famílias, sem alimentos ou educação. Permanece ainda o comercio internacional de crianças destinadas à exploração sexual. Espancamentos, maus-tratos e estupros dentro dos seus próprios "seios familiares" continuam acontecendo, inclusive, com mais freqüência a cada dia, (além de violências físicas, ocorrem também as morais e psíquicas.) Além disso, no que diz respeito a adoção, apesar de terem sido derrubadas as varias barreiras burocráticas que dificultavam esse processo, muitas crianças permanecem ainda nos abrigos, crescendo com a convicção de que jamais terão uma família de verdade. E isso se deve ao fato de terem a pele negra, ou não terem a idade desejada pelos candidatos a pais adotivos.

Observando-se tais fatos, percebe-se então que a legislação brasileira é, a todo momento desrespeitada, e muitas vezes até ignorada pela própria sociedade que tanto a almejou. Para que todo esse aparato burocrático legal seja efetivo realmente, torna-se necessária a mobilização de toda a sociedade, onde cada instituição, cada família, pessoa, empresa, rua bairro,cidade, assuma esse objetivo como uma prioridade a ser realizada a partir da participação de cada um.

5. Bibliografia

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado – comentários jurídicos e sociais – Coordenador: Munir Cury, 6a edição, Malheiros Editores.

www.unicef.org

www.infanciaejuventude.com.br

Revista Época, agosto de 2004, p. 96 - 102.

Zanrina S. Khan - Os Direitos da Criança