Da Eficácia dos Nomes em modo Especial

Por Germano Brandes | 26/02/2016 | Filosofia

Da Eficácia dos Nomes em
Modo Especial
Suposto que Aristóteles escreveu: Nomem est Vox ex instituto significans, e em outra parte: Nihil per se significat, bem se vê que a própria etimologia desta palavra nome está mostrando qual seja sua aptidão e dignidade, porque segundo os gramáticos, e com eles Festo, nome se diz quase nominem, notícia, conhecimento, definição, para que a coisa pelo nome seja conhecida pelo que é, e de tal modo definida, que assim como a imagem da coisa se está vendo em um espelho, assim no nome deve manifestar-se igualmente o ser da coisa, que por ele se nos inculca, o que o nome não poderia fazer se não tivesse própria aptidão significativa; e daqui procede que o nome na raiz hebréia se diz schem, e de schem, chem, “qual?” “o que falo”, “o que pronuncio acerca da coisa falada”. Donde já os gregos lhe chamaram, onoma, nome quase, onomazo, verbo que diz “prático”, “digo da coisa” e, daí, “nome da coisa nomeada”, como se disséssemos “razão da coisa nomeada”, “ser da coisa dita”.
Ora, uma das mais expressas virtudes que vemos, e parece, que não podemos negar nos nomes é a qualidade fausta e infausta. Fique para Deus a causa, pois a Filosofia a não alcança. Porém, a experiência tem mostrado haver nos nomes ótimas e péssimas qualidades. Nego que necessariamente se siga que o nome traga consigo a ruim sorte, que isso fora erro contra a Filosofia e Teologia, mas vemos que muitos dos mal-afortunados convieram em um próprio nome. Porque se, por exemplo, tomássemos entre príncipes os nomes Afonso, João, Carlos, Duarte, Henrique, nós veríamos, pelas verdades das histórias, que todos os príncipes do nome João foram na Espanha felicíssimos; o mesmo os Afonsos, com pequena exceção desta regra; e logo os Carlos infaustíssimos na Europa; assim Carlos, príncepe de Viana, morto de seu pai, D. João, o segundo de Aragão; assim Carlos, príncipe de Castela, morto por seu pai, Felipe II. Assim Carlos Infante da Espanha, em nossos tempos morto com suspeitas de veneno. Assim Carlos I, rei da Inglaterra, morto de seus vassalos. Assim Carlos II, por eles destituído de seus reinos. Assim Carlos, Duque de Lorena, oprimindo seu Estado Del-Rei da França; e assim na França, Carlos VIII e Carlos IX, quase descoroados de seu diadema. Assim, em Borgonha, Carlos Conde de Charolais, preso e despojado Del-Rei Luiz. Assim Carlos Palatino, passando fugitivo e sem domínio a maior parte da vida; e ainda se contássemos as temporais desgraças de Carlos V, parece que não o foram menos que as felicidades. Da mesma sorte poderíamos fazer a lista do nome Henrique, que em Espanha e França foi nos mais de seus príncipes infaustos. Refira-o por mim um historiador espanhol, cujas formais palavras são as seguintes: Este desastre confirman em su opinion algunos hombres que tienen para Hespaña y Francia este nombre de Henrique por infausto; seis, há observado La malicia, o La curiosidad, muertos a hierro com violência; Henrique I de Castilla, uma piedra tirada sin disignio Le hiso morir, como AL segundo los borseguies venenados, que Le imbió El-Rey de Granada y AL que llamaron enfermo lãs drogas de um Medico Judio. Em Francia, Henrique de Valois occasionó tambien su muerte justando com Mons. De Mongomeri Caballero escocês; todos SUS hijos tuvieron fines desdichados, y Henrique III, que fué El único com alto espírito, Le Dio de puñaladas um Frayle, y AL quarto Henrique tambien Le mataron a puñaladas passeando em su carroça (Hist. De Felipe IV, cap.2, fol.2). Do nome Duarte pudermos entre nós fazer um lamentável catálogo, pois apenas houve alguma pessoa real que nele não perigasse, nem deixa de ser notável uma particular observação feita por alguns curiosos, que em menos de vinte anos (que por alguns bons respeitos se não escreve), as quais sete pessoas todas viveram com desastres e as mais morreram miserável e vilentamente.
Mas recolhendo-nos aos argumentos mais próprios, pouco duvidoso é que aquelas coisas não desprezadas, antes buscadas e inquiridas pelos grandes juízos do mundo, suposto que nem de todos fossem perfeitamente alcançadas, todavia, por isso mesmo, que sendo deixadas de uns por incógnitas e logo solicitadas de outros, pelo que de si prometem, parece que nos asseguram lhes não falta algum intensíssimo mistério que cintila e está chamando aos agudos entendimentos para sua contemplação. Vemos que Platão, nomeado divino, se ocupou todo na Filosofia das palavras no alegado Diálogo Crátilo. E que Ailo Gélio escreveu um livro De occulta litterarum significatione. Vemos que os antigos egípcios se ocuparam tanto nesta profunda especulação que nela depositaram toda a humana sabedoria. Vemos que os chinos, com tão aprovada opinião de sapientes, reduzem o nomes breves as dilatadas prolações, cifrando somente em cinco nomes toda a cópia das virtudes morais, porque debaixo das palavras gin, y, Chi, sin, se compreendem todos os dotes e atributos de que se adorna o varão e se compõe a República. Pelo que justamente se pode inferir não é leve nem mal fundada a Filosofia que aos maiores sujeitos afeiçoou, e rouxe à consideração de sua entidade.
Mas se sobre os argumentos naturais referidos e exemplos humanos discursados se necessita de outros documentos de opinião mais sabida para acreditar a força e virtude dos nomes, bem se autoriza a parte afirmativa por Marsilhio Fisino, quando a favor de Orígenes diz contra Celso: Origines quoque cum divinorum nominun, orationum que virtutem mirificam considerasset, acrescentando logo: in quibusdam sacris nominibus rirandam latere virtutem; o que Sócrates deixou confirmado, dizendo por Platão: Reverentia mihi semper erga Deorum nomina, non humana queadam formido est, sed maximum quemque timorem exsuperat. (Plat. In Phel.). E falando depois, o mesmo Marsílhio nas singulares e divinas letras do Areopagita Santo, diz assim: Dionisius Areopagita omnia Theologiae mysteria in divinis nominibus exquisivit.
Sobe sobretudo o que diz São Paulo do Santíssimo e Poderosíssimo Nome de JESUS, a cujo suavíssimo eco o Inferno, a Terra e o Céu se humilham; e porque se podia dizer que a virtude desse Santo Nome consistia em seu significado, explicando Beda esta dúvida em grande favor da capacidade dos nomes: Hujus sacrosancti Nominis Jesu, non tantum ethimologia, sed ET ipse, qui literis comprehenditur numerus perpetuae salutis nostrae mysteria redolet; pelo que entre a gente boa e piedosa sempre que se nomeia o Santo Nome de Jesus se acrescenta que é nome de virtude, e por isso São Paulo diz: Donavit illi Deus nomen, quod est super omne nomen. E em outro lugar, que a palavra do Senhor é mais aguda e eficaz que o cutelo. O mesmo se nota no nome Christo, porque ainda sem fazer relação à humanidade Santíssima de Christo, esta palavra Christo por si mesma é enérgica e misteriosa, denotando Ungido de Deus; como também de disse no Antigo Testamento Isaac pelo riso, Caim pelo homicídio, João pela graça, Joseph pelo aumento, Babel pela confusão, pois, como afirma Platão, Nomina cum re consentiunt. Porque entre as coisas e os nomes delas deve haver proporção e igualdade interior.
Mas porque dissemos das razões e dos exemplos com que os cabalísticos comprovam a virtude dos nomes, parece que convém com maior especulação investigar e declarar esta matéria, para o que supomos que em cada nome há, ou deve haver, oito partes conformes, a saber: Etimologia, Energia, Compilação, Honestidade, Indicação, Elegância, Mistério, Proporção.
A Etimologia é a verdade do nome, como se disséssemos a razão dele. Este nome, Etimologia, se compõem de duas palavras gregas, em latim verus,e , sermo, como se disséssemos falar verdadeiro.Donde, justamente inferimos que na palavra verdadeiramente dita, isto é, etimologizada, existe a verdade primitiva, que é a origem de tal palavra, e logo, se desta origem buscássemos a origem, é certo que de idioma em idioma e de traslação em traslação, ou de participação em participação nos iríamos dar na língua primitiva, da qual diz a Escritura Santa, e infalível: Omne enim, quod vocavit Adam animae viventis, ipsum est nomen ejus, cuja palavra Ipsum não só exclui os outros nomes introduzidos pela corrupção dos idiomas, mas declara que aquele é verdadeiro e competente nome da coisa, ee o não pode ser outro, que por isso afirmando-se diz ipsum est nomen ejus; e aindaaa prossegue, Appellavit que Adam nominibus suis cuncta animantia, ET universa volatiliaa caeli, eet omnes bestias terrae.
Não menos faz a energia do nome, pela virtude dele, porque a energia é a força interior, com que nos move, e diz muito mais na significação, que no estrondo; onde também entra o mistério, que se regula pelo tempo e pelo modo com que se profere a palavra, que se escreve ou se diz o nome, não podemos negar-se que segundo o lugar em que achamos um nome, tem, ou não tem, aquela valia que lhe dá o mistério, que foi o conceito interior por quem se moveu a imaginação, boca, ou mão que concebeu, disse, ou escreveu o tal nome; no que muito se parecem as palavras aos números aritimétricos, que, suposto que cada um tem valor próprio, postos em um lugar valem de uma maneira e postos em outro valem de outra.
A compilação olha à brevidade e é também parte enérgica do nome; porque desproporcionada coisa seria se a uma muito pequena coisa lhe puséssemos um nome grandíssimo e, ao contrário, a uma grandíssima, um nome muito pequeno. Assim, é conveniente que aos nomes se guarde uma brevidade tal, que faça diferença do nome ao período, como nos consta do idioma chim, elegantíssimo por sua brevidade, porque sendo copioso não se acha em todo alguma palavra demais, que de uma só sílaba.
A Honestidade é não menor virtude e parte estimável dos nomes, porque ainda que eles por si signifiquem coisa honesta, convém que a composição destas sílabas, de que constarem, seja sempre grave.
Sobretudo lhe compete ao nome a virtude indicativa, a qual procede da boa etimologia e energia, porque como ele seja fundado na verdade da língua, quanto à etimologia, e na força do idioma, quanto à energia, logo com grande prontidão indica e mostra à memória aquilo que quer dizer; como vemos, é mais prestes o efeito da pólvora fabricada de três materiais, que não a outra que imperfeitamente se lavra de matérias alheias, ou infectas.
A elegância é também uma das partes persuasivas, porque, assim como nos conceitos se explicam pelas razões, as razões se explicam pelas palavras e quando lhes falta a elegância, que é a formosura e graça com que se proferem e buscam proporcionais, não só para que expliquem o que se quer dizer, mas para que condecorem o que se diz, e à pessoa que ouve não são de algum efeito, antes destroem o mesmo que se pretende.
Do mistério dissemos já, quando falamos da energia, e agora dizemos da proporção do nome, sem a qual não pode ter nenhuma das partes que lhe assinamos e donde procede que aquele nome terá mais virtude que tiver mais proporção e outro será como alheio que não tiver proporção, com o que significa. Donde é força que confessemos que, como no idioma primitivo houve mais proporção que em outro algum, entre os nomes e as coisas nesse tal idioma não pode deixar de concorrer maior parte aquele idioma que mais participar do primitivo.
Estes são, ou são muitos destes, os preceitos que observam os poetas épicos na formação de algumas palavras, que lhe é lícito inventar e introduzir em seu idioma, as quais devem ser de verdadeira origem para satisfazer a etimologia; de valente eficácia para persuadirem; de breve compilação, porque se possam aprender e usar sem moléstia; de grave honestidade para que prontamente representem e manejem os conceitos desde o entendimento ativo ao passivo; de ilustre elegância, para que logo afeiçoem; de oculto mistério, a fim de que se façam veneráveis; de certa proporção para que sejam próprias. O que bem guardaram os gregos em toda a composição de suas palavras, com que muitos enriqueceram sua língua, como, por exemplo, vemos nas palavras Mesopotâmia, Misantropos, Microcosmos, Rododaphne.
E então diremos que aquela palavra ou nome onde em brevíssimo espaço se compreendem tantas perfeições, não só acidentais mas naturais, e que tão nobres efeitos causa no coração e trato humano não pode ser falta de virtude interna; e que da mesma maneira que o fumo traz em si partes do fogo, que com seca, aquenta e talvez queima a coisa disposta, da mesma maneira o nome, e a palavra pode trazer e compreender parte espiritual da idéia de que procede, em virtude da qual move e persuade.

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