Da Poesia...
Por Ary Carlos Moura Cardoso | 18/09/2008 | LiteraturaMuita coisa tem de ser esquecida quando se deve conservar o essencial.
Curtius
Alguém organiza um texto em forma de versos, estrofes e talvez se interrogue: "SERÁ MESMO LITERATURA"? A resposta séria é: depende da doutrina alegada para a forjadura do mesmo.
Literariedade de um poema passa também pelas ditas "instâncias sacralizadoras". Ser ou não ser literatura não é questão científica. Destarte, eis algumas (instâncias): a crítica literária; o merchendising de editoras renomadas; os júris de concursos literários; os intelectuais; as listas de obras mais vendidas; os professores da área; a ABL e o próprio povo. Cada uma lá com os seus critérios, é claro.
Desconfiado, você pode concluir: "então o que existe é um vale tudo ideológico e estético"? De modo geral, é quase isso. Convém ainda levarmos em conta que, nesta vida, interessam menos os exercícios metafísicos do que forças políticas.
Incursemos pelo terreno da Poesia. Sou dos que acreditam piamente numa espécie de Ser da mesma. De primeiro, separamos Poesia de Poema. Este sem aquela, por mais trabalhado em seu aspecto formal, não passa de reles simulacro. A Poesia, antes de tudo, é uma das mais sutis e profundas possibilidades de conhecimento humano (há a Filosofia, a Religião, o Mito, o Senso Comum, a Ciência), daí sua tremenda periculosidade. Poesia verdadeira jamais estende as mãos a qualquer esfera de poder (pense no que levou Platão a odiar tanto os Poetas).
Ainda que a Poesia seja um fenômeno caracterizado, como sabemos, pelo ritmo, pela subjetividade, pela estruturação em versos, a sua essência, ouso afirmar, consiste no fazer imaginário onde metáforas problematizem as coisas (não importam quais) nos incitando a reflexões percucientes. Genuína Poesia, como ensina Perrone-Moisés, esclarece, alarga e valoriza nossa experiência de mundo. Desta forma, estou convicto ser a boa Poesia envolvência crítica com as mazelas humanas a partir, é óbvio, de perspicazes observações da vida. Assim, sem o recurso da inteligência, não há Poesia.
Todo poema há de conter alguma coisa digna de ser lida e relida. Poesia não é loquacidade encantatória, tampouco originalidade metafórica que em nada contribui para a elevação do homem. Poeminha perfumado é Poesia traída, menor, corroída por palavrório lírico sem o toque fundamental da vida bruta. A Poesia, em seu mais alto grau, nunca será lengalenga idiossincrático, arroubos lingüísticos ou arrebatamentos metafóricos. O "complexo de imagem", o "sentimento que a anima", mesmo advindos de "um conhecimento intuitivo cujo sentido é dado pelo pathos que o provocou e sustém", à semelhança de Prometeu, a Poesia autêntica rebela-se, inconformada, contra todo e qualquer tipo de sistema opressor. Sua vocação é ser Libertadora.
A matreirice da "arte pela arte", como no caso a linguagem pela linguagem ou considerações apenas de cunho formal, métrica, rima, número de versos, de estrofes e até mesmo a ausência disso, devem ser vistos e analisados sob a ótica crítica segura. Na liberdade formal, no uso de outros recursos sonoros, na utilização de uma linguagem mais informal (embora conquistas modernas), de forma alguma, há garantia de qualidade poética.
O poema de fato digno de ser classificado como Poesia nada mais é do que um apelo inteligente e corajoso à práxis transformadora. Por isso, o verdadeiro Poeta (não um mero versejador) ser um Sábio. Basta empreendermos uma viagem através dos maiores paradigmas da literatura universal para confirmarmos esta premissa.
O grande problema, finalmente, é que a Poesia está banalizada. Confunde-se justaposição de versos (ou mesmo um só) com Poesia. De minha parte, mantenho a esperança de que re-acharemos não apenas a sua real dignidade (Poesia) como a do próprio Poeta perdidos nesse rastejar infame de consumos e mesmices atoleimados.