DA ATUAÇÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS E O ESTATUTO DO TORCEDOR
Por Pedro Ernesto Rodriguez Gomez Furtado de Oliveira | 22/04/2013 | DireitoDA ATUAÇÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS E O ESTATUTO DO TORCEDOR
1. DA ATUAÇÃO DAS TORCIDAS ORGANIZADAS E A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL
A violência no futebol brasileiro comumente é atribuída à atuação de torcidas organizadas. As torcidas organizadas são um fenômeno social existente no Brasil desde a década de quarenta, principalmente no Rio de Janeiro, e que ganhou força na década de setenta, com o surgimento de diversas novas torcidas por todo o país.
Indiscutível que a imensa maioria dos casos de violência em decorrência do futebol são promovidos ou tem a participação de integrantes destas torcidas, o que lhes dá uma péssima imagem perante a sociedade. Entretanto, estas entidades não podem ser vistas apenas como bando de arruaceiros que tem como única finalidade a violência e o tumulto.
As torcidas organizadas são entidades legalmente constituídas, com número de CNPJ, estrutura societária e diretores. Atuam diretamente junto a comunidades locais, por vezes prestando serviços que seriam de obrigação do Estado. Algumas torcidas tem até escolas de samba, participando da divisão de elite do carnaval paulista, como é o caso da Gaviões da Fiel e da Mancha Alvi Verde.
Estas torcidas são responsáveis por grande parte do espetáculo de futebol. O sujeito que vai ao estádio não o faz apenas para assistir ao jogo de futebol. Se assim fosse, o faria pela televisão, no conforto de seu lar, com direito a replay e tira-teima. Ele vai o campo pelo ambiente que lá existe, pelo clima criado naquele espaço em torno do jogo de futebol.
Aqueles que frequentam estádios sabem que grande parte deste clima é criado pela bateria da torcida organizada, que toca por noventa minutos, por seus membros que entoam gritos de incentivo ao clube, pelas bandeiras que estas torcidas levam aos estádios. Aqueles que defendem a extinção das torcidas organizadas defendem a morte do futebol alegre como hoje conhecemos, pois, sem elas, teríamos uma horda de torcedores respondendo aos chamados de um auto-falante que tentaria, sem sucesso, fazer o estádio entoar os cantos que foram criados exatamente por estas torcidas organizadas.
Não será feita a analise do que aconteceria se estas torcidas fossem extintas, pois partiremos do pressuposto que estas são parte integrante do espetáculo que é assistir a uma partida de futebol no estádio. Mas pode-se dizer que, obviamente estes fanáticos pelos seus times não desapareceriam ou deixariam de freqüentar estádios com o término da entidade chamada de torcida organizada.
Deste modo, deve ser feita a análise de como lidar com este fenômeno social brasileiro, dentro da nossa realidade atual. A política do Estado em relação a estas torcidas já foi das mais diversas, desde a tentativa de extinção até uma convivência amigável.
Atualmente costuma existir uma relação boa entre clubes, torcidas organizadas e Estado. Obviamente esta relação trás rusgas do passado, mas o melhor caminho certamente é este. Reuniões com a participação destes três entes devem ser feitas antes de jogos nos quais os
riscos de conflitos sejam considerados altos pelo Estado. É dever do Ministério Público
representar o Estado nesta relação.
2. AS TORCIDAS ORGANIZADAS NO ESTATUTO DO TORCEDOR
O Estatuto do Torcedor em sua última reforma, trouxe novas disposições buscando cuidar mais de perto das questões envolvendo torcidas organizadas no futebol. Inicialmente, com a inclusão do artigo 2-A, passou a definir quem são as torcidas organizadas e a dar-lhes a incumbência de saber com certo nível de detalhes quem são seus associados, nos termos a seguir:
“Art. 2o-A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.
Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:
I - nome completo;
II – fotografia;
III – filiação;
IV - número do registro civil;
V - número do CPF;
VI - data de nascimento;
VII - estado civil;
VIII - profissão;
IX - endereço completo; e
X - escolaridade.”
Entretanto, a grande inovação desta reforma com relação às torcidas organizadas está contida nos artigos 39-A e 39-B, conforme veremos:
“Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos.”
“Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.”
O primeiro artigo prevê a possibilidade de impedimento das torcidas organizadas e de quaisquer de seus membros de comparecerem a qualquer tipo de evento esportivo, no caso de tumultos, violência ou invasão de campo ou áreas restritas. A possibilidade de impedimento do comparecimento das torcidas a eventos esportivos, em caso de graves tumultos ou prática de violência é perfeitamente correto. Entretanto o artigo fala também em impedimento de freqüentar eventos esportivos no caso de incitação a violência. A definição de incitação a violência não é feita pela lei e teremos de aguardar o decorrer do tempo para ver a interpretação que os tribunais darão à questão, porém é temerário deixar questões punitivas tipificadas de maneira tão abrangente.
Já o segundo artigo é ainda mais inovador ao responsabilizar, de forma objetiva e solidária, a torcida organizada por quaisquer danos causados por seus membros, não só no estádio, como em seu entorno e caminho de ida e volta.
Talvez o ponto mais importante deste artigo, seja exatamente sua pare final, ao estender a possibilidade de punição não só para o evento esportivo e seu entorno, mas também para todo o trajeto de ida e volta independente de qual seja.
É certo que hoje em dia raramente os confrontos entre torcidas ocorrem dentro dos estádios ou nos arredores, sendo que normalmente estes confrontos são previamente agendados e ocorrem ou na ida ou na volta dos jogos. Deste modo, é essencial que a punibilidade do Estatuto do Torcedor não fique restrita apenas ao estádio e seus arredores.
Ademais ao passo em que a entidade passa a ser responsabilizada solidariamente com seus membros pelos danos causados por estes é natural que ela passe a se preocupar em cumprir aspectos como os do artigo 2º do Estatuto do Torcedor, além de fazer tudo aquilo ao seu alcance para evitar que, por meio de seus membros, a entidade seja prejudicada.
Todavia, vale ressaltar que a punição prevista no artigo 39-B refere-se exclusivamente aos danos cíveis praticados por membros da torcida organizada, pois como sabemos a punição penal é individual.
3. DOS CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DO TORCEDOR
Passaremos agora a analisar o novo Capítulo XI do Estatuto do Torcedor, recentemente criado, que define novos crimes no âmbito do futebol, não só para impedir a violência nos estádios, mas também para garantir a idoneidade do jogo e o respeito ao torcedor, conforme veremos a seguir.
4. DOS CRIMES CONTRA A VIOLÊNCIA
Uma das principais críticas ao Estatuto do Torcedor antes de sua reforma de 2010 era exatamente a falta de punibilidade, que impedia que as disposições lá contidas fossem efetivamente postas em pratica, bem como que cumprissem um de seus principais objetivos, que é extinguir a violência nos estádios.
Nesta esteira, a reforma de 2010 inclui o capítulo XI – A ao Estatuto do Torcedor, que inclui um rol de crimes devidamente tipificados para aqueles crimes cometidos em decorrência do futebol.
O primeiro artigo deste capítulo é o artigo 41-B, que cuida exatamente da questão da violência e dispõe conforme abaixo transcrito:
“Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos:
Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.
§ 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que:
I - promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;
II - portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.
§ 2o Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo.
§ 3o A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converterse-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta.
§ 4o Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada.
§ 5o Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o.”
Verificamos que o tipo penal, embora tenha o melhor dos intuitos, o de trazer a paz às praças esportivas, peca ao ser demasiadamente abrangente e acerta ao prever a punição para casos ocorridos na ida e na volta dos jogos, pois como dito anteriormente é comum que os tumultos ocorram nestes trajetos.
Todavia, conforme dito por Edson Sesma e Stefano Malvestio em seu artigo “Estatuto do Torcedor é de Difícil Aplicação”, 10o fato de o tipo ser muito aberto faz com que seja de difícil aplicação. Exemplificam este fato da seguinte maneira:
“Pense em condutas como “incitar a violência num raio de 5 mil metros ao redor do estádio” ou “deter nas imediações do estádio quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência”, cuja ampla interpretação poderia levar a condenação criminal de milhares de pessoas a cada domingo.”
http://www.conjur.com.br/2010-ago-14/estatuto-torcedor-ambicioso-dificil-Aplicacao
De fato, incitar a violência como tipo penal é deveras abrangente e pode ser interpretado de muitas maneiras. Novamente, parece claro que estas questões apenas serão elucidadas com o tempo, por meio da formação de uma jurisprudência que defina mais precisamente o tipo penal.
Não obstante o fato de o tipo ser abrangente, sua existência na lei é perfeitamente justificável, pois não baste que se puna a violência, é preciso evitá-la. É óbvio que a grande maioria das brigas entre torcidas não tem inicio sem a fase das provocações, das incitações a violência. E é por esta razão que o legislador optou, corretamente, por tipos mais amplos, tendo em vista a não só a repressão, mas a prevenção à violência. Deste modo, aquele torcedor que se aproxima do estádio entoando cantos bélicos e carregando pedaços de pau nas mãos já incorreu no crime tipificado no artigo 41-B, antes mesmo que possa cometer qualquer ato de violência contra qualquer pessoa que seja.