DA CESSÃO ENQUANTO MEIO DE TRANSMISSÃO NAS RELAÇÕES OBRIGACIONAIS

Por Catarina Santos Bogéa e Jailson Martins Filho | 16/02/2017 | Direito

Catarina Santos Bogéa[2]

Jailson Martins Filho[3] 

RESUMO

A transmissão da obrigação constitui característica fundamental atribuída ao direito moderno. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a transmissão das obrigações por meio da cessão e suas modalidades, estabelecidas no Código Civil vigente, inclusive aquela não legislada, mas primordial às relações jurídicas obrigacionais que envolvem cessão de contrato ou posição contratual. A pesquisa será limitada a análise dos conceitos e doutrinas estabelecidos, assim como jurisprudências que norteiam as relações obrigacionais e sua transmissão a partir de uma cessão.


1 INTRODUÇÃO

            As relações obrigacionais vêm recebendo enfoque legislativo através de publicações mais recentes. A cessão como instrumento de transmissão das obrigações é um dos temas que recebeu atenção no Código Civil de 2002. A análise e entendimento das modalidades que compõem este instrumento são de suma importância para que se compreenda a importância prática do tema frente a sua ocorrência do meio social, principalmente em casos envolvendo transações empresariais.

            Como a obrigação, em linhas gerais, não é um vínculo pessoal e imobilizado, faz-se possível a transferência, ativa, através de crédito, ou passiva, através de débito, conforme a legislação vigente. Enquanto modalidade de transmissão de obrigações tem-se ainda a cessão de contrato, que, surpreendentemente não foi abordada com atenção no Código Civil de 2002. Trataremos nesta pesquisa apenas das modalidades envolvendo cessão de credito e cessão de contrato, provendo maior atenção a esta segunda, uma vez que, não legislada de forma devida, nos cabe maior aprofundamento de modo a compreender as diversas relações obrigacionais que compõem a transferência de posição contratual, uma vez que tais relações obrigacionais passam a ser elemento integrante do próprio negocio.

            É indiscutível a evolução socioeconômica do Direito na tratativa deste tema, apesar das lacunas legislativas, como é o caso da cessão de contrato. Autores como Silvio Venosa, Silvio Rodrigues, Flavio Tartuce e Arnaldo Rizzardo nos ajudaram a compreender as relações obrigacionais que envolvem cessão, assim como estabelecer princípios para àquelas não regulamentadas pelo Código Civil vigente.

            O entendimento no tema abordado não é caráter apenas jurídico, mas essencialmente social, uma vez que “A transmissibilidade das obrigações, em grande parte, faz girar as engrenagens econômicas do mundo.” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2006, p. 283, grifo nosso).

 

2 TRANSMISSIBILIDADE DAS OBRIGAÇÕES

 

2.1 DA CESSÃO DE CRÉDITO

            Rodrigues (2006, p. 91) é taxativo quanto ao conceito de cessão de crédito, e afirma que “A cessão de crédito é o negocio jurídico, em geral de caráter oneroso, pelo qual o sujeito ativo de uma obrigação a transfere a terceiro, estranho ao negocio original, independentemente da anuência do devedor”. Ao interpretar as palavras de Rodrigues, entendemos que o negocio jurídico (oneroso) é firmado através da cessão de crédito, e nesta modalidade, o credor, denominado cedente, transmite de forma total ou parcial o seu crédito a um terceiro, denominado cessionário, e, para efeitos deste negocio jurídico, a relação obrigacional primitiva com o mesmo devedor, denominado cedido, é mantida. É válido lembrar que, apesar de afirmado que geralmente trata-se de negocio jurídico oneroso, ou seja, com propósitos lucrativos, nada impede a transmissão gratuita do crédito.

            Não obstante essa forma negocial, a doutrina ainda reconhece a existência de duas outras sub-modalidades, sendo elas:

  • Cessão judicial – realizada por meio de decisão do juiz, a exemplo, atribuição a herdeiro de um crédito de falecido[4].
  • Cessão legal – operada por força da lei, a exemplo, a cessão dos acessórios da dívida (garantias, juros, etc.), determinada inclusive pelo art. 287 do CC-02[5].

É válido citar mais uma vez que o consentimento prévio do devedor não se faz necessário, uma vez que o mesmo não possui o direito de impedir a transmissão de crédito. No entanto, como veremos no decorrer desta pesquisa, a notificação do devedor é exigida para que se produzam os efeitos desejados do negocio.

            Tendo em vista os aspectos já citados no que concerne esta modalidade de transmissao as obrigações, o Código Civil de 2002, em seu art. 286, consagra a regra que disciplina a cessão de crédito:

 

“Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa fé, se não constar do instrumento da obrigação”. 

            Através da leitura do artigo estabelecido pela legislação, Gagliano; Pamplona (2010, p. 287) afirmam que a cessão de crédito não poderá ocorrer em três hipóteses:

  • Se a natureza da obrigação for incompatível com a cessão;
  • Se houver vedação legal;
  • Se houver cláusula contratual proibitiva.

Como negocio jurídico, a cessão de crédito pressupõe requisitos de validade, ou seja, a capacidade das partes, o objeto lícito e a forma legal, conforme o art. 104 do Código Civil. Quanto à capacidade, Rodrigues (2006, p. 95), afirma que é “mister que o agente tenha não apenas a capacidade para os atos jurídicos sem geral, mas também a legitimação para praticar atos de alienação. Quanto ao objeto, dispõe o art. 286 do Código Civil que o crédito não poderá ser cedido “se a isso se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor”. Rodrigues (2006, p.95) afirma também que “são incedíveis os direitos personalíssimos ou aqueles créditos vinculados a um fim de caráter assistencial, como, por exemplo, o crédito alimentício”. Existem casos, no entanto, aos quais a lei não trata de forma objetiva e direta, mas, tais casos acabam por subsidiar-se da doutrina por atentar contra a moral e os bons costumes. Rodrigues (2006, p. 96) elucida que “não podem ser cedidos os créditos cuja intransmissibilidade se convencionou”.

Como a lei não impõe forma especifica em,tre cedente e cessionário, o negocio faz-se de forma não solene e consensual, não estando pautado em forma determinada, e se aperfeiçoando pelo mero consentimento das partes[6]. Como visto, para valer entre as partes, a cessão independe de qualquer solenidade, contudo, sua eficácia perante terceiros está condicionada à obediência de forma prescrita em lei. De acordo com o art. 288 do Código Civil de 2002, a cessão só opera em relação a terceiros se for celebrada por instrumento publico ou por instrumento particular revestido das solenidades do ᶳ 1º do art. 654[7]. Vale lembrar que terceiros, na cessão de crédito, são todas as pessoas que não figuraram no negócio, inclusive o devedor cedido. No que concerne este último, ou seja, o devedor cedido, conforme comentado anteriormente, a mera transcrição do instrumento no Registro não basta para que se estabeleça vinculo. A eficácia do negocio está condicionada ao fato de o devedor cedido ser notificado da cessão. Rodrigues (2006, p. 96) resume a importância desta notificação no negócio em exame, “pelas relevantes funções que desempenha, entre as quais se destaca a de evitar que o cedido possa, validamente, pagar o crédito ao cedente”. Para encerrar este tópico, o art. 290 do Código Civil, 1ª parte, proclama que “a cessão de crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada”. Rodrigues (2006, p. 97), afirma que a notificação marca um momento singular no negocio jurídico, e elenca duas razoes:

  • Até a sua ocorrência o devedor pode validamente resgatar o seu débito, pagando ao credor primitivo; mas, desde o instante que foi intimado, a notificação tem o condão de ligá-lo a nova relação jurídica.
  • No instante em que é notificado, o devedor pode opor, ao cedente ou cessionário, as exceções que lhe competirem. Se o não fizer nesse momento, não poderá mais fazê-lo, porque seu silencio equivale à anuência com os termos do negocio.

 

2.1.1 Efeitos da cessão de crédito

            O principal efeito da cessão de crédito é proceder ao transporte, para o cessionário, da titularidade integral da relação jurídica cedida, ou seja, o crédito e seus acessórios dormam um todo de caráter patrimonial, um bem que tem valor de troca e pode ser alienado[8]. A Em caso de garantia acessória hipotecária, a cessão deve ser feita por escritura pública, e ao cessionário, que assumiu o lugar do cedente, cabe o direito de averbar a cessão no registro do imóvel, conforme o art. 289 do Código Civil de 2002. Tal averbação tem função de informar ao eventual adquirente do imóvel hipotecado o nome do credor hipotecário.

            Outro efeito importante da cessão de crédito consiste na obrigação do cedente de responder pela existência da divida à época do negocio, conforme estabelece o art. 295 do Código Civil de 2002, dessa forma, o cedente é responsável pela existência do credito à época da cessão, ficando responsável pelas perdas e danos caso o mesmo inexista em tal momento. Na mesma linha, Gagliano; Pamplona (2010, p. 290) afirmam que “se a cessão tiver sido gratuita, somente remanesce a mesma responsabilidade (pela existência do crédito) se o cedente houver procedido de má-fé. 

2.1.2 A cessão de crédito penhorado

            Para elucidar a cessão de crédito penhorado, Rodrigues (2006, p. 101) explica de forma clara e objetiva: 

O patrimônio do devedor responde por suas dívidas, de maneira que seus créditos constituem, também, garantia genérica de seus credores. Uma vez penhorado o crédito, não pode mais seu titular cedê-lo, pois a penhora, produzindo efeitos, vincula o bem ao resgate da obrigação, e o fato de sua cedência representa fraude à execução. 

O art. 298 do Código Civil de 2002 explana que até ser notificado, o devedor permanece não ciente do procedimento judicial, e, assim, o pagamento que fizer ao credor é válido. A partir da notificação, não mais lhe é lícito efetuar tal pagamento, e, se assim o fizer, terá atuado como cúmplice na fraude[9]

2 DA CESSÃO DE DÉBITO

            A cessão de débito não será abordada de forma aprofundada nesta pesquisa, no entanto, se faz mister descrever o seu conceito, uma vez que esta modalidade também é considerada quando da explicação, e utilização da cessão de contrato.

            Rodrigues (2006, p. 104) discorre de forma clara, e afirma que “a cessão de dívida é o negocio pelo qual o devedor transfere para outra pessoa sua posição na relação jurídica, de modo que esta o substitua na obrigação. Trata-se, em rigor, de substituição na mesma relação jurídica.”. O Código Civil de 2002 disciplina a cessão de débito nos arts. 299 a 303. 

3 DA CESSÃO DE CONTRATO

            A cessão de contrato, ou de posição contratual, de forma surpreendente, não foi abordada no Código Civil de 2002. No entanto, ao analisar a cessão de crédito e a sessão de débito, conclui-se por vias lógicas, a necessidade de admitir a cessão de contrato como modalidade jurídica. Ora, se do contrato decorrem créditos e débitos para as partes e se estas os podem transferir, individualmente, então devem poder transferi-los também de maneira global. Para Rodrigues (2006, p.109), “a cessão de situações contratuais, consiste na transferência da inteira posição ativa e passiva do conjunto de direitos e obrigações de que é titular uma pessoa, derivados de um contrato bilateral já ultimado, mas de execução ainda não concluída”. O contrato é considerado como bem de valor econômico, podendo, portanto, circular como qualquer outro.

            Esta modalidade atribui às partes, e ao próprio judiciário, valor prático tangível. Por meio do negocio de cessão de contrato, um único ato transfere toda a posição contratual de uma pessoa a outra. Evitando negociações intermediarias ao fim que se pretende atingir, isto é, em rigor, o contrato teria que ser desfeito pelo cedente com o co-contratante do primeiro negocio, depois, o cedente teria que convencer o co-contratante a refazer o contrato com terceiro interessado. 

            Acerca da cessão de contrato, é importante frisar que em regra, os negócios dependem do consentimento do cedido. Rodrigues (2006, p. 111), afirma, contudo que “casos há em que a cessão é desde logo consentida no próprio instrumento em que ultima o negócio-base; e outros, ainda, que a própria lei autoriza tal cessão, de modo que ela se processa em interferência do cedido”.

            Como citado ao longo desta pesquisa, a cessão de contrato não encontra texto legal expresso, no entanto, o instituto da cessão de contrato existe no direito pátrio, como ato jurídico inominado, pois advém do principio da autonomia negocial, isto é, desde que lícito o objeto, sendo as partes capazes e não recorrendo à forma vedada em lei, podem elas convencionar o que bem entendem[10]

4 CONCLUSÃO

            O cerne da análise abordada ao longo desta pesquisa esteve em estabelecer as modalidades jurídicas acerca da cessão enquanto instrumento para transferência das relações obrigacionais. Nota-se que o Código Civil de 2002 sofreu grande evolução frente a legislações anteriores, atribuindo inclusive parte especial para a tratativa das obrigações. Certamente, o legislador, ao conferir esta normativa ao Código Civil de 2002, entendeu a evolução socioeconômica do direito, e a necessidade de doutrinar as relações de transferências obrigacionais entre as partes, já que, assim como na compra e venda, as obrigações se tornam um bem econômico, ou seja, força matriz de crescimento nacional.

            Contudo, apesar das conquistas, ainda são identificadas lacunas mediante a atual realidade do direito e sociedade. A falta de disciplina acerca da cessão de contrato demonstra que o caminho para progresso jurídico-econômico ainda está em curso. Por outro lado, pode-se entender também que, se até agora o legislador não disciplinou a cessão de contrato, então decerto, acredita que não o vendando, está a permiti-lo. Dessa forma, para esta modalidade, aplicam-se, por analogia, as regras da cessão de crédito.

            Esta pesquisa, por fim, teve como objetivo discorrer de forma analítica as diferentes modalidades de transferência obrigacional através da cessão.

REFERÊNCIAS

FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2010.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte Geral das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2002.

TARTUCE, Flávio. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. São Paulo: MÉTODO, 2012.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2005. 

 

[1] Paper apresentado à disciplina de Direito das Obrigações, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

[2] Aluna do 3º período, do Curso de Direito, da UNDB.

[3] Aluno do 3º período, do Curso de Direito, da UNDB.

[4] Pablo Stolze Gagliano; Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, 11 ed., São Paulo: Saraiva, 2010, v. 2, p. 285.

[5] Pablo Stolze Gagliano; Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil, 11 ed., São Paulo: Saraiva, 2010, v. 2, p. 285.

[6] Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, ed. 7, São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 96.

[7] Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, ed. 7, São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 96.

[8] Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, ed. 7, São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 98.

[9] Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, ed. 7, São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 101.

[10] Silvio Rodrigues, Direito Civil – Parte Geral das Obrigações, ed. 7, São Paulo: Saraiva, 2006, v. 2, p. 116.