Da Lei nº 9.296/96 e Seus Aspectos Processuais e Penais

Por Israel Araújo de Sousa | 20/03/2017 | Direito

AUTOR: Israel Araújo de Sousa

COAUTOR: Alexandre Leite Oliveira

 

A Lei da interceptação telefônica trouxe alguns requisitos legais para a permissão da quebra do sigilo, devendo os mesmos serem estritamente cumpridos, pois caso contrário, será determinado como sendo uma conduta criminosa, violadora do direito de intimidade da pessoa.

O primeiro requisito estabelecido pela legislação é justamente a ordem judicial, que somente poderá ser dada pelo competente para julgar a ação principal. Nesses termos, tal requisito se encontra estabelecido no art. 1º, da Lei de interceptação telefônica, não podendo em hipótese alguma um Promotor de Justiça, ou o próprio Delegado, determinar a autorização para a quebra do sigilo telefônico.

Dessa maneira, o juiz que autorizar a quebra do sigilo telefônico, será o competente para julgar a ação principal, onde nos casos em que é verificada a competência de dois ou mais juízes, será resolvido pela regra da prevenção. Em homenagem ao princípio da identidade física do juiz.

Segundo o entendimento apresentado por Capez (2008, p. 518), tem-se como sendo perfeitamente possível a determinação da autorização judicial por um juiz que se demonstre competente apenas para o acompanhamento do chamado inquérito policial, tendo em vista que, a legislação queria afirmar o termo “juízo competente” e não “juiz competente”, como determinado, ao dispor que:

 

Entendemos que nenhuma nulidade ocorrerá se a autorização provier de juiz competente para acompanhar apenas o inquérito policial, pois o que a lei pretendeu dizer foi “juízo”, e não juiz, com competência territorial e material para o julgamento da causa, de modo que tal juízo pode, em alguns casos ou comarcas, ser composto por um juiz preparador de inquéritos e outro julgador da causa. Quem estará autorizando nesse caso será o juízo com competência para a persecução penal, entendendo-se esta como toda a fase desde o inquérito policial até o final do processo criminal.

 

O próximo requisito estabelecido pela Lei das interceptações telefônicas é justamente o de haver indícios razoáveis em relação a participação ou autoria do fato criminoso, conforme expressamente previsto no artigo 2º, I[1]. Nesses termos, não se demonstra como sendo fundamental a prova plena de autoria em crime, mas tão somente um determinado juízo de probabilidade a respeito dos fatos imputados, como é o caso do fumus boni iuris.

É importante salientar que a autorização do juiz em determinar a quebra do sigilo telefônico somente poderá acontecer quando já tiver sido iniciada uma investigação criminal ou então para contribuir na instrução processual, conforme expressamente disposto no artigo 3º, I e II, da Lei nº 9.296/96. Nesse sentido, não poderá ser autorizada a quebra do sigilo telefônico do indivíduo como sendo uma maneira de servir como prova para iniciar uma determinada investigação.

Outro elemento fundamental para a concessão da quebra do sigilo telefônico é o de que a própria infração penal cometida seja devidamente punida com um crime de reclusão, pois nos casos dos crimes punidos com detenção, não poderá ocorrer essa quebra do sigilo. Dessa maneira, acabou por gerar uma certa impropriedade, tendo em vista que, existem crimes punidos com detenção, onde são comumente utilizados por meio do telefone, como é o caso da ameaça ou da contravenção penal de jogo do bicho.

Nesses termos, em contrapartida, alguns crimes que preveem a pena de reclusão, são considerados como sendo de menor gravidade, pois fica incompatível com o princípio da proporcionalidade que o mesmo venha a ter o seu sigilo telefônico quebrado em razão dessa conduta de menor potencial ofensivo.

Além desse requisito estabelecido pela legislação específica, existe o de que não poderá existir outro meio de prova, em razão de que, se houve alguma possibilidade de provar aquela conduta criminosa de outra maneira, não deverá ser concedida a quebra do sigilo telefônico. Assim, se evidencia como sendo de fundamental relevância a demonstração do perigo que poderá ocorrer de perder a prova sem a chamada interceptação telefônica.

Esse requisito é devidamente justificado em razão da quebra do sigilo telefônico ser caracterizada como sendo uma medida de natureza excepcional, pois nesse caso, se houve qualquer outra maneira de provar a conduta criminosa do agente, não poderá ser autorizada a interceptação. Nessa perspectiva, o magistrado vai analisar, no caso concreto, se não existe outra medida menos invasiva e ofensiva a intimidade do acusado.

Por fim, a Lei da interceptação telefônica trouxe o requisito de que a interceptação telefônica deve possuir a finalidade de servir para a instrução do processo criminal ou da própria investigação policial, não admitindo a sua quebra para utilização em outros procedimentos judiciais de natureza cível, trabalhista, dentre outras modalidades.

O procedimento para a autorização da interceptação telefônica poderá ser realizado de maneiras distintas, sendo a primeira delas de ofício pelo próprio juiz competente para a causa, ou então por meio do requerimento realizado pela autoridade policial responsável por sua investigação, e por fim, o Ministério Público, por meio de seus representantes, pode requerer ao magistrado, com a finalidade de instruir o processo penal ou investigação policial.

Nesse aspecto, bem assevera Capez (2008, p. 521), ao dispor sobre as modalidades de pedido que poderão ser realizados para a interceptação telefônica, estabelecendo da seguinte maneira:

 

De acordo com o art. 3º da Lei, a interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz: (a) de ofício; (b) a requerimento da autoridade policial na investigação criminal; (c) a requerimento do representante do Ministério Público, na investigação criminal ou na instrução processual penal. Quanto à vítima na ação penal privada, por analogia, pode requerer a interceptação.

 

Com isso, pode-se estabelecer que além daquelas três modalidades de pedido para autorização da interceptação telefônica, poderá a vítima requerer também, nas ações penais de natureza privada.

O pedido para a realização da interceptação telefônica deverá ser consubstanciado com base em elementos determinando que o mesmo servirá na apuração de uma determinada infração penal, inclusive sendo fundamental a evidenciação dos meios que serão devidamente empregados, conforme previsto no art. 4[2]º, da Lei nº 9.296/96.

Dessa maneira, restando comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais previstos, é obrigatório a concessão da autorização de quebra do sigilo telefônico, tendo em vista que, não se trata de mera faculdade do magistrado a sua concessão ou não. Nesses termos, o pedido deverá ser realizado de maneira escrita, sendo excepcionalmente permitido a sua realização de forma verbal.

Já em relação aos aspectos de natureza penal que foram devidamente estabelecidos pela Lei de Interceptação Telefônica, pode-se determinar que constitui crime realizar uma interceptação telefônica sem a devida autorização judicial, ou então mesmo possuindo essa autorização, sendo a mesma realizada com os objetivos diversos daqueles previstos pelo magistrado, conforme estabelecido expressamente pelo art. 10[3], da Lei nº 9.296/96.

Com isso, esse dispositivo normativo visa proteger a liberdade da própria comunicação, onde vai possuir como sendo o núcleo da conduta típica a realização da interceptação telefônica.

Dessa forma, pode-se estabelecer as palavras proferidas por Capez (2008, p. 535) ao determinar os elementos configuradores do crime de interceptação telefônica, ao afirmar que:

 

Exige-se que a interceptação realizada: a) sem autorização: consiste na realização de interceptação sem a obtenção de autorização judicial mediante procedimento previsto em lei; b) ou com objetivos não autorizados em lei. Pode ocorrer que o agente obtenha a autorização judicial para interceptar a conversa telefônica de outrem, mas não o faz com a finalidade de investigação criminal ou instrução processual penal, ou seja, de acordo com os fins previstos na lei.

 

A segunda conduta tipificada na norma penal incriminadora é justamente estabelecida nos casos em que se quebra o chamado segredo de justiça, relevando a uma outra pessoa acerca do procedimento realizado na interceptação telefônica. Nesses termos, esses são os dois núcleos penais evidenciados naquela norma.

O sujeito ativo desse crime será qualquer pessoa, tendo em vista que, se trata de um crime comum, não se exigindo a ocorrência de nenhuma qualidade de natureza especial.

Nesses termos, a quebra do segredo de justiça, o sujeito ativo será uma pessoa que por razão do seu cargo ou profissão, tenha o conhecimento do procedimento no qual foi instaurado e acabe violando esse segredo.

Já em relação ao sujeito passivo do crime de interceptação telefônica ilegal, serão aquelas pessoas nas quais estão tendo as suas conversas captadas pela figura do infrator. Nesse sentido, pode-se estabelecer os ensinamentos proferidos por Gomes (2009, p. 510), ao dispor sobre o sujeito passivo nas duas modalidades de crime, determinando da seguinte forma:

 

Nas duas primeiras modalidades delitivas (interceptação sem autorização judicial ou interceptação com desvio de finalidade) os sujeitos passivos são os comunicadores. Há uma ingerência indevida na comunicação deles, logo, a liberdade de comunicação de ambos está em jogo. Fala-se em crime de dupla subjetividade passiva. No caso de “escuta telefônica”, em que um dos comunicadores sabe da interceptação, só existe um sujeito passivo. O consentimento dos comunicadores exclui o delito. A honra, a imagem, a intimidade etc. são bens jurídicos disponíveis.

 

Dessa maneira, vai possuir como sendo o elemento subjetivo o próprio dolo do agente que veio a praticar o crime, na medida em que o mesmo é consubstanciado pela vontade de se realizar a interceptação, mesmo não possuindo a autorização ou usando com objetivos diversos daqueles previstos, ou então em quebrar o chamado segredo de justiça.

A consumação do crime será realizada a partir do momento em que o chamado interceptador vem a tomar o conhecimento da conversa realizada pelas pessoas, mesmo que essa seja de maneira parcial. Nesse sentido, não se demonstra como sendo necessária que a conversa venha a ser relevada para terceiras pessoas, pois é consumado só com o conhecimento dessa conversa.

Outra forma de consumação também pode ser realizada, quando a pessoa vem a relevar um determinado segredo de justiça, como é o caso da revelação sobre a existência de uma ordem judicial de interceptação telefônica. Dessa maneira, a consumação do crime ocorre não somente dessa forma, mas também ao se revelar o conteúdo das gravações realizadas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação especial. vol. 4, São Paulo: Saraiva, 2008.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 3. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2015.

 

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

 

[1] Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses: I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

[2] Art. 4° O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

[3] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.