Da morte de deus à morte do homem

Por NERI P. CARNEIRO | 18/03/2012 | Filosofia

Da morte de deus à morte do homem

 

Atentemos para um fenômeno interessante: Desde que matou deus o homem vem construindo também a sua morte. Por isso, hoje, mais de um século depois que Nietzsche explicou como deus foi morto, estamos assistindo ao fenômeno da morte do homem.

Claro que isso não ocorreu da noite para o dia. Não se mata uma ideia assim tão facilmente. Inicialmente os homens criaram seus deuses, como sugerem pensadores como Schopenhauer, Kierkgaard e Feuerbach. Ou seja, de acordo com suas necessidades e medos, os homens foram criando seus deuses. Depois Marx e Freud demonstraram que os deuses não passavam de entorpecentes e fetiches e como ópio e fetiche os deuses foram – e permanecem – manipulados para satisfazer aos interesses dos homens.

Mas apareceu Nietzsche. Coube a esse pensador alemão anunciar a morte de deus, colocando Zaratustra numa praça falando aos incrédulos: “deus está morto, nós o matamos!”. E mais: “Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres,” pois as esperanças em nome dos deuses mortos aniquilam e enfraquecem o homem.

E assim foi que começou a morte do homem. A morte de deus resultou do progresso das ciências e desenvolvimento das inovações tecnológicas. Foram tantos os avanços que, em meados do século XX, se acreditava num Estado de bem estar social com plenitude de regalias sociais e tecnológicas, tendo o homem como centro. O ser humano estava sendo deificado, substituindo os deuses mortos. Supervalorizando a ciência o homem se divinizava.

Não mais os deuses, nem o homem, mas o super-homem, apregoava Nietzsche, de forma irônica. “Que é o macaco para o homem? Motivo de riso ou uma dolorosa vergonha. O mesmo deve ser o homem para Super-homem: motivo de riso ou uma dolorosa vergonha”.

Ocorreu, entretanto, que o progresso não trouxe satisfação coletiva nem a sonhada realização humana. Pelo contrário. Quanto mais progredia em ciência tanto mais cresciam seus dramas. O objetivo, entretanto, era a superação do homem, pois “o super-homem é o sentido da terra”. Concretamente, porém o homem, ao invés de se super humanizar e se superar, retrocedeu: em relação a si e aos outros. O homem deixou de ser um valor e passou a supervalorizar os bens trabalhando não para se auto construir, mas para ter com que comprar!

Por isso, hoje podemos nos perguntar: que é o homem para o homem? A lista de respostas é longa: objeto descartável; objeto de consumo; peça de reposição na engrenagem do sistema; possibilidade de lucro; ser supérfluo... uma coisa que se usa enquanto tem utilidade!

Isso se comprova no dia a dia. Observemos os veículos de comunicação: Quantas são as informações sobre mães deixando suas crias recém paridas nas lixeiras? Quantos filhos roubam e matam aos pais? Quantos são os exemplos de empresas que demitem centenas ou milhares de trabalhadores, para reservar seus lucros? Quantos são os trabalhadores que, propositadamente, danificam ferramentas e máquinas das empresa? Quantos patrões e empregados, colaboradores mútuos, se agredem e se exploram como inimigos mortais?

Qual é o valor da vida humana, nas filas dos hospitais? Quanto vale o ser humano vitimado pelas rodovias mal conservadas? Quantos são os casos em que a polícia, paga para proteger o cidadão, agride e mata aquele a quem devia proteger? Que dizer dos “amigos” oportunistas que estão contigo na bonança mas te abandonam na primeira sombra de dificuldade?

Isso e muito mais nos impõe uma pergunta: qual o valor do ser humano, para o ser humano? Sabemos a resposta: nenhum. Ou melhor: Tem valor na medida que satisfaz interesses ou traz benefícios, o que implica dizer que o homem permanece uma peça descartável na medida que cresce sua desvalorização.

O que ocorreu? Não só a morte de deus, mas a partir de sua morte intensificou-se o processo de desvalorização homem. O homem mata a deus e tenta ocupar seu espaço. Mas ocorre exatamente o oposto pois surge um vazio de valores evidenciado pelo aumento da violência social e institucional. Sem deuses e sem valores, está decretada a morte do homem. Podemos dizer, portanto, que a atual ausência de valores humanizantes produzem a desvalorização do homem, daí sua morte.

Estamos, portando diante de uma grave crise de valores e de uma crescente onda de violência impondo a busca do sentido da existência o que coloca a necessidade de uma antropologia da a morte do homem.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO