Da penalidade aplicável à infração de falta de escrituração de documentos ficais relativos a operações de entrada no âmbito do Contencioso Administrativo Tributário do estado do Ceará

Por Bruno Leal Sampaio | 26/05/2022 | Direito

Os contribuintes do ICMS estão obrigados a prestar informações fiscais ao ente fazendário, possibilitando, assim, a análise de suas operações envolvendo a entrada e saída de mercadorias e das prestações de serviços tributadas por este tributo. Tal obrigação acessória, atualmente, é efetivada mediante a transmissão da Escrituração Fiscal Digital (EFD) dos contribuintes por meio do Serviço Público de Escrituração Digital (SPED), em substituição à sistemática anterior, de escrituração de tais informações em livros fiscais físicos.

O advento da tecnologia possibilitou a substituição da rudimentar análise física dos livros fiscais dos contribuintes, contribuindo para a maior celeridade nos trabalhos de fiscalização realizados pelos entes fazendários estaduais, bem como possibilitando o cruzamento de informações transmitidas pelos contribuintes instantaneamente pelos sistemas informatizados utilizados atualmente.

Dentre os livros fiscais substituídos pela EFD, está o livro de registro de entradas, isto é, o registro dos documentos fiscais que acobertam as operações de entrada de mercadorias realizadas pelos contribuintes, expedidos pelos alienantes destes produtos.

Através do cruzamento das informações transmitidas ao Fisco pelos contribuintes deste tributo, pode-se identificar com facilidade as situações em que o destinatário de determinado documento fiscal não o escriturou em sua EFD, enquanto seu emitente realizou o referido registro.

Na prática cearense, assim que iniciada a ação fiscal, mediante a ciência do contribuinte da lavratura do Termo de Início de Fiscalização pelo auditor fiscal designado a realizar os trabalhos fiscalizatórios, aquele é intimado a prestar esclarecimentos e justificativas acerca dos documentos fiscais de entrada que os sistemas informatizados utilizados pela receita estadual identificaram como não escriturados regularmente.

Com esteio, tais indícios advindos do cruzamento de informações são hábeis a comprovar a conduta infracionária, pelo que somente a comprovação do regular registro na EFD ou do cancelamento ou retificação do documento fiscal em momento anterior ao início dos procedimentos fiscais têm o condão de afastá-la.

Deste modo, não comprovada a regularidade da escrita fiscal do contribuinte por meio de documentação idônea para tanto, somente por meio da declaração de nulidade da ação fiscal ou do auto de infração lavrado pelo agente competente poderá o contribuinte afastar a sanção pela ausência de escrituração dos documentos fiscais.

No que concerne à penalidade aplicada em face da apuração desta infração, os agentes autuantes tem indicado a sanção cominada no artigo 123, inciso III, alínea G, da Lei n. 12.670/1996, que instituiu o ICMS no âmbito do estado do Ceará. O referido dispositivo teve sua redação alterada pela Lei n. 16.258/2017, in verbis:

“Art. 123. As infrações à legislação do ICMS sujeitam o infrator às seguintes penalidades, sem prejuízo do pagamento do imposto, quando for o caso: (...)

III – relativamente à documentação e à escrituração: (...)

g) deixar de escriturar no livro fiscal próprio para registro de entradas, inclusive em sua modalidade eletrônica, conforme dispuser a legislação, documento fiscal relativo a operação ou prestação: multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor da operação ou prestação;”

A alteração legislativa promovida pela Lei n. 16.258/2017 objetivou aumentar a abrangência da penalidade, na medida em que o tornou aplicável também à não escrituração dos documentos fiscais de entrada no livro fiscal próprio em sua modalidade eletrônica, enquanto a redação anterior somente previa sua aplicação na modalidade física.

Ademais, modificou o quantum da sanção, passando de “uma vez o valor do imposto” a 10% (dez por cento) do valor da operação – na hipótese de trânsito de mercadorias – ou da prestação – na hipótese de o tributo em comento onerar os serviços de transporte intermunicipal, interestadual e de comunicação –, além de remover integralmente a atenuante relativa à comprovação do lançamento contábil do documento fiscal.

A indicação de tal penalidade como a aplicável uma vez apurada a infração em comento, aos fatos ocorridos em momento posterior à vigência da Lei n. 16.258/2017 é integralmente correta. Contudo, sua indicação para períodos que antecederam a modificação legislativa deve ser integralmente afastada, seja pela via judicial, seja em sede de exame de legalidade do lançamento tributário, isto é, no âmbito do contencioso administrativo tributário cearense.

No que concerne à aplicação da legislação tributária, o Código Tributário Nacional (CTN) assim determina:

“Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa nos termos do artigo 116.

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;

II - tratando-se de ato não definitivamente julgado:

a) quando deixe de defini-lo como infração;

b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.”

A priori, poder-se-ia defender a perspectiva que, conforme preceitua o artigo 106, inciso II, alínea C, do CTN, a redação alterada do artigo 123, inciso III, alínea G, da Lei n. 12.670/1996, em virtude da cominação de sanção mais branda ao contribuinte, seria aplicável retroativamente aos fatos ainda não definitivamente julgados, como os lançamentos tributários submetidos à análise do Contencioso Administrativo Tributário (CONAT).

Contudo, a redação anterior do dispositivo sancionatório não abrangia a modalidade eletrônica do livro de registro de entradas, razão pela qual não é aplicável à ausência de escrituração na EFD dos contribuintes, diante da ausência de tipificação da conduta na legislação tributária cearense.

O CTN, em seu artigo 112, assim determina:

Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:

I - à capitulação legal do fato;

II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;

III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;

IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

Deste modo, objetivando sancionar os contribuintes que descumpriram tal obrigação acessória, diante da impossibilidade de aplicação da penalidade mencionada supra, bem como em observância ao dispositivo legal acima colacionado, o Conselho de Recursos Tributários (CRT) passou a aplicar a multa cominada no artigo 123, inciso VIII, alínea L, da Lei n. 12.670/1997, in verbis:

l) omitir informações em arquivos eletrônicos ou nestes informar dados divergentes dos constantes nos documentos fiscais: multa equivalente a 2% (dois por cento) do valor das operações ou prestações omitidas ou informadas incorretamente, limitada a 1.000 (mil) UFIRCEs por período de apuração;

Tal penalidade, como pode ser observado, é deveras mais benéfica aos contribuintes, bem como se adequa ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, bem como ao da legalidade, axioma basilar do Direito Tributário brasileiro, ao sancioná-los em 2% (dois por cento) do valor das operações realizadas, ou seja, no mínimo 20% (vinte por cento) do montante da penalidade aplicada anteriormente.

Diz-se no mínimo pois, com a limitação de 1.000 (mil) UFIRCEs por período de apuração – diga-se, por mês, em virtude do elemento temporal da regra-matriz de incidência tributária do ICMS –, a redução poderá ser vastamente superior, na hipótese de o contribuinte deixar de escriturar documentos fiscais em montante elevado, ou que as operações por estes acobertadas relacionarem quantias vultuosas.

Ora, a EFD está inserida no conceito de arquivo eletrônico/magnético, posto que transmitida através do SPED ao Fisco pelos contribuintes, fruto da aplicação de tecnologias atualizadas ao controle das obrigações tributárias, possibilitando análise mais célere e profunda do movimento real tributável, bem como otimizando o trabalho dos Auditores do Tesouro Estadual.

Deste modo, a ausência de escrituração dos documentos fiscais, bem como o seu registro contendo informações incompatíveis com as operações realizadas de facto por parte dos contribuintes se amolda perfeitamente ao tipo previsto no artigo 123, inciso VIII, alínea L, da Lei n. 12.670/1996, atraindo, por via de consequência, a sua aplicação.

Tal perspectiva corresponde ao entendimento atualizado da Câmara Superior do CONAT, órgão fracionário de cúpula do CONAT, que realiza o julgamento dos recursos extraordinários, com vistas à uniformizar o entendimento das Câmaras de Julgamento, que compõem a instância recursal ordinária, bem como são responsáveis por examinar os julgamentos realizados na Célula de Julgamento de 1ª Instância (CEJUL) pelos julgadores singulares, em sede de reexame necessário, caso sejam integral ou parcialmente desfavoráveis ao Fisco (diga-se, caso reduzam o crédito tributário lançado no auto de infração).

Através da publicação do CONAT Decide e Publica n. 01, em 11 de maio de 2021, buscou-se dar publicidade ao referido entendimento, compilando-se neste informativo diversas resoluções da Câmara Superior em que, suscitados pelos contribuintes, aplicaram a penalidade inserta no artigo 123, inciso VIII, alínea L, da Lei n. 12.670/1996.

Ressalte-se que, ainda que o descumprimento da referida obrigação acessória ocorra em momento posterior à publicação da Lei n. 16.258/2017, por força do artigo 112 do CTN, por haver penalidade mais benéfica ao contribuinte, deverá ser aplicada tal penalidade ao invés da cominada no artigo 123, inciso III, alínea G, resultando-se em penalidade virtualmente inaplicável, situação esta que somente poderá ser modificada mediante alteração legislativa.

Deste modo, com fundamento no artigo 112 do CTN, bem como no entendimento atualizado da Câmara Superior do CONAT, no advento de autuação por falta de escrituração de documentos fiscais em operações de entrada de mercadorias, deverá ser aplicada a penalidade cominada no artigo 123, inciso VIII, alínea L, da Lei n. 12.670/1996.

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