Da ordem e supremacia constitucionais

Por Eduardo Vieira Costa | 26/01/2017 | Direito

O vocábulo Constituição pode ser empregado em várias acepções distintas, sejam elas de caráter político, sociológico, filosófico e jurídico, tais como: (a) “conjunto de elementos essenciais de alguma coisa” [1]; (b) formação e organização de determinado elemento ou; (c) conjunto de normas que regem uma corporação, instituição: a constituição da propriedade.

“No espírito unânime dos povos, uma Constituição deve ser qualquer coisa de mais sagrado, de mais firme e de mais imóvel que uma lei comum” [2], pondera Ferdinand Lassale, precursor da denominada “social democracia alemã”.

O atual Ministro da Justiça e Cidadania do Brasil, Alexandre de Moraes, citando J.J. Gomes Canotilho traz à apreciação um conceito político social pormenorizado de “Constituição”, senão vejamos:

 

Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos.[3]

 

O senso de Constituição não é um privilégio dos tempos modernos. Tem sua origem em momento retrógrado.

Lassalle sustenta ser “um erro julgarmos que a Constituição é uma prerrogativa dos tempos modernos” [4], evidenciando o fato de que todos os Estados sempre a possuíram, sendo ela “boa ou má, estruturada de uma ou de outra forma” [5].

Até a Segunda Guerra Mundial, prevalecia um modelo constitucional instituído como “Estado Legislativo de Direito”, viabilizando a Constituição como escritura essencialmente política, cuja aplicação se dava indiretamente, submetendo-se ao desenvolvimento pelo legislador ou até mesmo pelo administrador. Vigorava a proeminência do parlamento, bem como a centralidade da lei, inexistindo qualquer modelo apto a garantir o controle de constitucionalidade.

O Estado Constitucional de Direito fora consolidado somente com o termo da Segunda Guerra Mundial, adquirindo a Constituição, um objeto amplo, consubstanciado na estruturação e organização do Estado, limites de atuação, formas de aquisição e exercício dos poderes bem como assegurar à sociedade, direitos e garantias individuais.

A evolução constitucional partiu de premissas básicas, variando no tempo e no espaço, se tornando, por fim, a “Lei Fundamental do Estado”.

Atualmente, abstrai-se a efígie do Estado como instituição submetida às próprias diretrizes e cuja estruturação, delimitações e ônus agrupam-se em um texto legal que o constitui, qual seja a Constituição.

O marco inaugural do chamado Estado Constitucional/Democrático de Direito, se deu com o termo da Segunda Guerra Mundial, momento qual a preocupação social até então imposta ao ente estatal era insuficiente para apresentar recursos aos problemas de igualdade.

Insurge desta feita, a necessidade para com a caracterização democrática do Estado, de forma a estimulando a participação pública, efetivando, desta feita, a cooperação igualitária da sociedade.

 

É por essas, entre outras, razões que se desenvolve um novo conceito na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo.[6]

 

Inobstante, manifesta-se concomitantemente a idealização da supremacia da Constituição, colocando a Carta Magna acima de qualquer outra manifestação de direito, como preleciona Kelsen:

 

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental - pressuposta. A norma fundamental - hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade desta interconexão criadora.[7]

 

Neste momento, a supremacia da Carta Constitucional encontra-se adstrita ao conceito formulado por J.J. Canotilho: “lei fundamental e suprema de um Estado” [8], sendo esta “dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema” [9]

José Afonso da Silva citando Miguel Lanz Duret pondera: “toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes” [10] e, complementa:

 

[...] o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo com a constituição. Exige mais, pois omitir a aplicação de normas constitucionais, quanto a Constituição assim a determina, também constitui conduta inconstitucional.[11]

 

A Constituição, portanto, é dotada de superioridade jurídica em relação as demais normas do sistema, e como consequencia, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se com ela incompatível. 

Logo, abstrai-se que o conjunto normativo que integra o ordenamento jurídico pátrio deve estar subordinado e consoante à Lei Maior, sob risco de invalidade. A resignação destas enseja o instituto do controle de constitucionalidade, observando-se a rigidez constitucional, qual se relaciona à estabilidade da norma bem como ao seu procedimento modificativo.

Imperioso ressaltar que a rigidez concerne à existência de um processo de modificação constitucional mais complexo e austero do que o processo de alteração das normas infraconstitucionais. É o que ocorre com o texto constitucional brasileiro, que se submete a procedimentos específicos para reforma.

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