D. Maria

Por Oscar Marques Schild | 08/04/2007 | Adm

Por mais que tente escrever alegrias, sempre voltam os momentos tristes do passado porque eles foram marcantes e por outro lado, ensinaram-me a valorizar o pouco, transformando este pouco em muito.

Meus pais tinham um mercado e na época da Páscoa era uma correria porque raros eram os supermercados e mesmo não tendo a variedade que hoje encontramos, eles vendiam bacalhau norueguês e muitos ovos e enormes coelhos de páscoa.

Infelizmente naquela época meus pais não tinham a noção de custos como hoje se tem e sempre sobravam às partes mais finas dos bacalhaus e estas eram saboreadas em pratos magníficos que minha mãe fazia. Já na manhã de domingo, a ansiedade tomava conta de todos nós com a expectativa de receber ovos e coelhos de chocolate, mas logo vinha a notícia que os clientes ao manusearem os mesmos, acabavam amassando e os amassados seriam a nossa páscoa.

Passado os primeiros momentos de decepção, vinha a mãe com uma enorme lata cheia de pedaços de chocolates, os quais podiam ser vistos através de um vidro redondo em um dos lados. Ficávamos babando pelos cacos e a decepção fugia entre a saliva que escorria de nossas bocas. Também pudera, cinema de chocolate.

Certa Páscoa fui convidado a ir à casa da D. Maria, uma doceira de mão cheia que fabricava artesanalmente ovos de açúcar, mesmo que eu não gostasse deles. Ao chegar a casa dela, fui presenteado com um enorme ovo de açúcar e perguntei o motivo; ela disse que era devido a um favor que tinha feito. Não recordo mais deste favor, mas estou vendo a D. Maria, sua casa, o ovo de açúcar, um enorme ovo. E não esqueço o retorno a casa, sorriso rasgando o rosto, mãos firmes abraçando o enorme ovo.

Ficou a imagem da páscoa com ovos e coelhos quebrados, do ovo de açúcar e do esforço que meus pais tinham em manter os 4 filhos e nesta, sexta-feira santa, uma vizinha também doceira ao mostrar os ovos de páscoa de chocolate que fazia, comentou do seu tempo de guria onde prevaleciam os ovos de açúcar, levando-me a D. Maria.

Hoje o sentido da Páscoa, para mim, é diferente e nele presencio Jesus, um grande espírito, da maior elevação moral que esteve e está conosco, mostrando os melhores caminhos até o Pai. Páscoa é a prova que existem outras moradas e que aqui, é uma escola preparatória à nossa evolução. Gosto sim de chocolates, como minha família gosta, mas primeiro o significado, depois a sobremesa.

Que esta Páscoa seja a melhor de toda a sua vida; que o Cristo esteja sempre ao seu lado e que você pode sempre ser o menino que um dia, sem pedir, ganhou um ovo de açúcar. Se não ganhar, não chore e não se desespere, porque logo alguém lhe dará, mesmo que sejam ovos e coelhos quebrados, mas cujo significado seja de uma Grande Páscoa.

A crônica da D. Maria, para mim, tem um grande significado. Por ela consigo extravasar o lado ruim de muitas vezes receber os restos, a sobra e o estrago de clientes. Hoje, estas sobras, do bacalhau e dos ovos e coelhos de páscoa mostram a magnitude do gesto que meus pais faziam, para não deixar os filhos sem a lembrança material que os homens transformaram à Páscoa. Felizmente souberam agregar a páscoa das sobras o real significado da Páscoa Divina, da prova viva que a morte não termina com a evolução do espírito e que Deus, sabe sempre do que precisamos e na hora certa, coloca à mesa o suficiente para a nossa manutenção, apesar de sempre não percebermos o que acontece. Continuamos sempre exigindo o filé à sobra de bacalhau, apesar da sobra ser um produto caro; dos ovos enormes aos grandes coelhos apesar dos cacos terem o mesmo gosto e sabor.

Um dia mudaremos e mesmo sem sobras e pedaços, a Verdadeira Páscoa reinará em nossa vida, aconchegando o nosso coração e as mágoas e tristezas passadas deixarão de existir como dor, passando a fomentar a esperança da magnitude Divina nesta encarnação, bem como nas demais.