Da Lingüística à Pragmática
Por Djalmira Sá Almeida | 19/06/2008 | Educação
1. A gramática tradicional e a análise do discurso
No fim do século XIX, surgiram os primeiros sinais de descontentamento com a gramática tradicional. Por meio de métodos científicos, os comparativistas passaram a estudar a história das línguas e suas derivações deslocando-se das preocupações normativas. Só no começo do século XX é que a Lingüística ganha autonomia com as idéias de Ferdinand de Saussure, um estruturalista influenciado pela sociologia de Durkheim.
Saussure enfatizou a língua como objeto de análise da Lingüística e ignorou o papel individual da fala. Depois disso várias ligações se estabeleceram entre Lingüística, Psicologia, Filosofia e Semiologia, dando origem a novas concepções teóricas e práticas da linguagem. Vários teóricos, alguns até seguidores de Saussure, puseram em dúvida as dicotomias do mestre criando as bases de uma Lingüística da Fala, destacando a função das alterações individuais da linguagem. No entanto, para o estabelecimento da Lingüística da Fala os elementos afetivos de Charles Bally deram maior contribuição pela descoberta do valor estilístico da expressão.
A pragmática só vem surgir quando as ciências da linguagem se multiplicam em abordagens dos fenômenos lingüísticos pela necessidade de aplicação das teorias para resolver problemas práticos.
Em Maingeneau (1989:29-40) a cena enunciativa, lugar e cena, os gêneros discursivos e a pragmática são tratados como instituição discursiva ou prática discursiva. Para ele, na perspectiva pragmática, a linguagem é considerada como uma forma de ação e cada ato de fala é inseparável de uma instituição. Ele faz referência à ordem jurídica que regula naturalmente as relações entre sujeitos, atribuindo a cada um uma função que se reflete na atividade da linguagem, permitindo ou autorizando um contrato, enfatizado nas palavras de Charaudeau (1983):
A noção de ‘contrato’ pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais sejam capazes de entrar em acordo, a propósito das representações da linguagem destas práticas. Conseqüentemente, o sujeito que se comunica sempre poderá, com certa razão, atribuir ao outro (o não-EU) uma competência de linguagem análoga à sua que o habilite ao reconhecimento. O ato de fala transforma-se, então, em uma proposição que o EU dirige ao TU e para a qual aguarda uma contrapartida de conivência.(Apud Maingeaeau).
Desse modo, podemos entender a pragmática na análise do discurso como um estudo baseado no teatro da enunciação e no jogo que a sociedade impõe através da linguagem, para informar, convencer ou iludir, permitindo ou autorizando um enunciador ou seu enunciado.
A esse respeito diz Maingeneau (1989:39):
Ora, este estatuto de sujeitos enunciadores e de seus presumíveis destinatários é inseparável dos gêneros de discursos utilizados: os textos humanistas devotos apresentam-se como conversas amenas, cultas entre pessoas de bem. Desta forma, em sua maior parte, estão ligados de forma privilegiada aos gêneros dialógicos mundanos, especialmente cartas e conversações. Mas é preciso ir além, pois essa tendência em investir em gêneros, a priori ‘pagãos’, humanistas, relaciona-se com o conteúdo do discurso: segundo o humanismo devoto, as práticas de sociabilidade mundana podem ser sublimadas através da literatura piedosa porque Deus governa a sociedade em todos os seus aspectos. Neste caso, conseqüentemente, há uma clara correspondência entre gêneros e doutrina; a separação entre forma e o conteúdo revela-se sem sentido.
Nesse sentido, em Análise do Discurso, o resgate da retórica, mesmo que só aparentemente, através das várias tendências da pragmática, rejeita, de certo modo, seus pressupostos. Para ela, é estranho que a imagem de um discurso que transmite idéias, devido a certos procedimentos, devolva seu peso ao sujeito, ao destinatário, ao lugar, à cena, ao momento, ao gênero da enunciação, e mesmo assim corresponda à conjugação fundo e forma.
Maingeneau afirma que, assim como a pragmática questionou a concepção de linguagem representante de um mundo preexistente, a Análise do Discurso se recusa a crer na concepção que faria da discursividade um suporte de doutrinas ou de visões de mundo.
A meu ver, a tarefa da Análise do Discurso não é apenas justificar a produção de determinados enunciados em detrimento de outros, porém, explicar como eles se impuseram nas organizações sociais, como ocorre nos textos jornalísticos, empresariais e nos da publicidade e marketing.
2. Linguagem, pragmática e ideologia
Carlos Vogt (1980:130-131), em seu livro Linguagem pragmática e ideologia, referindo-se a uma pragmática das representações, discute o problema das relações entre linguagem e ideologia, procurando mostrar que o objeto de estudo específico da pragmática é o domínio dessas relações.
Para ele, o termo ideologia significa tanto os sistemas de idéias–representações sociais como os sistemas de atitudes e comportamentos sociais e não sinônimo de má consciência ou mentira piedosa. Vogt cita a pragmática com base na semiótica peirciana, que se divide em três ramos: o da gramática especulativa ou da gramática pura, o da lógica e o da retórica pura. Segundo ele, este domínio poderia ser ainda caracterizado como o da pragmática, se fosse adotada a perspectiva da teoria lingüística de Morris ou a retórica ou argumentação de Perelman e Tyteca e as de Ducrot, que o próprio Vogt assume na análise de línguas naturais.
Em seu trabalho, Vogt usa o termo representações ao tratar da pragmática com um sentido que é tomado pelo teatro, para designar os diferentes papéis distribuídos nessas pequenas cenas dramáticas que são atos de fala, de desempenho dos interlocutores que participam delas, considerando-as como essenciais ao jogo argumentativo da linguagem.
Na pragmática americana, interacionista, as falas desses atores são consideradas enunciação da oralidade, um jeito moderno de analisar a oratória, com base na pluralidade de vozes que existe no discurso, considerando sua dupla face: diversidade e unidade, além de considerar o produtor do discurso, a sua intenção, as condições de produção, seu conhecimento de mundo e o grau de informatividade e aceitabilidade dos interlocutores em cada situação. Para mim tudo é Linguagem, tudo é Lingüística, tudo é análise do discurso. Enfim, tudo é Pragmática.
Bibliografia:
MAINGENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1989. (Tradução de Freda Insdursky).
VOGT, Carlos. Linguagem, Pragmática e Ideologia. São Paulo: Editora Hucitec/Funcamp, 1980.
No fim do século XIX, surgiram os primeiros sinais de descontentamento com a gramática tradicional. Por meio de métodos científicos, os comparativistas passaram a estudar a história das línguas e suas derivações deslocando-se das preocupações normativas. Só no começo do século XX é que a Lingüística ganha autonomia com as idéias de Ferdinand de Saussure, um estruturalista influenciado pela sociologia de Durkheim.
Saussure enfatizou a língua como objeto de análise da Lingüística e ignorou o papel individual da fala. Depois disso várias ligações se estabeleceram entre Lingüística, Psicologia, Filosofia e Semiologia, dando origem a novas concepções teóricas e práticas da linguagem. Vários teóricos, alguns até seguidores de Saussure, puseram em dúvida as dicotomias do mestre criando as bases de uma Lingüística da Fala, destacando a função das alterações individuais da linguagem. No entanto, para o estabelecimento da Lingüística da Fala os elementos afetivos de Charles Bally deram maior contribuição pela descoberta do valor estilístico da expressão.
A pragmática só vem surgir quando as ciências da linguagem se multiplicam em abordagens dos fenômenos lingüísticos pela necessidade de aplicação das teorias para resolver problemas práticos.
Em Maingeneau (1989:29-40) a cena enunciativa, lugar e cena, os gêneros discursivos e a pragmática são tratados como instituição discursiva ou prática discursiva. Para ele, na perspectiva pragmática, a linguagem é considerada como uma forma de ação e cada ato de fala é inseparável de uma instituição. Ele faz referência à ordem jurídica que regula naturalmente as relações entre sujeitos, atribuindo a cada um uma função que se reflete na atividade da linguagem, permitindo ou autorizando um contrato, enfatizado nas palavras de Charaudeau (1983):
A noção de ‘contrato’ pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais sejam capazes de entrar em acordo, a propósito das representações da linguagem destas práticas. Conseqüentemente, o sujeito que se comunica sempre poderá, com certa razão, atribuir ao outro (o não-EU) uma competência de linguagem análoga à sua que o habilite ao reconhecimento. O ato de fala transforma-se, então, em uma proposição que o EU dirige ao TU e para a qual aguarda uma contrapartida de conivência.(Apud Maingeaeau).
Desse modo, podemos entender a pragmática na análise do discurso como um estudo baseado no teatro da enunciação e no jogo que a sociedade impõe através da linguagem, para informar, convencer ou iludir, permitindo ou autorizando um enunciador ou seu enunciado.
A esse respeito diz Maingeneau (1989:39):
Ora, este estatuto de sujeitos enunciadores e de seus presumíveis destinatários é inseparável dos gêneros de discursos utilizados: os textos humanistas devotos apresentam-se como conversas amenas, cultas entre pessoas de bem. Desta forma, em sua maior parte, estão ligados de forma privilegiada aos gêneros dialógicos mundanos, especialmente cartas e conversações. Mas é preciso ir além, pois essa tendência em investir em gêneros, a priori ‘pagãos’, humanistas, relaciona-se com o conteúdo do discurso: segundo o humanismo devoto, as práticas de sociabilidade mundana podem ser sublimadas através da literatura piedosa porque Deus governa a sociedade em todos os seus aspectos. Neste caso, conseqüentemente, há uma clara correspondência entre gêneros e doutrina; a separação entre forma e o conteúdo revela-se sem sentido.
Nesse sentido, em Análise do Discurso, o resgate da retórica, mesmo que só aparentemente, através das várias tendências da pragmática, rejeita, de certo modo, seus pressupostos. Para ela, é estranho que a imagem de um discurso que transmite idéias, devido a certos procedimentos, devolva seu peso ao sujeito, ao destinatário, ao lugar, à cena, ao momento, ao gênero da enunciação, e mesmo assim corresponda à conjugação fundo e forma.
Maingeneau afirma que, assim como a pragmática questionou a concepção de linguagem representante de um mundo preexistente, a Análise do Discurso se recusa a crer na concepção que faria da discursividade um suporte de doutrinas ou de visões de mundo.
A meu ver, a tarefa da Análise do Discurso não é apenas justificar a produção de determinados enunciados em detrimento de outros, porém, explicar como eles se impuseram nas organizações sociais, como ocorre nos textos jornalísticos, empresariais e nos da publicidade e marketing.
2. Linguagem, pragmática e ideologia
Carlos Vogt (1980:130-131), em seu livro Linguagem pragmática e ideologia, referindo-se a uma pragmática das representações, discute o problema das relações entre linguagem e ideologia, procurando mostrar que o objeto de estudo específico da pragmática é o domínio dessas relações.
Para ele, o termo ideologia significa tanto os sistemas de idéias–representações sociais como os sistemas de atitudes e comportamentos sociais e não sinônimo de má consciência ou mentira piedosa. Vogt cita a pragmática com base na semiótica peirciana, que se divide em três ramos: o da gramática especulativa ou da gramática pura, o da lógica e o da retórica pura. Segundo ele, este domínio poderia ser ainda caracterizado como o da pragmática, se fosse adotada a perspectiva da teoria lingüística de Morris ou a retórica ou argumentação de Perelman e Tyteca e as de Ducrot, que o próprio Vogt assume na análise de línguas naturais.
Em seu trabalho, Vogt usa o termo representações ao tratar da pragmática com um sentido que é tomado pelo teatro, para designar os diferentes papéis distribuídos nessas pequenas cenas dramáticas que são atos de fala, de desempenho dos interlocutores que participam delas, considerando-as como essenciais ao jogo argumentativo da linguagem.
Na pragmática americana, interacionista, as falas desses atores são consideradas enunciação da oralidade, um jeito moderno de analisar a oratória, com base na pluralidade de vozes que existe no discurso, considerando sua dupla face: diversidade e unidade, além de considerar o produtor do discurso, a sua intenção, as condições de produção, seu conhecimento de mundo e o grau de informatividade e aceitabilidade dos interlocutores em cada situação. Para mim tudo é Linguagem, tudo é Lingüística, tudo é análise do discurso. Enfim, tudo é Pragmática.
Bibliografia:
MAINGENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes, 1989. (Tradução de Freda Insdursky).
VOGT, Carlos. Linguagem, Pragmática e Ideologia. São Paulo: Editora Hucitec/Funcamp, 1980.