DA FRAUDE À LICITAÇÃO: RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA SOB A ÓTICA DA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI Nº 12.846/2013)
Por José Orlando Soares Leite Neto | 23/01/2016 | DireitoDA FRAUDE À LICITAÇÃO: RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA SOB A ÓTICA DA LEI BRASILEIRA ANTICORRUPÇÃO (LEI Nº 12.846/2013)
José Orlando Soares Leite Neto
Samuel Jorge Arruda de Melo
SUMÁRIO: Introdução; 1 A aplicação da teoria dos jogos no Direito Processual Penal brasileiro; 2 Das organizações criminosas e da delação premiada: generalidades e aspectos introdutórios; 3 Institutos despenalizadores do processo penal brasileiro: da efetiva delação premiada quando do desmonte de organizações criminosas; Considerações Finais.
RESUMO
O ordenamento jurídico, recentemente, com a Lei 12.850/2013, dá um tratamento específico ao crime de organização criminosa, através do Direito Penal, em função da direta afetação da paz pública, ocasionada por esse tipo de crime. Logo, faz-se necessário promover um estudo mais detalhado acerca da organização criminosa, mostrando como este é tratado no ordenamento jurídico, além de relacioná-lo com o instituto despenalizador da delação premiada, demonstrando, assim, como este serve de meio apto ao desmantelamento das organizações criminosas. Para o melhor entendimento da delação premiada, importante ainda ressaltar a existência da “Teoria dos Jogos” e como esta é aplicada no Direito Processual Penal. Ponto chave do presente artigo é tratar, mais especificamente, acerca desta teoria, no intuito de ressaltar a lógica, deste “jogo”, quando da decisão estatal e da possibilidade de haver colaboração entre os jogadores, quais sejam os sujeitos do crime.
Palavras-chave: Ordenamento Jurídico. Organização Criminosa. Direito Processual Penal. Delação Premiada. Teoria dos Jogos.
INTRODUÇÃO
Assim, a Teoria dos Jogos, que alude a John Nash, conferindo fundamento matemático a fenômenos sociais, tem sido um aliado no combate ao crime, sobretudo o crime organizado. É em virtude disso que essa teoria busca racionalizar objetivos para maximizar os resultados desejados. Ou seja, por meio da utilização da Teoria dos Jogos buscar entender a lógica quando da decisão estatal e auxilia na possibilidade de haver colaboração entre os jogadores, quais sejam os sujeitos do crime.
De maneira mais específica, o presente caso há de correlacionar a Teoria dos Jogos ao instituto despenalizador da delação premiada. Por sua vez, essa última corresponde à colaboração efetiva de um integrante da organização criminosa investigada para a instrução criminal quando do Processo Penal em troca de uma redução de sua pena. Nesse sentido, no intuito de obter o depoimento fundamental do apenado, as autoridades judiciárias e policiais lançam mão da Teoria dos Jogos quando concedem o benefício, por assim dizer, da delação premiada.
O que ocorre, em verdade, é uma barganha entre criminoso e autoridade estatal. A Teoria dos Jogos torna-se eficaz à medida em que proporciona ao agente estatal averiguar em que ponto pode ser prejudicial à sociedade reduzir a pena do sujeito ativo do crime a fim de aprisionar os comparsas de organização criminosa. Ou seja, há, por assim dizer, uma benesse concedida pelo Estado, enquanto instituição burocrática, àqueles que infringem suas leis, mas que querem, de alguma forma, redenção junto à sociedade e autoridades estatais.
1 DA NOVA LEI ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA: ASPECTOS INTRODUTÓRIOS
A corrupção é caracterizada pela apropriação privada de recursos públicos que poderiam (e deveriam) ser investidos em prol da sociedade, fundamentalmente, na prestação dos serviços de saúde, educação, segurança, transporte, etc. Está relacionado com a eficácia e a credibilidade da gestão pública, ocasionando a redução de investimentos no país (MOREIRA NETO; FREITAS, 2014) .
Para combater esse grave problema que assola a sociedade brasileira de maneira intensa, fora criada a Lei 12.846/2013, conhecida como “Lei anticorrupção”, a qual estabeleceu inovações concernentes a responsabilidade da pessoa jurídica, quando da prática de atos de representantes seus ou terceiros no âmbito da administração pública nacional ou estrangeira (BITTENCOURT JR., 2014).
Segundo Nóbrega (2014), através desse diploma legal, o Estado criou mecanismos para o combate à corrupção, representando a mudança de foco relacionada a este tema: a preocupação do legislador passa, então, a ser a responsabilização tanto de pessoas físicas, quanto de pessoas jurídicas que acabem por praticar delitos que afetem a Administração Pública. Até a promulgação da lei, somente pessoas físicas poderiam ser sancionadas por corrupção. O ordenamento jurídico brasileiro prevê a responsabilidade civil subjetiva (art.927 do Código Civil).
Para Magalhães (2014), a referida lei foi resultado de clamor social decorrente de seguidos escândalos de corrupção no país, e, sobretudo, pressão de investidores estrangeiros, que buscam reduzir os riscos de investimentos no país. Os “atos” atingidos pela Lei estão definidos em seu art. 5º:
Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados [...].
No que concerne à responsabilidade pela prática dos atos supracitados, a lei define a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, a qual encontra-se expressa no art. 2º da Lei nº 12.846/2013, determinando, assim, que as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não (NÓBREGA, 2014).
Ocorre que, com esse tipo de responsabilidade, não há a necessidade de demonstrar que houve culpa ou dolo, bastando à existência do nexo de causalidade entre a conduta e o possível resultado para que a empresa seja sancionada. Não obstante esse fato há também que se falar na ocorrência da responsabilização da pessoa jurídica independente da responsabilização dos administradores, dirigentes ou outras pessoas que participem do ilícito (MAGALHÃES, 2014).
É possível afirmar que, um dos objetivos desta lei, é fazer com que as próprias pessoas jurídicas criem sistemas de controle sobre as condutas de seus agentes, para que, assim, consigam evitar a prática dos ilícitos dispostos na referida lei. Visa-se a apuração interna de atos de corrupção, e a fiscalização de seus fornecedores, além da conscientização de seus funcionários e a instauração e aprimoramento de órgãos de controle interno e código de ética (BITTENCOURT JR., 2014).
Quanto à responsabilidade dos dirigentes ou administradores, estes só poderão ser penalizados na medida de sua culpabilidade (artigo 3º da Lei nº 12.846/2013). Assim, estes só serão responsabilizados pelos atos de corrupção se for comprovado que agiram com dolo ou culpa grave (MAGALHÃES, 2014).
Na Lei Anticorrupção Brasileira há ainda a responsabilização por ato de terceiro, ou seja, a pessoa jurídica que receba benefício de um ato praticado por seu procurador, empregado, agente, representante, ou terceiro, perante órgão, entidade ou agente público nacional ou internacional, ainda que contra sua vontade, ou sem conhecimento de seus administradores, estará sujeita às sanções previstas nessa Lei (BITTENCOURT JR., 2014).
Bittencourt Júnior (2014) assevera que essa lei traz ainda as sanções aplicáveis às pessoas que praticam e se beneficiam dos atos de corrupção. Parte delas só pode ser aplicada em âmbito administrativo, e outras somente em processo judicial. O artigo 6º da referida lei prevê, na esfera administrativa, a aplicação das seguintes sanções pela prática de atos de corrupção:
Art. 6º Na esfera administrativa serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória.
Como se pode extrair do dispositivo supracitado, as multas são estipuladas em valores altíssimos, razão pela qual a autoridade administrativa deverá atuar, com cautela, na aplicação dessas penalidades, pois pode vir a ocasionar a inviabilização da própria atividade da pessoa jurídica. Cumpre salientar que, independente da sanção a ser aplicada em virtude da Lei Anticorrupção, seu emprego não impede a responsabilização decorrente de atos de improbidade administrativa ou contrárias à lei de licitação (Lei 8.666/93), ou ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas – Lei 12.462/11 (BITTENCOURT JR., 2014).
Além das sanções, a referida lei define os critérios de aplicação e quantificação das penalidades, no artigo 7 (gravidade da infração; a vantagem auferida ou pretendida; a consumação ou não da infração; o grau de lesão ou perigo de lesão; entre outros). No intuito de provocar a cooperação das empresas na apuração de práticas internas de corrupção, foi criado o acordo de leniência, o qual está inserido no artigo 16.
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.
Este acordo consiste no compromisso da pessoa jurídica de colaborar com as investigações e o processo administrativo, com os objetivos de identificação dos envolvidos e obtenção de informações e provas, no qual se estipularão as condições necessárias para assegurar a efetividade dele próprio e do processo administrativo. Tendo por requisitos para a firmação do acordo: - manifestar seu interesse antes de qualquer pessoa; - cessar seu envolvimento com a infração desde a propositura do acordo; - admitir sua participação no ilícito e cooperar com as investigações e ao processo administrativo, comparecendo a todos os atos processuais, quando solicitada (BITTENCOURT JR.,2014).
Fica claro, pelo exposto acima, que a Lei Anticorrupção trouxe inúmeras inovações (algumas não foram aqui tratadas) para ajudar no combate à corrupção principalmente no que diz respeito à responsabilidade da pessoa jurídica nesses crimes.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LICITAÇÃO E REGULAMENTAÇAO DA CONTRATAÇÃO COM O PODER PÚBLICO
O Poder Público, para adquirir, alienar, locar bens, entre outros, necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabelecido na conformidade da lei. Tal procedimento denomina-se licitação (ALEXANDRINO; PAULO, 2013).
De acordo com Mello (2014, p.536):
Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.
É a própria Constituição que impõe a licitação, no artigo 37, XXI, o qual demonstra que:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento).
. Servindo, este artigo, então, de base para as outras normas infraconstitucionais que regulem a licitação. A licitação visa proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso, concorrendo, assim, para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (ALEXANDRINO; PAULO, 2013).
Para Mello (2014) a licitação possui três pressupostos (lógico, jurídico e fático), os quais são indispensáveis para o atendimento de sua finalidade. O pressuposto lógico demonstra a necessidade de haver a pluralidade de objetos e de ofertantes. Sem isto não há como ocorrer à licitação. No concernente ao pressuposto jurídico, percebe-se que, em um caso concreto, a licitação é um meio apto para a Administração conseguir atender o interesse que deve prover (servir ao interesse público). Já o pressuposto fático, diz respeito a existência de interessados em disputa-la.
Ainda no que diz respeito à licitação, esta pauta-se em alguns princípios, tais quais: o da legalidade, da igualdade ou Isonomia, da publicidade, impessoalidade, moralidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e o da adjudicação compulsória. Eventual não-observância aos princípios norteadores ser causa de nulidade de um procedimento ou de todo o processo (CEGALA, 2012)
O princípio da legalidade, nas licitações, incide sobre todo o procedimento licitatório, do início ao fim do processo. À Administração só é dado o direito de agir de acordo com o determinado pela lei. Já o princípio da isonomia (5º, XXII da CF/88), serve para assegurar a igualdade entre os participantes, evitando que sejam privilegiados um ou outro licitante, em detrimento dos demais. A inobservância deste princípio gera a conduta descrita como desvio de poder, podendo, assim, anular licitações advindas deste tipo de conduta (CEGALA, 2012).
De acordo com Souza (2006), a partir do edital é possível perceber a incidência do princípio da publicidade nas licitações, deve-se anuncia-lo de modo que todos licitantes fiquem cientes das condições do procedimento licitatório. Devendo a publicidade ser feita nos meios que garantam esse acesso aos licitantes, possibilitando aos mesmos, ampla participação. No concernente ao princípio da impessoalidade, deve a comissão de licitação demonstrar objetividade em seu julgamento, não se pautando pelo renome de um fornecedor, ao definir o contratado, restringindo-se somente às normas explicitadas no instrumento convocatório.
Quanto ao princípio da moralidade, seguido pelas comissões de licitação, deve se ater às regras delimitadas pelo edital, pelos princípios gerais das licitações e pelos princípios gerais do direito, resguardando assim a boa-fé da Administração e dos licitantes. Relacionado a este principio, o da probidade administrativa serve de advertência às autoridades que participam (promovem) as licitações, impedindo que estas tomem decisões que vão de encontro ao interesse público (SOUZA, 2006)
O princípio da vinculação ao instrumento convocatório é o princípio básico de toda a licitação, funcionando como lei interna, vinculando aos seus termos tanto os licitantes como a Administração que o expediu. Define que a partir do momento que forem estabelecidas às regras para uma contratação, elas se tornam inalteráveis. Sendo verificada a sua inadequabilidade a tempo, as regras estabelecidas para a licitação podem ser corrigidas através de aditamento ou expedição de um novo, sendo prorrogados os prazos, se isto afetar a elaboração de propostas. O Instrumento Convocatório é o edital (CEGALA, 2012).
O princípio da adjudicação compulsória previne que o objeto licitado seja atribuído a outro que não o seu legitimo vencedor. Impede também que seja aberta nova licitação enquanto houver adjudicação anterior válida. Este princípio não permite revogar o procedimento licitatório ou prolongar a assinatura do contrato indefinidamente sem que haja justo motivo. A adjudicação encerra o procedimento licitatório, que passa então a fase de contratação (SOUZA, 2006).
Após esta breve introdução cerca da licitação e dos princípios que a regem, será feita uma análise do delito conhecido como fraude à licitação e de como se dá sua relação com a nova Lei Anticorrupção.
3 FRAUDE À LICITAÇÃO: A RESPONSABILIZAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS SOB A ÓTICA DA LEI 12.846/2013
O crime organizado no Brasil se desenvolve e espalha em progressões quase que aritméticas. Isso porque, a bem da verdade, os criminosos possuem verdadeiro arsenal bélico e tecnológico que lhes permite antecipar muitas ações estatais. São formadas verdadeiras organizações criminosas que dominam territórios e promovem em comunidades controle similar ao do Estado (GOMES, 2015).
Nesse sentido, visando enfraquecer o poderio dos fora-da-lei, os agentes estatais lançaram mão da delação premiada, que é mais um instituto despenalizador. Trata-se de uma denúncia que resulta numa recompensa para aquele que a realizou. Ou seja, apresenta-se, mais uma vez, a barganha penal (GOMES, 2015). A sua regulamentação se dá pela Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013. A delação premiada é a expressão mais prática e didática da Teoria dos Jogos.
O Estado aqui busca a verdade processual a fim de punir aqueles que infringem suas leis. Em verdade, ocorre uma recompensa que é dada àqueles que colaboram com as investigações. Trocando a manutenção de sua liberdade ou de diminuição da pena, um dos réus delata (“trai”, por assim dizer) os seus comparsas de prática delitiva. É o que Gomes (2015) chama de justiça colaborativa. Visando à justiça colaborativa é que o Estado, utilizando-se de racionalidade, promove a maximização dos resultados práticos a fim de solucionar crimes.
Há disciplina estatal sobre quais crimes comportam a despenalização por meio de delação premiada, ou seja, não são todos os crimes passíveis desse instituto (REIS; OLIVEIRA, 2015). São eles os do art. 159 do Código Penal, sobre crimes de extorsão mediante sequestro (redação dada pela Lei nº 9.269/1996, ao parágrafo 4º do art. 159 do CP); Lei nº 8.072/1990, sobre crimes hediondos (art. 8º, parágrafo único); Lei nº 8.137/1990, sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 16, parágrafo único); Lei nº 9.034/1995, sobre crime organizado (artigo 6º); Lei nº 9.613/1998, sobre lavagem de dinheiro (artigo 1º, parágrafo 5º); Lei nº 9.807/1999, que trata do programa de proteção a vítimas e testemunhas (artigo 14); e Lei nº 10.409/2002, que versa sobre a repressão a tóxicos (artigo 32, parágrafo 2º) (REIS; OLIVEIRA, 2015).
Apesar dos aparentes benefícios trazidos à justiça brasileira, a delação premiada, mesmo quando colabora para desmontar organizações criminosas, sofre críticas (como já demonstrada, brevemente no capítulo anterior). Sobre isso, Azevedo (2014) argumenta que juristas dizem o instituto é dotado de uma ética torta, que premia aquele que trai e o denunciante. Isso tudo sob uma lógica egoísta, por assim dizer. O autor assevera que as críticas giram em torno, grosso modo, da recompensa à traição. Nesse sentido, a Teoria dos Jogos sofre críticas pela forma como compreende a política criminal do estado (GOMES, 2015).
Em que pesem as críticas supracitadas, resta esclarecido que a delação premiada é uma medida eficaz de política criminal. O que há, na verdade, é um prestígio ao direito potestativo e punitivo do Estado. É, além disso, uma excelente estratégia de defesa para os advogados dos réus, partícipes, autores e co-autores dos crimes que se enquadram nos requisitos para delação premiada (AZEVEDO, 2014).
Neste ponto, reside a essencialidade do presente artigo: a Teoria dos Jogos, coadunando-se ao disposto no instituto da delação premiada, tem possibilitado verdadeira maximização às investigações, porquanto faculta ao réu alternativas à sanção do Estado (GOMES, 2015).
Sob a mesma linha de raciocínio, cumpre salientar a perspectiva estatal de solucionar crimes por meio da delação premiada. O Estado cria meios para compelir inconscientemente o réu a delatar. Exemplo claro disso são as prisões temporárias (LOPES; ROSA, 2014). São dotadas por ideologia medieval, de caráter iminentemente inquisitório. Ou seja, ocorre a prisão e, posteriormente, a investigação (GOMES, 2015). São meios que o Estado encontra para coagir o criminoso a colaborar com a justiça. É um consentimento viciado promovido pela Teoria dos Jogos. O agente da organização criminosa buscará equilíbrio entre a medida em que pode delatar seus colegas e o passo em que pode reduzir sua pena ou manter-se em liberdade.
Nesse sentido, a mídia que atinge as massas tem grande papel ao passo que pressiona tanto as autoridades estatais quanto os encarcerados. Ocorre uma verdadeira pressão psicológica a fim de obter delações e, dessa forma, obter o modus operandi da organização criminosa (LOPES; ROSA, 2014). Esse fator obriga os juristas a contestarem o elemento principal da delação premiada:
Já a voluntariedade do comportamento implica uma decisão livre, em maior ou menor grau, a partir da adesão do sujeito a fins práticos e morais ainda que influenciado por fatores ou motivos externos. A coação externa pode retirar a espontaneidade de uma conduta, mas somente a coação absoluta anula a vontade, porquanto o sujeito não escolhe entre dois fins porque não há margem de liberdade, o que subtrai do ato sua qualidade moral. (AZEVEDO, 2014, p. 1).
É imperioso reconhecer que é pouco provável ocorrer delação premiada sem influência externa. Isto é uma delação autônoma, livre e consciente, sem pressões ou interesses posteriores. Isso não representa, todavia, que o Estado deva rejeitar a delação por faltar voluntariedade (GOMES, 2015). A busca da verdade processual possui limites, mesmo quando se trata do desmonte de organizações criminosas perigosas. Todavia, a delação premiada não deve ser considerada um deles.
O advogado tem papel fundamental nesse processo de delação. É quando se manifesta da forma mais autêntica a Teoria dos Jogos. Quando o causídico orienta o cliente a delatar presta um valioso serviço para a administração da justiça (AZEVEDO, 2014). Defesa não significa, necessariamente, negativa dos fatos criminosos contra alguém imputados. Há que ser sobrepesado as alternativas possíveis de defesa para o réu e o advogado é o grande responsável por formalizar esse processo (GOMES, 2015).
Um exemplo prático e que trouxe à tona a discussão acerca da delação premiada é a Operação Lava Jato. Um verdadeiro escândalo na maior empresa estatal envolveu nome de políticos e empresários poderosos. No cerne da questão, o doleiro Alberto Youssef e o ex-presidente da estatal, Paulo Roberto Costa, são delatores. No caso da Petrobrás, a operação ainda não chegou ao fim. Todavia, as delações têm levado o Supremo Tribunal Federal em conjunto com Polícia Federal, Ministério Público Federal e demais órgãos competentes a investigar os mencionados pelos depoimentos dos autores (GOMES, 2015).
O que se tem assistido no Brasil é inédito. Seguramente, possível afirmar que alguns dos grandes esquemas que fraudavam a Petrobras para fins eleitorais e pessoais só foram descobertos em virtude das delações. Em virtude disso é que Gomes (2015, p.1) afirma que: “Esse alto escalão sempre gozou de uma espécie de imunidade penal (instituída pela burguesia ascendente desde 1789). Agora não só foram presos como também estão delatando. A onda está pegando. Virou efervescência contaminante”.
Dessa forma, a partir de um exemplo prático e atual, resta cristalino que, apesar das controvérsias, a delação premiada mostra-se como uma alternativa eficaz no combate ao crime organizado. Em que pese a timidez com que se apresenta a delação premiada, o Direito Processual Penal brasileiro passa um momento singular em sua história, qual seja o da justiça colaborativa, em que se apresenta a Teoria dos Jogos e que são jogadores e sujeitos os próprios réus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A existência de organizações criminosas é cada vez mais hostilizada pela sociedade. O ordenamento jurídico, visando proteger a paz pública e satisfazer os anseios das pessoas, tipificou, recentemente, essa conduta como sendo autônoma. Com base na Lei 12.850/2003, iniciou-se um combate efetivo, mais específico, às práticas ilegais das organizações criminosas.
No tocante a esse combate, tem-se o instituto despenalizador da delação premiada, o qual, como demonstrado à exaustão no presente artigo, demonstra ser meio apto ao desmantelamento dessas organizações, por mais que algumas críticas possam ser feitas a aquele instituto. Mais do que isso, é possível perceber que em certas situações a delação premiada é o único meio de responsabilizar os agentes que praticam o delito acima descrito. Isto porque, para obter provas de que uma organização criminosa fora constituída, é extremamamente difícil, em decorrência da própria estrutura da organização, na qual impera a “lei do silencio”.
Nesse sentido (combate as organizações criminosas através da delação premiada) é possível perceber como se dá a aplicabilidade da “teoria dos jogos”, baseada nos estudos de John Nash, dentro do Direito Processual Penal. Essa teoria pode ser considerada um meio hábil à solução de delitos que ocupam o Poder Judiciário. Visa alcançar objetivos pré-determinados, otimizando resultados por meio, por exemplo, da colaboração entre os agentes.
Ao se autoincriminar e demonstrar quais os outros agentes do crime de organização criminosa, o delator acaba “participando” do jogo, representado pelas partes dentro do processo penal, se “antecipando” a possíveis outros delatores, tendo por intuito não ser preso ou, pelo menos, diminuir seu tempo de prisão. É perceptível, assim, com base nesse exemplo, como se dá a atuação das partes dentro desse “jogo” existente dentro do processo, como assevera a teoria dos jogos.
É perfeitamente factível, então, contemplar a influência da teoria dos jogos no processo penal brasileiro, principalmente no que concerne a sua relação com os institutos despenalizadores. É justamente por isso que a referida teoria está massificada nas investigações judiciais. Sendo assim, no combate a determinados delitos, é necessário que o Estado utilize todos os meios necessários, incluindo aí a “teoria dos jogos”. Conseguindo, dessa forma, oferecer represália e punição aos envolvidos na organização criminosa.
REFERÊNCIAS
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