Culturas Diferentes, Perspectivas Diferentes
Por Maria Do Socorro Ricardo Souza | 22/02/2013 | LiteraturaCulturas Diferentes, Perspectivas Diferentes.
Maria do Socorro Ricardo Souza
Dentre as inúmeras temáticas possíveis de discussão no conto: “Uma Guarda Avançada do Progresso”, como por exemplo: preconceito, colonização, fragmentação do mundo etc, atento-me aqui a discorre sobre a variedade do cultural e, consequentemente as múltiplas perspectivas encontradas no mesmo, para compreendermos a profundidade e a complexidade desta obra tão densa, tão vasta e tão contraditória. No entanto, isso não impede que possa também citar os temas acima relacionados.
O conto inicia apresentando-nos seus personagens principais:
Na FEITORIA havia dois brancos. Kayerts, o chefe, era gordo e baixo; o ajudante, Carlier, era alto, cabeça enorme e tronco formidável, empoleiro num par de perninhas finas. O terceiro homem da turma pertencia à raça negra; nascera na Serra da Leoa e chamava-se Henrique Prince (...) seus conterrâneos o designavam de Makola (...) falava inglês e francês, tinha boa caligrafia (...). A mulher era uma preta de Luanda, corpulenta. (Joseph Conrad p.133)
Um pouco mais adiante (p.140) outro personagem de suma importância narrativa é descrito da seguinte forma:
Às vezes Gobila vinha visitá-los. Gobila era um chefe das aldeias vizinhas. Tinha a cabeça grisalha, corpo magro e muito negro; usava uma tanga branca em volta dos rins e, sobre o ombro, uma pele de pantera já enebada. Dava largas passadas com as pernas esquéticas, empunhando um bordão tão alto quando ele. (Joseph Conrad).
Partindo dessas descrições observamos a imensa diversidade de povos, de culturas, de idéias e, por que não dizer, de interesses distintos (brancos, negro, índios) em uma mesma sociedade. Isso mostra, por um lado, a necessidade de se conviver e de respeitar as múltiplas características com as diferenças numa determinada sociedade e , por outro lado mostra m os conflitos, as dificuldades, as contradições encontradas resultado dessa mistura de realidade. Isso, como sabemos, ocorre (claro!), em toda e qualquer sociedade, já que o interesse de um não é mesmo da maioria, aliás, no caso desse conto, a maioria ( os negros, escravos, índios ) é a mais desvalorizada.
Diante de tudo isso e, partindo do pressuposto de miscigenação da sociedade – dentro a narrativa do conto “Uma Guarda Avançada do Progresso” – encontra-se visões diversificadas de cada grupo social presente na mesma como veremos a seguir.
Kayerts e Calier (brancos, estrangeiros), por se acharem superiores não compreendem, ou não se preocupam em compreender, nem se envolver com a cultura da sociedade em que estão inseridos naquele momento (África), porque na visão deles o mais importante não era entender a nova cultura e sim a explorar suas riquezas, ( o marfim retirado dos dentes dos elefantes). No entanto, eles precisavam da confiança daquelas pessoas para chegar a seus objetivos. Para isso, procuraram uma forma de “ganhar a amizade” dos mesmos levando para eles mercadorias inexistentes e desconhecidas naquele país, como por exemplo, “ contas de vidro, panos de algodão, lenços encarnados, fios de cobre (...)” (p. 133) coisas que para estes eram somente velharias, lixos e para aqueles eram totalmente novas, diferentes. A visão da população local, com isso, muda. Para eles aqueles homens não eram mais estranhos assim, agora eram seus amigos. Eles não percebiam que estavam sendo enganados, que estavam trocando suas riquezas por nada, porque não tinham noção nem da importância e muito menos do valor material daquela fartura disponível, que eram os dentes dos elefantes. Isso demonstra a grande deficiência de conhecimento de seu próprio território acarretando assim na grande exploração do mesmo. Entende-se aqui, também a superioridade do branco em relação ao negro, do estrangeiro em relação ao nativo, da minoria em relação à maioria e ainda, do “civilizado” relação aquele que não conhece a “civilização”. Portanto, mais uma vez, vê-se aí a relação contraditória de uma sociedade: interesses distintos ou mesmo, interesse de somente uma das partes, já que a outra age de maneira mecânica, não reconhece sua fragilidade, nem percebe sua fragmentação.
Voltando ainda para o contexto da narrativa do conto, temos o personagem- Maloka- que já na sua apresentação é diferenciado dos demais ( como foi descrito na primeira citação deste texto- 2° parágrafo). Ele é de tipo que pode ser classificado como um “negro civilizado”, a começar pelo seu próprio nome. Maloka é apenas seu apelido, como vimos anteriormente, seu verdadeiro nome é Henrique Price. Destacam-se, aqui, duas perspectivas diferentes: Maloka (apelido) representa o íntimo negro, ou seja, suas raízes, as raça original – é africano “pertencia à raça negra (...) sua preferência religiosa pelos espírito malignos” (p. 133). (características de sua raça). Henrique Price (nome verdadeiro) mostra a cultura do homem branco, por suas características, próprias do homem branco daquela época: “falava inglês e francês com acento melodioso, tinha boa caligrafia, entendia de escrituração comercial (...)” (p. 133). Isso quer dize que Makola é uma representação real da diversidade cultural daquela sociedade. Porém, a denominação “negro civilizado” torna – se ambígua. Se a civilização nele encontrado era associada às características do homem branco (como acima relatado), então como explicar o seguinte trecho: “Makola, taciturno e impenetrável desprezava os dois brancos?” (p. 133). Então, como vimos, as visões de cada personagem se diverge. Um só personagem traz diferentes perspectivas de um mesmo foco, tornando assim a narrativa ambígua e contraditória.
No ponto de vista de outro personagem, Gobila, (que também foi descrito anteriormente - 3⁰ parágrafo), há também duas perspectivas: uma diz respeito à sua receptividade com os brancos. Admirava – os, tinha – lhes amizade e uma relação paternal com os estrangeiros, num primeiro momento.
Esses dois brancos eram uma devoção para aquele negro incompreensível e decrépito a quem chamavam de Tio Gobila. Tinha maneiras paternais e dir –se – ia estender o seu amor a todos os da raça branca. Achava – os sempre muito novos, indiferençáveis, iguais (exceto na estatura) e acreditava que eram todos irmãos, e mortais (...) a amizade matinha – se perfeita. Em conseqüência disto, as mulheres da aldeia de Gobila vinham em fila através dos canaviais, trazer todas as manhãs, à feitoria galinhas, doces, vinhos de palmeira e, de vez em quando calhava uma cabra. (p.140
Isso demonstra sua (possível) ignorância em relação ao objetivo dos brancos, aos estrangeiros. Gobila estava aquém de seus interesses. Nesse sentido, sua perspectiva era limitada, já que ele não conhecia o mundo diferente do seu, somente o que ocorria ao seu redor, por isso também era profunda admiração pelo desconhecido, pelos estrangeiros.
Todavia, após sua decepção com aqueles que tanto admiravam (alguns de seus companheiros haviam sido mortos pelos brancos e por outros negros), seu ponto de vista em relação a eles mudou drasticamente, isto é, com a ampliação de sua percepção de mundo veio também a descoberta do objetivo dos brancos: enganá – los para explorar suas riquezas. Gobila já não tinha mais a afeição de antes, pelo contrário amaldiçoava – os, desejava o desaparecimento dos mesmos.
No seu pavor o velho e bondoso Gobila sacrificava todos os espíritos maléficos que se tinham apoderado dos seus conterrâneos. Sentia a alma opressa. Alguns dos guerreiros sugeriam – lhes morte e incêndios, mas o velho e cauteloso selvagem dissuadiu – os de tal. Quem podia adivinhar as calamidades que essas misteriosas criaturas, uma vez irritadas, seriam capazes de desencadear? (...) Talvez com o decorrer do tempo, esses brancos desaparecessem da face da terra como o primeiro que ali vivera (...) (p. 149).
REFERÊNCIAS
CONRAD, Joseph. White man & colonialism (“An outpost of progress”). Tradução: “ Uma Guarda Avançada do Progresso.”