DA FAVELA À FACULDADE
Por EWALD KOCH | 20/04/2011 | ContosNasci em uma família simples e pobre, todos com dificuldades financeiras. O que comer? O que beber? Estas eram as perguntas que minha mãe fazia para ela mesma.
Vida difícil a minha, fui criado neste ambiente de pobreza, dentro de um barraco de madeira, lugar pequeno e muito, mas muito ruim de morar.
Chuva, meu Deus está chovendo, o nosso barraco esta inundando, o córrego está subindo, é uma enchente, onde tem lixo e ratos.
Minha mãe chora enquanto me carrega no colo, meu pai, é mesmo meu pai eu não conheço, sei que está preso, por que eu não sei, só sei o que me contaram, ele roubava para ter dinheiro e assim comprar as coisas que tínhamos. Foi condenado por assalto a mão armada.
Vida difícil essa, mas estou crescendo, tenho que estudar, mas a tentação é grande, chances de ganhar dinheiro fácil, eu com apenas dez anos e as propostas tentadoras dos marginais da favela onde moro.
Eu, eu pensava; puxa minha mãe lutando, meu pai que não conheço, preso há dez anos e eu vou entrar nessa?. Não, eu disse não e foi ai a minha primeira grande surra, fiquei esticado no chão, chamaram minha mãe, ela desesperada pegou-me pelos braços e levou-me para casa, cuidou de mim, fazia curativos e tinha todos os cuidados de uma super mãe, não fez nenhuma pergunta.
O tempo passou, tive vários problemas com os que queriam me levar ao caminho errado, claro não foi fácil, continuei na escola e sempre sofrendo pressões do dia-a-dia na favela onde moro.
Eu com treze anos ouvi uma frase de minha mãe que me deixou muito feliz, ela me disse que íamos mudar dali, que vamos embora hoje. Nossa que pressa, mas estou feliz afinal vou sair deste lugar difícil onde sofria muito por não querer participar do caminho errado.
Fomos embora com o pouco que tínhamos, eu e minha mãe, só nos dois, lágrimas nos olhos de minha mãe e ao mesmo tempo alívio de sair dali.
Outra escola, outra favela, outro barraco, a vida continua, continuei estudando em outra escola, afinal tinha sonhos, sonhos que para mim não era fácil, mas a vida continua e vou fazer de tudo para vencer.
Minha mãe conheceu um outro homem e resolveu morar com ele, quer dizer ele veio morar com a gente, eu aceitei pois queria ver minha mãe feliz, ele um homem sério, fechado pro mundo dele, saia cedo para trabalhar e voltava tarde para casa. O que ele fazia? Só fui descobrir dois anos depois quando minha mãe recebeu uma notícia que ele estava morto num quintal baldio próximo dali, minha mãe teve um choque, não era possível isso ter acontecido, mas aconteceu, os fatos descobrimos mais tarde no velório, os comentários eram claros: ele merecia morrer; era um bandido perigoso; um dia matariam ele...
Eu com quinze anos olhava as pessoas que entravam para ver o corpo e ter a certeza de que ele morreu. Para muitos um alívio, mas para minha mãe e eu não, pois ele em casa nesses dois anos foi um bom marido e fez um papel de um bom pai para mim, me incentivava a estudar, comprava o material escolar e roupas para que eu pudesse ir sempre bem vestido à escola.
Enquanto a sociedade ganhou, eu e minha mãe perdemos, mas nós não sabíamos do passado dele, o que ele fazia ou deixava de fazer.
O tempo passa eu agora estou com dezoito anos, me alistei, quem sabe serei convocado e servirei o exército, mas o destino não quis, fui dispensado por excesso de contingente, arrumei um emprego em uma loja de móveis, meu primeiro emprego registrado em carteira, prestei vestibular e não acreditei eu passei e vou fazer a faculdade de direito, dificuldades enfrentei de dia trabalhando e de noite estudando.
Minha mãe toda orgulhosa de mim, continuei minha luta, dois anos no emprego e segundo ano de faculdade, consegui alugar uma casa de verdade, mobiliei sem contar nada a minha mãe e no dia das mães lhe fiz uma grande surpresa, seus olhos brilhavam, lágrimas e alegria em seu rosto, sonho realizado, tirei minha mãe da favela, ela toda radiante deixava tudo arrumado, eu chegava à noite da faculdade e lá estava ela me esperando para esquentar minha janta.
O tempo passa tenho cinco anos de empresa, sou gerente de vendas e vou me formar em direito neste ano, minha madrinha, claro minha mãe.
Chegou o dia da formatura, estou emocionado vendo minha mãe linda com a roupa que ela sempre sonhou usar, um vestido lindo, cabelos arrumados e sorriso, um sorriso diferente, de realização, de missão cumprida.
Dançamos a valsa, tiramos fotos, cantamos e choramos juntos, fomos para casa de madrugada, ficamos conversando muito e foi ai que ela me contou porque saímos da favela e fomos morar em outra do outro lado da cidade. Fiquei surpresos quando ela me falou que foi obrigada a sair daquele lugar, se não saísse teria um filho morto, porque ali honestidade e dignidade não combinam no meio deles, ou sai, ou morre.
Nossa, fiquei de boca aberta e ao mesmo tempo surpreso, pois minha mãe largou tudo por amor a mim, seu único filho..
Águas passadas, estamos agora com uma nova vida, vencemos a luta do dia-a-dia.
Prestei exame na OAB, ansiedade e espera para saber se consegui passar, minha mãe dizia que eu seria capaz e que ela confiava em mim. Minha ansiedade era grande, fui até a ordem e vi o meu nome na lista dos aprovados, que alegria sou agora um jovem advogado com OAB e pronto para o mercado de trabalho.
Continuo no meu primeiro emprego, hoje sou diretor do departamento jurídico da loja, tenho uma equipe de estagiários que cuido como se fossem meus filhos, por que acredito que todos eles estão começando uma luta que muitas vezes é igual a minha.
Comprei uma casa para minha mãe, afinal ela é a razão da minha vida, comprei um carro para poder levá-la a passear nos parques da cidade, um sonho antigo dela.
Hoje sou um homem realizado, formei uma família, cuido de minha mãe com muito carinho. Acredito que a vida continua e aprendi que para vencer temos que enfrentar todas as dificuldades da vida, não cair em tentações e ser sempre você mesmo.
Ah! Meu pai, não esqueci não, só que me formei tarde, pois ele foi morto em uma rebelião e fiquei sabendo tarde demais.
Vou continuar minha vida e dar exemplos a todos os jovens das comunidades carentes, ensinando-os que simplicidade, honestidade e caráter de um homem é tudo na vida e como eu que sofri muito mas venci e hoje sou um homem realizado e posso dizer a todos vim da favela e hoje sou um advogado.