Dá para mudar...
Por Geraldo de FREITAS MACIEL | 17/01/2011 | AmbientalDá para mudar...
Hoje em dia fala-se bastante de riscos, crises, gestão de crises, crises de toda natureza, crise econômico-financeira que pode desestabilizar economias, derrubar moedas e quebrar países; no Brasil crise da segurança que pode ainda mais desvalorizar as nossas instituições e até mesmo o "preço da vida" do cidadão brasileiro; crise social que, sangrando há anos, tenta com bolsas família e programas sociais inserir, cada vez mais, gente abaixo da linha da pobreza no mercado de consumo; crise da educação que tenta eliminar ainda o analfabetismo ceifador de inclusão social. O gigantismo brasileiro cresce também no seu número de problemas e crises que enfrenta a cada dia e a cada etapa do ano, quando durante o período de chuvas aqui, secas ali ou ciclones por lá , desencadeia-se uma crise dentro das crises, gerada por efeitos combinados (eu diria naturais, estruturais e perversos) gerando insegurança, medo, perdas e muito sofrimento na população brasileira, notadamente naqueles advindos das classes menos favorecidas, menos esclarecidas, menos participativas da divisão de recursos do país, mas brasileiros também. E neste mesmo país, com economia que tem sobrevivido às crises internacionais, com a balança comercial favorável e grandes empresas registrando superávits, temos o Brasil que a chuva torrencial "nem molha", mas muitos outros brasis onde ela pode sim mutilar.
Especialistas tentam explicar que a última enxurrada na região serrana do Rio de Janeiro é resultado do deslocamento de massas de ar quente e úmido proveniente da Amazônia ? Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), criando nuvens carregadas sobre a região e conseqüentes chuvas torrenciais sobre a bacia hidrográfica que, combinado às condições morfodinâmicas adversas, ocupação irregular, sistema de drenagem obsoleto, levou inevitavelmente à tragédia. Complementaria: A principal ação humana grave, se não for cuidadosamente supervisionada, é a execução de cortes nas encostas, conseqüente remoção da vegetação e impermeabilização abusiva, seja pela abertura de loteamentos, ruas, construções.. Os taludes produzidos possuem altura e inclinação geralmente elevadas, ficando desprotegidos da vegetação original. Assim os parâmetros de resistência são comprometidos, seja por intemperismos, mudança na geometria do sistema natural (sem controle) e queda de coesão, sobretudo em condição de saturação do solo (camada fina sobre a rocha) e aí, nada mais segura diante de chuva intensa - a gravidade cruelmente vence a ação resistiva. Foram assim "surpreendidos" por essa somatória de efeitos devastadores que ocasionaram uma corrida de lamas e detritos, enfim um verdadeiro efeito devastador tipo "tsunami". E com muitas mortes com certeza.. E ainda não acabou: explicam-nos que gasta-se muito mais na tentativa de minimizar as perdas de toda natureza pós acidente que na sua prevenção.
Pois bem, mas tudo isso é muito mais é conhecido, Oh Deus, já foi estudado, equacionado, é problema resolvido que, aliás, deve divagar pelas milhares de teses defendidas na academia, mas com pouco ou nada operacionalizado pelo poder público míope, pelo poder de decisão nas mãos, entre outros, até de palhaços profissionais (hoje com salários equivalentes ao de centenas de professores do ensino médio e boas dezenas de engenheiros do país).
Acredito, sinceramente. que devamos sim dar esclarecimentos, devamos trazer maiores conhecimentos à população, é dever, mas que isso seja assunto de discussão, da escola à família, da comunidade local ao poder público Se a solidariedade de toda natureza (população em geral, setores públicos, governo), tão percebida nos meios televisivos, acontece e traz algum alívio (ainda que imediato), por que esses segmentos tão participativos na crise não podem também colocar na pauta de suas agendas, cada um na sua percepção e na sua capacidade de decisão, uma discussão do assunto "in time, online e full time." ? É preciso atribuir e cobrar de forma contundente e definitivamente responsabilidades, responsabilidade social aos nossos " representantes".
As crises repetitivas em função do fenômeno precipitação chuva que temos assistido no Brasil são, de fato, resultado da variável meteorológica combinada às condições morfodinâmicas e de ocupação que se encontra aquela área, aquela encosta, mas só tem gerado maiores desastres e até a maledita castástrofe (aliás, quase sempre produzida pelo próprio homem), em função da opção política "sorteada" para aquela comunidade ou região. É gritante a clivagem existente entre as áreas mais nobres, mais seguras e, por conseguinte, menos sensíveis ao aleatório climático, e as zonas de periferia das cidades brasileiras, marcadas pela urbanização desordenada e selvagem, notadamente aquelas localizadas em encostas, regiões ribeirinhas, mangues e lixões.
Como estudioso de um pequeno capítulo de riscos e catástrofes naturais não posso conceber que em pleno século XXI, com os recursos humanos que dispomos, tecnicidade da engenharia brasileira e de seus pesquisadores, possamos ver calamidades dessa magnitude acontecer às nossas vistas. Arrisco dizer que os desafios da engenharia patrocinada pela opção política planejada, contínua e responsável, em gastar mais com a vida de seus brasileiros e brasileiras dá condições ao homem moderno cohabitar (com racionalidade) até mesmo com o perigo e não ser vítima dele.
Sabe-se que os riscos naturais e suas conseqüentes catástrofes, nos países em desenvolvimento, estão principalmente correlacionados à urbanização acelerada e não controlada, à degradação ambiental, à fragilidade da capacidade de resposta e à pobreza. A combinação desses fatores é temerária. Se o homem da antiguidade via o desastre como um descontentamento dos deuses (ou coisas do demônio); em pleno século XXI o temerário ou demoníaco é ainda a fragilidade da capacidade de ação e resposta do poder público em geral, que não tendo necessariamente cultura no assunto, quando não mal assessorado ou povoado por interesses outros (daí a perversidade), adota soluções que podem até aliviar ou adiar o acidente, mas não consegue prevenir, controlar ou evitá-los. Os efeitos do terno fenômenos da natureza (com suas aleatoriedades e intensidades crescentes) ? infraestrutura (geotécnica, saneamento/drenagem ) ? gestão pública, se mal conduzidos ou inexistentes, gerarão cedo ou tarde tragédias anunciadas.
Que Deus ilumine as cabeças de nossos dirigentes e se estabeleça uma vez por todas, e de forma operante, um setor que discuta, de verdade, no atual governo, sem paixões, busca de culpados do passado, e interesses próprios, o tema Desastres "Naturais" no Brasil. Acabemos com o romantismo que no Brasil não há acidentes "naturais", Deus é brasileiro (que bobagem...), que terra abençoada...
Tenho ainda esperança que consigamos sair logo dessa crise, achando nossas soluções próprias, com selo de segurança. Dá para mudar. Tem que mudar. Tenham certeza que a academia pode em muito contribuir.
Que Deus abençoe essas famílias e traga conforto aos seus corações.
Geraldo de Freitas Maciel é engenheiro civil, professor universitário - Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Ilha Solteira. Atua na área de Recursos Hídricos e Mecânica dos Fluidos (geraldo.maciel3@gmail.com).