Currículo e a obrigatoriedade do ensino musical nas escolas

Por Lucas Correia Lima | 21/09/2012 | Arte

A música marca presença desde sempre nas escolas, se não nos currículos, certamente no cotidiano de alunos e professores. No entanto, o acesso à formação musical escolar enseja não só a fruição que esta expressão artística permite, mas uma ampliação das possibilidades existentes no campo da música para a formação dos estudantes. Historicamente, a música já esteve presente na educação brasileira em vários momentos com finalidades específicas.
As escolas são espaços destinados à formação de crianças, jovens e adultos e trazem com ela conhecimentos das diferentes áreas, além do processo de socialização, também um sentido moral e político. Os conhecimentos adquiridos em diversas áreas ao adentrarem a escola são recontextualizados, obedecendo a lógica que preside as instituições escolares, evidenciando desta forma que a história escolar está indissoluvelmente ligada ao exercício da cidadania.
Para que o aluno consiga um bom rendimento escolar é necessário que ele aprenda não só os conteúdos escolares, mas também que ele saiba se deslocar nessas instituições, por meio do conhecimento que adquire, suas normas valores e com a cultura da escola. Por isso é tão importante a presença de novos conteúdos como o ensino musical.
Nas escolas, a música não deve ser necessariamente uma disciplina exclusiva. A ideia é trabalhar com uma equipe multidisciplinar e, nela, ter entre os profissionais o professor de música. Cada escola tem autonomia para decidir como incluir esse conteúdo de acordo com seu projeto político-pedagógico. Cada disciplina tem sua especificidade e como tal não pode ser ‘‘diluida’’ e sim integrada por meio da compreensão de que um conhecimento necessita ser agregado em outro, garantindo uma compreensão mais ampliada e qualificada.
Para isso, no momento em que a escola começa a organizar os conteúdos, há uma necessidade de unir todas as áreas, construindo assim um currículo que se torne mais prazeroso e sgnificativo para os etudantes, possibilitando uma participação ativa dos alunos em todas as areas. E é neste momento que tanto a gestão como os docentes devem assumir uma interdisciplinaridade construtiva.
A partir deste processo, o docente poderá assisitir seus educandos realizarem atividades antes imaginadas, colocando em prática novas formas de aprendizagem, assim, os professores conseguirão deslocar seus conhecimentos para outros contextos e reforçando seus currículos.
Para Martins (2007,p.140) o currículo não pode ser consebido como um conjunto de disciplinas organizadas em uma sequencia lógica de conteúdos. É muito mais do que isso, pois está compromissado com os fins da educação, com as experiencias que deverão ser desenvolvidas, com as atividades docentes e discentes e com as estrtégias que será usadas na situação do ensino aprendizagem. O currículo pode ser definido como a totalidade das experiências organizadas e supervisionadas pela escola e que são desenvolvidas sob sua responsabilidade ; experiências essas selecionadas com o objetivo de promover o desenvolvimento integral da personalidade do educando, ao mesmo tempo em que visa satisfazer as necessidades da sociedade.
Para Saviani (2000,p.33)

“Currículo é entendido comumente como a relação das disciplinas que compõem um curso ou a relação dos assuntos que constituem uma disciplina, no que ele coincide com o termo programa. Entretanto, no âmbito dos especialistas nessa matéria tem prevalecido a tendência a se considerar o currículo como sendo o conjunto das atividades (incluído o material físico e humano a elas destinado) que se cumprem com vistas a determinado fim. Este pode ser considerado o conceito ampliado de currículo, pois, no que toca à escola, abrange todos os elementos a ela relacionados. Poderíamos dizer que, assim como o método procura responder à pergunta: como se deve fazer para atingir determinado objetivo, o currículo procura responder à pergunta: o que se deve fazer para atingir determinado objetivo? Diz respeito, pois, ao conteúdo da educação e sua distribuição no tempo e espaço que lhes são destinados”.

Ao realizar o planejamento curricular da escola, é preciso que os edeucadores tenham em mente que as fontes de onde provêm os objetivos são : necessidades e valores constatados na sociedade ; desenvolvimento, necessidades e potencialidades identificadas nos educandos ; campos do conhecimento.
O ensino musical agora faz parte da grade currícular como o conteudo obrigatório nas escolas de ensino básico de todo Brasil, tanto na rede pública como na privada. É preciso atualização em relação aos progressos alcançados nos campos das ciências, artes e da tecnologia que estão acontecendo na área educaional.
A escola é uma instituição (mas, não a única) na qual esse conhecimento pode ser instituído e adquirido. A nova LDB vem dar essa garantia enquanto torna o conhecimento artístico obrigatório no currículo do ensino fundamental e médio. O problema está a partir do momento em que o Projeto Lei de Ensino Musical sair do papel e chegar até às escolas, ser incluído no currículo e oferecido aos alunos no horário escolar requer um maior interesse por parte dos administradores escolares e dos próprios docentes, manifestando-se pela sensibilização e pelo valor do ensino da arte na escola.
Nas palavras de Saviani (2000, p.40):

“a educação musical deverá ter um lugar próprio no currículo escolar. Além disso, porém, penso ser necessário considerar uma outra alternativa organizacional que envolve a escola como um todo e que, no texto preliminar que redigi para encaminhar a discussão do projeto da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, traduzi através do enunciado do artigo 18 do anteprojeto, nos seguintes termos: os poderes públicos providenciarão para que as escolas progressivamente sejam convertidas em centros educacionais dotados de toda a infraestrutura física, técnica e de serviços necessária ao desenvolvimento de todas as etapas da educação básica.”

O ensino da música vem lutando pelo seu espaço no contexto institucionalizado. A sua prática, infelizmente, continua sendo privilégio de uma minoria que dispõe de recursos materiais e financeiros para sustentar um ensino desenvolvido em poucas escolas especializadas. A estruturação curricular da disciplina Música vem gerando, ao longo dos anos, questões e debates quanto à sua constituição enquanto disciplina escolar bem como quanto à sua programação enquanto prática pedagógica no interior das salas de aula.
Diante desse quadro, Hentschke (1993, p.50) afirma que

“os problemas que enfrentamos na área da educação musical vão desde falta de institucionalização e reconhecimento do valor da educação musical como disciplina integrante do currículo escolar até a falta de sistematização do ensino da música, seja este como parte do ensino formal, bem como em muitas escolas de música. Em qualquer sistema educacional há um reconhecimento no nível do senso comum a respeito do valor de determinados conteúdos na formação dos indivíduos. Estes são englobados pelas disciplinas chamadas ‘centrais’, ou do núcleo comum, e que são consideradas como ‘indispensáveis’ para a formação de uma sociedade produtora e consumidora do ‘status’.”

Considerar o amplo acesso que se tem à música fora da escola não justifica a sua falta no currículo escolar, uma vez que essa música chega aos nossos ouvidos sem nenhuma discriminação e consciência por parte de quem ouve. Além do mais, é negada ao aluno o acesso a uma área do conhecimento que certamente poderá levá-lo a desenvolver o potencial artístico e criador, além de permitir que esses desenvolvam uma apreciação musical crítica e consciente.
Para que os currículos de educação musical sejam importantes e significativos para os alunos, não implica em apenas oferecer-lhes aquilo de que eles gostam, de acordo somente com as suas preferências, mas importa também mostrar-lhes que a música pode proporcionar novas “escutas” e criar novas experiências positivas e relevantes ao seu desenvolvimento. Assim é preciso atentar para a necessidade de explicitar e invocar novas determinações que visem a busca do resgate e da manutenção dos espaços de atuação, a sustentação do seu prestígio enquanto disciplina escolar formadora da percepção auditiva e sensorial do mundo sonoro. Além disso, a busca por um currículo inovador requer motivação no
investimento de novos projetos, novas propostas e motivação na realização de atividades e atitudes que visem, principalmente, recuperar o gosto e o senso crítico musical dos alunos.
Sem a música no currículo escolar, há de se ver um ensino musical destinado a uma minoria, deixando a maioria das pessoas sem a oportunidade de “fazer música”, seja pela ação de compor, ou de executar um instrumento ou cantar, o que vem significar um distanciamento de ações intimamente relacionadas e possíveis de serem executadas por qualquer indivíduo.
O ano de 2012 é o limite para que toda escola pública e privada do Brasil inclua o ensino da música em sua grade curricular. A exigência surgiu com a lei nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que determina que a música deve ser conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica. O objetivo não é formar músicos, mas desenvolver a criatividade, sensibilidade, coordenação motora, percepção auditiva e rítmica e a integração dos alunos.
Assim, estados e municípios têm até este ano para baixar normas explicando como as escolas devem cumprir a legislação e dar detalhes sobre em que anos/séries serão incluídos os conteúdos de música, o que será abordado nas aulas e quem as irá ministrar. O documento também deve deixar claro, os critérios de qualidade, as formas de fiscalização e, eventualmente, os modos de punir os infratores. A lei enfatiza ainda a importância das regulamentações locais para garantir os espaços das expressões regionais.
O presidente da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM) e professor de música do Centro de Artes da UDESC, Sérgio Luiz Figueiredo, explica que a lei vale para os ensinos fundamental e médio, mas as definições sobre em quantos anos e com que periodicidade o ensino da música será ministrado cabe aos conselhos estaduais e municipais de Educação, em parceria com os governos locais.
O MEC recomenda que, além das noções básicas de música, dos cantos cívicos nacionais e dos sons de instrumentos de orquestra, os alunos aprendam cantos, rítmos, danças e sons de instrumentos regionais e folclóricos para, assim, conhecer a diversidade cultural do Brasil. As aulas devem ser ministradas por professores especialistas em música, ou seja, que tenham licenciatura. Se um professor de língua estrangeira não pode lecionar matemática, um ensino musical de qualidade não pode ser ministrado por um professor que não tenha conhecimento na área musical.
A polivalência contribui para a superficialização do ensino das artes e, consequentemente, para a diminuição de sua significação na formação dos estudantes. Os conteudos da discipina de artes neste sentido acabam funcionando como papéis de entretenimento, alegrando as festas das escolas, sendo consideradas, em muitos contextos, como atividade periférica no currículo escolar.
Um professor de Educação Artística, normalmente, não possue formação adequada para desenvolver trabalhos relevantes com todas as linguagens artísticas, além de que o tempo de duração das aulas de Arte não é compatível e ainda não é, em muitos contextos com uma formação adequada em termos artísticos, seja em qualquer uma das linguagens que se queira abordar. Por diversas razões,as artes plásticas tornaram-se predominantes nos sistemas educacionais brasileiros e,até hoje, para muitas pessoas, a aula de Arte é sinônimo de aula de artes plásticas.
O resultado da polivalência tem sido discutido por diversos autores, que evidenciam a fragilidade deste modelo educacional para as artes. De um modo geral, estes autores afirmam que por mais que o professor de arte inclua atividades diversas em suas aulas, não é possível estar preparado para atuar de forma consistente com todas as linguagens artísticas na escola, a partir da formação em um curso superior de quatro anos de duração, em média. Esta situação tem contribuído para que as atividades desenvolvidas, muitas vezes, sejam inconsistentes, desestimulando a discussão e o entendimento sobre a importância da formação em artes de forma qualificada. Hierarquicamente, as artes ocupam lugar de baixa relevância nos currículos escolares e a qualidade das atividades, a falta de profundidade, a descontinuidade, o número reduzido de horas semanais, e também o despreparo de professores têm contribuído para que esta situação da arte no currículo permaneça inalterada, mesmo quando a legislação propicia que se faça um trabalho mais consistente e relevante na formação dos estudantes.
Em 1996, a aprovação da Lei n. 9.394 – LDBEN (BRASIL,1996) modificou a denominação da Educação Artística para ensino de arte, no parágrafo 2º do artigo 26: “O ensino de arte é componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica (...)”. Esta nova redação sugere uma mudança para o ensino das artes na escola, e a expectativa de muitos educadores das diversas linguagens artísticas era que a polivalência estaria encerrada com estes novos termos. No entanto, em nenhum momento a legislação educacional brasileira apresentou claramente a extinção da polivalência como uma das práticas possíveis para o ensino de arte nas escolas, ou seja, mesmo quando a legislação sugeriu mudança, diversos sistemas educacionais mantiveram a prática polivalente para o ensino das artes na escola.
A mesma Lei n. 9.394/96 estabeleceu que os sistemas educacionais (municipais, estaduais, federais) têm liberdade e autonomia para estabelecer seus projetos políticos pedagógicos, respeitando a legislação vigente.
A legislação inclui o ensino de arte, mas não indica que artes deveriam fazer parte desta prática e, em muitos contextos brasileiros, ainda hoje se pratica a polivalência para o ensino da arte, perpetuando um modelo que não tem contribuído para a presença significativa da formação artística no currículo escolar. Exercendo sua autonomia e liberdade, diversos sistemas educacionais ainda requisitam professores formados em Educação Artística para atuarem de forma polivalente nas escolas, ignorando, inclusive, que não existe mais a licenciatura em educação artística nas universidades brasileiras. As Diretrizes Curriculares Nacionais para cada uma das linguagens artísticas (BRASIL, 2004a, 2004b, 2004c, 2009) estabelecem que a formação do professor é direcionada para uma linguagem artística, não havendo diretrizes para a formação do professor polivalente, como nos tempos da Educação Artística.
Diante desta situação de indefinição da legislação sobre as áreas artísticas que deveriam compor efetivamente a formação curricular, cada sistema educacional estabelece aquilo que deseja, muitas vezes motivada apenas pelo hábito de ensinar as artes de forma polivalente, ou ainda motivado pela questão econômica: um professor é mais barato do que vários professores de várias linguagens artísticas.
Cabe destacar que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1997, 1998) apresentam um volume dedicado à Arte, contendo orientações para Artes Visuais, Dança, Música e Teatro. No entanto os PCN não são documentos obrigatórios, ou seja, são orientações gerais que podem ser ou não utilizadas pelos sistemas educacionais.
Assim, mesmo com a ausência do termo Educação Artística nos documentos legais a partir de 1996, a prática da polivalência permaneceu em diversos sistemas educacionais.
A indefinição da legislação, a falta de clareza e a possibilidade de múltiplas interpretações do texto legal foram consideradas como tópicos da mais alta relevância para serem tratados de forma efetiva para o aprimoramento da legislação brasileira para o ensino das artes. Assim, o movimento pela música na escola estabeleceu uma pauta única que foi a alteração da legislação com relação ao ensino de música na escola. A Lei n. 11.769/08 indica claramente que a música deve fazer parte do currículo escolar, não podendo ser substituída ou suprimida da formação escolar.
A Lei n. 11.769/08 representa, em algum nível, um avanço no texto legal. Ela alterou a Lei n. 9.394/96, que traz a obrigatoriedade do ensino de arte na escola. Sendo assim, a música deverá ser conteúdo indiscutível no currículo, cumprindo aquilo que está estabelecido no artigo 26 da LDB de 1996.
Note-se que a Lei n. 11.769/08 apresenta, em seu texto, a não exclusividade do ensino da música: a música é conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, ou seja, o currículo escolar deve estabelecer um espaço para a música, sem prejuízo das outras linguagens artísticas. Em suma, a formação em artes ganha, com a Lei n.11.769/08, um reforço para os argumentos que se podem construir para a ampliação da presença do ensino das artes – e da música – no currículo escolar.
No entanto, a Lei n. 9.394/96 ainda continua ativa, e isto significa que a obrigatoriedade da música está estabelecida, mas os sistemas educacionais continuam livres e autônomos para estabelecerem de que forma esta área será contemplada no currículo.