DA CORRELAÇÃO ENTRE A TEORIA DOS JOGOS E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS E SUA COMPETÊNCIA PARA CONCILIAÇÃO DE CONFLITOS

Por José Enéas barreto de Vilhena Frazão | 03/12/2010 | Direito

DA CORRELAÇÃO ENTRE A TEORIA DOS JOGOS E OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS E SUA COMPETÊNCIA PARA CONCILIAÇÃO DE CONFLITOS.

José Enéas Barreto de Vilhena Frazão.
Conrado Ewerton.

Sumário: Introdução; 1 Do conceito de teoria dos jogos e uma análise do dilema do prisioneiro enquanto problema correlato a esta teoria; 2 Dos juizados especiais criminais e suas competências legalmente previstas; 3 Da aplicabilidade da teoria dos jogos aos juizados especiais criminais;

Resumo
O presente desenvolvimento presta-se a um esforço acadêmico direcionado a uma tentativa de entendimento da teoria dos jogos (e do dilema do prisioneiro enquanto espécie de problema da teoria dos jogos), e sua aplicabilidade aos juizados especiais criminais, mais especificamente naquilo que diz respeito à sua competência para conciliação de conflitos entre as partes, buscando sempre atender aos princípios norteadores destes juizados que são os princípios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando os melhores resultados possíveis para ambas as partes com o menor desgaste possível, tanto destas, quando da máquina judiciária. Buscar-se-á ainda uma associação entre a teoria dos jogos e os institutos jurídicos alienígenas guilty plea e plea bargaining, de origem norte americana, demonstrado a sua aplicabilidade da busca pelo planejamento estratégico em busca do melhor retorno.


Palavras ? chave
Teoria dos jogos; juizados especiais criminais; conciliação; dilema do prisioneiro; Guilty plea; Plea Bargaining.

Introdução.

Calcular as vantagens e desvantagens associadas a cada uma das decisões possíveis em determinada situação é atividade típica do cotidiano. Não por poucas vezes deparamo-nos com situações que exigem escolhas, e cada uma delas em geral vem acompanhada de conseqüências benéficas ou não.
Ao procedermos ao estudo da teoria do jogos, teremos a chance de verificar que ela nada mais é que um método matemático voltado à análise de situações com o intuito de maximizar os resultados positivos provenientes de cada escolha tomada em cada situação específica. Por sua vez, o dilema do prisioneiro, enquanto problema da teoria dos jogos, também envolve escolhas, porém, neste caso, o resultado a ser obtido por meio da escolha não depende unicamente desta, como também se encontra condicionado à escolha de um outro alguém imerso na mesma situação, como se terá a oportunidade de compreender posteriormente.
Este trabalho visa estabelecer uma correlação entre a teoria dos jogos e os juizados especiais criminais, mais especificamente no que tange à conciliação, que figura dentre suas competências e representando, porque não dizer, a mais importante delas, já que de acordo com o art. 2° da lei 9.099 de 1995, que dispõe sobre os juizados especiais cíveis e criminais, a conciliação e a transação constituem verdadeiros fundamentos dos juizados especiais cíveis e criminais, que devem estar sempre voltados à obtenção de conciliação entre as partes, em atenção aos seus princípios norteadores, como os princípios da oralidade, celeridade e economia processual.
A escolha por uma tentativa de conciliação freqüentemente tem resultado em ganhos para ambas as partes, que de outro modo se veriam obrigadas a arcar com o ônus de um processo, em geral, longo, cansativo e dispendioso. Ao analisar a situação em que se encontram envolvidas, as partes percebem que a sua disposição se encontram escolhas, uma delas, aceitar um acordo, a outra, optar pelo conflito que poderá gerar danos a ambas. A teoria dos jogos encontra aplicabilidade nas mais variadas situações e neste caso também pode fazer-se útil.
Deste modo, para que haja um perfeito entendimento da temática proposta, procede-se à análise do conceito primordial da teoria dos jogos, sem o qual não se poderia iniciar qualquer debate acerca do assunto em pauta.

1 Do conceito de teoria dos jogos e uma análise do dilema do prisioneiro enquanto problema correlato a esta teoria.

Ao tratarmos de teoria dos jogos, em verdade, referimo-nos a um método matemático de cunho estratégico, no qual o indivíduo poderá agir de formas diversas, sempre de modo a maximizar o retorno obtido por meio de suas ações.
É de utilização multidisciplinar, podendo ser empregada nos mais diversos ramos acadêmicos, como por exemplo, nas ciências políticas, na economia, na filosofia e até mesmo no jornalismo, e ainda no Direito, sendo de especial relevância para este último ramo. Hillier e Lieberman conceituam a teoria dos jogos como uma teoria matemática que trata das características gerais de situações competitivas de maneira formal e abstrata, colocando particular ênfase nos processos de tomada de decisões dos adversários .
A aplicação prática da teoria dos jogos, de modo mais resumido, consiste na análise dos aspectos mais essenciais de determinada situação, para então tentar determinar que estratégias serão adotadas por cada um dos "jogadores". Visa com esta técnica, o sujeito que a emprega, maximizar os seus ganhos, por meio da análise dos demais envolvidos, buscando entender que estratégias serão empregadas por estes, para então formular as suas próprias.
No que tange à sua aplicabilidade no ramo do Direito, esta consistiria em uma grande vantagem em debates e negociações, na medida em que auxiliaria na escolha e na formulação dos argumentos corretos para cada situação específica, visando sempre contrapor-se aos posicionamentos contrários à tese em defesa.
Em resumo, a teoria dos jogos consiste em um pensamento estratégico que pode voltar-se às mais diversas finalidades, aplicando-se a situações simples ou mesmo de extrema complexidade.
Quanto ao dilema do prisioneiro, este consiste em uma espécie de problema da teoria dos jogos, como já foi anteriormente colocado. O ponto primordial do dilema do prisioneiro reside no fato de que cada sujeito é incentivado de forma individual a delatar o outro, mas para melhor compreensão do que aqui se trata faz-se necessário ilustrar a situação hipotética na qual se baseia o dilema do prisioneiro.
O dilema do prisioneiro consiste na hipótese que segue. Em determinada situação A e B, suspeitos, são presos pela polícia que não conta com substrato probatório bastante para condenação de ambos, porém, separando A e B em salas individuais, propõe a ambos um acordo.
Se um dos prisioneiros confessar o crime, permanecendo o outro em silêncio, aquele que confessar será posto em liberdade, enquanto o que silenciou cumprirá com dez anos de prisão. Se ambos os prisioneiros permanecerem em silêncio, cada um será condenado a seis meses de prisão. Se ambos, no entanto, delatarem um ao outro, cada um cumprirá com 5 anos de pena.
O dilema reside no fato de que cada prisioneiro deverá tomar sua decisão sem saber qual será a decisão do comparsa, sem ter certeza de qual será a postura adotada pelo outro.
O dilema do prisioneiro não afasta a possibilidade da ocorrência de uma decisão satisfatória para ambos os lados, mas, além disso, envolve problemas outros, de natureza psicológica, como por exemplo, até onde vai a confiança que os comparsas nutrem um pelo outro. Se confiam, negam, mesmo correndo o risco de incidir na pior das possibilidades, ou delatam o comparsa, com a esperança de que com isso sejam libertos.
Por fim, percebe-se que o dilema do prisioneiro consiste em um jogo que baseia-se em um cálculo das vantagens e desvantagens atreladas a cada uma das decisões, envolvendo ainda questões de traição e confiança no outro.
A teoria dos jogos dedica-se a temas como este dilema, e procede ao estudo das mais vantajosas táticas a serem empregadas em casos como o dos dois prisioneiros.
No caso dos juizados especiais criminais, aqueles sujeitos que se encontram envoltos por uma situação conflituosa, envolvendo o cometimento de uma infração penal de menor potencial ofensivo, se encontram perante uma possibilidade de conciliação mediada por um terceiro (o conciliador), que pode lhes evitar todo o desgaste natural de um processo criminal, ou podem optar pelo não acordo, arcando no entanto com as conseqüências já colocadas. Aplicando-se a teoria dos jogos a esta situação, os envolvidos acabariam por optar pela decisão que lhes maximizasse o resultado positivo, e esta não seria outra senão a conciliação. Há ainda correlações com o dilema do prisioneiro, pois a decisão a ser tomada por uma das partes se encontra atrelada a decisão da parte contrária, afinal, não poderá haver conciliação sem que haja concordância de ambas as partes.
Mas há problemas outros que hão de ser considerados, e o mais relevante dele diz respeito ao possível conflito entre a celeridade e a economia processuais geradas pela conciliação e a adequada prestação jurisdicional e a busca pela justiça, problema este que será tratado em tópico específico posteriormente.
Para melhor tratar da temática em pauta neste trabalho, cabe primeiramente tratar dos juizados especiais criminais e de suas competências, o que será feito no momento seguinte.

2 Dos juizados especiais criminais e suas competências legalmente previstas.

Os juizados especiais criminais são aqueles competentes para processar, executar e julgar naquilo que diz respeito às infrações penais de menor potencial ofensivo. Podem ainda propor conciliação entre o sujeito ativo da ação delituosa e a vítima, de acordo com o art. 60 da lei 9.099/95. Assim como os juizados especiais cíveis, os criminais tem o seu funcionamento pautado em princípios, como o princípio da oralidade, da simplicidade, da economia processual, e da celeridade, visando, desta forma, primordialmente a conciliação e a transação entre os envolvidos, com a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de penas não privativas de liberdade, segundo o art. 62 da mesma lei. Segundo Bittencourt, a lei 9.099 se insere em um contexto de criminalidade massificada, de delinqüência econômica , e vem para buscar uma alternativa ao direito penal de culpabilidade cuja eficácia já vem sendo questionada.
Faz-se necessário lembrar ainda que, como a competência dos juizados especiais criminais é restrita às infrações de menor potencial ofensivo, não se faz possível neles julgar infrações outras senão estas, sob pena de nulidade. A competência dos juizados especiais criminais é em razão da matéria, ou ratione materiae, sendo desta forma absoluta, e estabelecida constitucionalmente, mais precisamente no artigo 98, I, da carta magna . No mesmo sentido, Ada Pellegrini afirma que, conforme a lei e a Constituição Federal, a competência dos juizados especiais criminais é definida em razão da matéria, sendo desta forma absoluta, de modo que não é possível julgamento de outras infrações senão estas, do contrário, haveria nulidade absoluta.
O artigo 61 da já mencionada lei 9.099/95 prestou-se à definição do conceito de infração de menor potencial ofensivo, sem deixar quaisquer dúvidas a respeito do assunto que pudessem suscitar debates doutrinários. Dispõe o mencionado dispositivo legal que são consideradas infrações de menor potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes que a lei comina pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa.
Desta forma, caberá aos juizados especiais criminais processar, julgar, propor conciliação e proceder à execução nos casos de infrações cuja pena prevista em lei é inferior ou igual a dois anos. Muito embora haja ressalva no dispositivo de que tal conceito deva ser considerado para fins da lei 9.099, o que ocorre é que a Constituição Federal de 1988 celebrou em seu artigo 5° caput o princípio da igualdade , do que se conclui por inconstitucional garantir tratamento diverso à mesma conduta , que, em uns casos poderia ser considerada delito de menor potencial ofensivo, e em outros não, resultando em tratamentos diversos a sujeitos que as venham cometido. Neste sentido, Alexandre de Morais considera que para que às diferenciações estabelecidas em lei não seja atribuído caráter discriminatório, faz-se necessária uma justificativa razoável, fundamentada em critérios aceitos genericamente . Segundo o autor:
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.

Tendo analisado a questão dos juizados especiais e suas competências, procede-se a uma análise da correlação entre a teoria dos jogos e tais juizados, buscando demonstrar a aplicabilidade desta teoria aos casos de conciliação, de competência destes.

3 Da aplicabilidade da teoria dos jogos aos juizados especiais criminais.

Como já foi anteriormente colocado, a teoria dos jogos consiste na análise de situações específicas em seus aspectos mais essenciais, buscando determinar estratégias e aplicá-las visando sempre a maximização dos resultados positivos buscados. Para vislumbrar a aplicabilidade da teoria dos jogos aos juizados especiais criminais, deveremos imaginar um caso concreto no âmbito destes juizados, o que poderia ilustrar melhor a situação pretendida.
Imagine-se que "A", ao cometer determinada infração de menor potencial ofensivo, se envolve em um conflito com "B", vitimado pela sua conduta delituosa. Em assim sendo, ambos se encontram perante um juizado especial criminal, competente para processar, julgar e ainda propor a conciliação entre as partes, consistindo esta em uma das principais finalidades dos juizados especiais, que objetivam, antes de tudo, a celeridade e a economia processuais, gerando benefícios tanto às partes, quanto à máquina judiciária.
Envolvidos nesta situação, "A" e "B" passam a analisá-la e compreendê-la, buscando direcionar suas escolhas em busca do resultado que julgarem mais proveitoso para si. Sendo viável a possibilidade de conciliação, e analisadas as suas conseqüências benéficas, a escolha natural, segundo os fundamentos já analisados da teoria dos jogos, seria pela conciliação entre as partes, visto que caso contrário teriam de arcar com o desgaste inerente a um processo criminal.
Como a escolha pela conciliação necessita ser recíproca, a escolha de uma das partes se encontra condicionada à outra, há ainda a possibilidade de correlação com o dilema do prisioneiro, do qual já se tratou em momento anterior. Como já foi dito, no caso do dilema do prisioneiro, a decisão tomada por uma das partes afeta diretamente o resultado obtido pela outra.
A finalidade do juizado especial é, sempre que possível, propiciar a conciliação entre as partes. No que diz respeito ao juizado especial criminal, o que se busca é reparar o dano social ocasionado pela conduta. Segundo Luís Flávio Gomes, as vantagens do sistema de resolução de delitos pequenos por meio da conciliação ou do consenso são inúmeras, e inquestionáveis , principalmente por afastar, de certo modo, a morosidade da justiça criminal. Por estes motivos, defende-se que, segundo uma ótica da teoria dos jogos, a melhor escolha disponível para as partes envoltas em um conflito relativo ao cometimento de um delito de menor importância seria de fato a conciliação.
Outros institutos jurídicos (desta vez, provenientes de ordenamentos jurídicos alienígenas), guardam alguma relação com a teoria dos jogos, de acordo com o mesmo raciocínio desenvolvido em relação à conciliação nos juizados especiais criminais, são eles, o guilty plea e o plea bargaining, do ordenamento norte americano. O guilty plea consiste na atitude do suspeito em declarar-se culpado, enquanto o plea bargaining consiste em uma negociação entre acusação e defesa, buscando sempre a confissão em troca da acusação por crime menos grave ou redução de pena. Como vantagens desses institutos no ordenamento jurídico norte americano , podemos apontar as mesmas acarretadas pela conciliação nos juizados especiais em âmbito nacional, a saber, a celeridade e a economia processuais, gerando maior eficiência, e ainda benefícios aos envolvidos. Mais uma vez a teoria dos jogos, no que diz respeito à sua aplicabilidade prática, apontaria para uma acordo entre acusação em defesa, como alternativa propensa a melhores retornos a ambas as partes, muito embora hajam aqueles que considerem que tais institutos podem ser prejudiciais na medida em que aplicariam à administração da justiça princípios capitalistas como a busca pela mera produtividade, que refletiria enganosamente em eficácia jurisdicional.
Devemos ressaltar o modelo de transação penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro difere dos institutos alienígenas apresentados, visto que no caso pátrio, não há necessidade do acusado declarar-se culpado das acusações a ele imputadas.

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