CULTURA DO SAMBA ENREDO COMO MEIO DE EDUCAÇÃO POPULAR
Por Renato Poubel de Sousa Assumpção | 02/08/2009 | EducaçãoRENATO POUBEL DE SOUSA ASSUMPÇÃO – UNIVERSO/ UERJ-FFP/ UGF – renatopoubel_rj@yahoo.com.br
Resumo: Este artigo discute o samba, mais especificamente o samba enredo, como meio de educação popular. Para isto, busca verificar seu processo histórico social, de forma a compreender da melhor forma seu valor no processo de formação cultural, compreendendo uma variedade de conteúdos através de suas letras e manifestações.
Palavras chave: cultura popular, samba enredo, educação popular, conteúdos.
A história do samba enredo, muito se confunde com a história do carnaval carioca. O samba tem sua origem nas raízes africanas, sendo sua base trazida pelos escravos que aqui chegaram, transformado ao longo do tempo, adaptando-se as características e necessidades encontradas no Brasil1. Por ser sua origem africana, o samba se constitui, mais precisamente nas favelas e morros do Rio de Janeiro. Por essas questões o samba ganha status de uma cultura marginal, e por diversas vezes, sambistas eram presos e considerados vagabundos2. Por outro lado existia um movimento no Brasil, muito bem aceito, possuidor de uma origem européia, chamado carnaval. A tão famosa festa do entrudo tinha um ar de liberdade, neste período de quatro dias valia quase tudo, este aspecto de alegria e liberdade é percebido no seguinte fragmento:
Aqui não era carnaval, mas a tal de "Festa do Entrudo" - vinda da capital portuguesa, Lisboa. Nada de máscaras, blocos, desfiles de ruas. No carnaval carioca do século passado, as batalhas com água e outros tipos de brincadeiras faziam a animação do Rio. Mas logo no primeiro baile, realizado no dia 22 de janeiro de 1835, no Hotel Itália, os foliões cariocas não resistiram ao encanto das máscaras, bigodes postiços, da fantasia, enfim. (SOUZA, 2003)3.
É neste clima de liberdade, onde nas brincadeiras não existe classe social, que o samba encontra seu lugar. Os sambistas que eram tão perseguidos, encontram um momento em que podem expressar sua cultura, sem o medo de levarem pontapés, butinadas, serem presos ou mesmo serem ridicularizados pela sociedade 4. Havia um intenso preconceito por parte da elite em relação ao samba, aos "batuques" e estilos musicais dos negros. Preconceito que se carregava ao longo de toda nossa história colonial e que no séc XIX transforma o batuque negro em algo fora da lei:
Para a elite branca da época os batuques eram incômodos, barulhentos e, principalmente, considerados práticas mágicas que valorizavam a representação da morte por meio da possessão dos ancestrais cultuados e por isso deveriam ser proibidos. Mas, na realidade, os batuques significavam o resgate de valores culturais e o retorno às práticas da sua sociedade de origem. Mesmo assim, no século XIX, as práticas dos batuqueiros foram proibidas por não serem consideradas "civilizadas", sendo permitidas apenas eventualmente, como em ocasiões festivas de colheitas bem-sucedidas. (ESPÍNDULA et al,2008, p.2)4 .
Durante este período, o "morro" desce, sendo o que verdadeiramente é, sem medo, pois durante os quatro dias, nada é ridículo, nada é demais. O fragmento a seguir nos explica bem o momento:
Carnaval do Zé Pereira - período que marcou época no carnaval do Rio de Janeiro quando um sapateiro português, conhecido como Zé Pereira, em passeata pelas ruas, animava a folia carnavalesca - é que o som dos zabumbas e tambores animou os foliões por aqui. Essa abertura permitida deixou o samba à vontade para invadir as ruas e avenidas do Rio. Cuícas, tamborins, tambores, pandeiros e até frigideiras (espécies de panelas) - valia tudo para fazer o folião sambar. Estavam sendo formados os primeiros blocos e escolas de samba cariocas que nunca mais deixaram Momo parado no Rio de Janeiro. (SOUZA, 2003)3.
O carnaval brasileiro, não tinha samba. O samba (cultura negra), foi se fundindo ao carnaval (cultura branca), dando origem aos cordões, blocos e as escolas de samba, enfim ao nosso tão famoso carnaval carioca. Um carnaval que não é de mais ninguém que não o brasileiro, um estilo musical que não é de mais ninguém que não o brasileiro. Uma parte da identidade de nosso país, uma parte de nossa cultura.
Para preservar suas tradições culturais, incorporavam seus costumes às festas brancas, assim, suas danças misturavam-se e adquiriam uma identidade miscigenada. (ESPÍNDULA et al,2008, p.2)4
O samba é, para o Brasil, juntamente com outros símbolos, uma marca da brasilidade. Tanta importância tem o samba para o contexto brasileiro que, entre outras coisas neste país continental de rica e variada cultura musical, é o ritmo reconhecido como música de caráter nacional.(LIMA, 200X, p.1)5
Surgem assim as nossas tão queridas escolas de samba, que não possuem o nome "escola" por acaso, mais dentro deste nome está embutido o significado mais real do nome "escola", pois o termo escola de samba, significa ensinar aos mais novos a cultura antepassada africana, através do samba. Assim, o samba funcionaria como uma forma de resistência dos negros, na sua fé, na sua cultura, uma forma de manutenção de uma identidade tão perseguida. A escola de samba neste contexto exerce o papel de entidade de educação popular, na medida em que vai trabalhar e desenvolver uma cultura popular.
Escola de samba: A denominação "escola" fixou-se em 1928, com a criação da Deixa Falar, no bairro carioca do Estácio. Segundo seu fundador, o compositor popular Ismael Silva, o termo provém de uma escola normal que existia no bairro. (Encyclopaedia Britannica do Brasil, 2000)6
Durante o processo histórico os sambas ganharam uma característica educativa e ao mesmo tempo de expressão de sentimentos e idéias.
Sambas como: "Kizomba, Festa da Raça" (Vila Isabel 1988), resgatavam a cultura negra.
"O dono da terra" (Unidos da Tijuca, 1999), que procuram promover a exaltação à cultura indígena.
"100 anos de frevo é de perder o sapato, recife mandou me chamar" (Mangueira, 2008), sambas que buscam o resgate do nosso passado, da valorização de nossa cultura.
"Aquarela Brasileira" (Império Serrano, 1964), que procuravam promover a exaltação às riquezas e belezas de nossa pátria, possuem um espírito patriótico.
"A cana que aqui se planta tudo dá. Até energia... álcool. O combustível do futuro" (Salgueiro, 2004). Sambas que vem a discutir temas econômicos, científicos, pertencentes a uma determinada época, determinada realidade e atualidade.
"Trabalhadores do Brasil" (Vila Isabel, 2008), "Festa do círio de Nazaré" (Viradouro, 2004 reedição), sambas que vinham a falar sobre aspectos políticos e culturais de nosso país. A busca pela valorização dos direitos da população, a valorização de nossa cultura.
"Reconstruindo a natureza, recriando a vida: os sonho vira realidade" (Portela, 2008), sambas que buscam conscientizar o mundo sobre os problemas sociais, econômicos, naturais, dentre outros que a humanidade passa, em busca de dias melhores, de um mundo melhor.
"O clemente João VI no Rio: a redescoberta do Brasil" (São Clemente, 2008), sambas que trabalham a história da humanidade, a história do Brasil. "Não Corra não mate não morra, pegue carona com a mocidade" (Mocidade, 2004), sambas de cunho educativo, que buscam a conscientização, e a educação da população.
Além destes, existem outros tipos de samba, que retratam outros aspectos, como as lendas, curiosidades e fantasias... Podemos perceber nestas poucas observações feitas, a potencialidade no qual este estilo musical tem para ser explorada mediante ao processo de educação. SILVA 7, em seu trabalho, nos mostra uma variedade de conteúdos trabalhados pelo samba ao longo de sua história, variando claro com cada momento em que o país passava. Abstração, artes/literatura, Brasil, carnaval, cotidiano, crítica, cultura, folclore, grande Brasil, mestiçagem, negro e nova história, estão entre os conteúdos observados pelo autor.
Podemos até não nos dar conta, mas quando aprendemos um samba, por diversas vezes estamos passando por um processo de aprendizagem, através de um meio de educação popular. Quando acompanhamos um desfile de escola de samba, aí temos uma visão ainda maior, na medida que a fala daquele samba é concretizada na figura dos carros, fantasias e tripés, funcionando como uma "ópera educativa". O fragmento abaixo complementa minha fala anterior:
Além disso, o desfile das escolas de samba pode se transformar em verdadeiras aulas. Cada enredo apresenta, na maioria das vezes, uma parte da história do Brasil ou do mundo, um acontecimento cívico, uma atração esportiva ou mesmo a valorização de características da sociedade brasileira. Um exemplo claro é o enredo trazido pela escola de samba Estação Primeira da Mangueira no ano de 2007. A eterna verde e rosa, escola tradicional do Rio de Janeiro, apresentou na avenida o enredo "Minha pátria é minha língua, Mangueira meu grande amor. Meu samba vai ao Lácio e colhe a última flor" abordando a história e a importância da Língua Portuguesa como maior símbolo da identidade brasileira. "ESPÍNDULA et al,2008,p.5)4
O samba funciona como meio de educação informal, na medida em que trabalha com conhecimentos de amplo valor cultural, entretanto voltados para o pensamento crítico e conscientização do povo como protagonista de sua história.
Em sua história, os sambas de enredo, sempre estiveram ligadas a cobranças de ações políticas que valorizassem a identidade cultural das camadas populares e as lutas por melhorias sociais das condições de trabalho, moradias dentre outros problemas que afetam a população mais pobre. Desta forma o samba auxilia no processo de educação da sociedade, ele funciona como uma ferramenta de ensino, que possibilita que as classes populares tenham acesso a determinadas culturas por muita das vezes pertencentes apenas às classes dominantes.
Durante os desfiles, por exemplo, uma pessoa que talvez nunca possa conhecer uma pintura famosa ou obras de um grande museu, poderá conhecer através de gigantescas esculturas muito bem retratadas em carros alegóricos e até mesmo referenciadas nas letras dos sambas.
Notoriamente, percebemos o lúdico em papel da cultura. O meio interessante com que se leva a cultura, de forma abrangente, unindo os sentidos no objetivo do aprender de forma sutil, dinâmica e eminentemente agradável.
É claro que não se pode negar a elitização dos desfiles das escolas de samba, entretanto, não se pode negar também, que continua sendo o povo que faz com que as escolas ganhem vida na avenida, o povo ainda é o principal responsável pelos desfiles, por contrapartida, vem perdendo espaço nas arquibancadas na medida em que os ingressos cada dia se encontram mais caros.
Porém negar o samba como um fator social formador de um processo cultural, é negar a própria cultura brasileira, mais precisamente carioca e em parte fluminense. Ainda hoje a base de toda escola de samba é formada pelos verdadeiros sambistas aqueles que vem das classes populares, e não pelo turista que só freqüenta uma vez ao ano.
Considerações finais
Pudemos verificar através dos fatos mencionados anteriormente, a função do samba enredo como meio de educação popular, na medida em que o samba educa o povo a partir da realidade do mesmo, buscando o resgate e a valorização da sua cultura e a transformação social, através da libertação do povo por meio do conhecimento histórico, político e social.
Referências Bibliográficas
- SALOMÃO, G., A história do samba, <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT865240-1655-1,00.html/> acesso em: 08 de fevereiro de 2009.
- PIFFER, O., Geografia no ensino médio. Coleção horizontes, Editora: IBEP, 2002, p. 101.
- SOUZA, M. E. S., Carnaval, <http://www.aescrj.com.br/carnaval.htm>, 2003 acesso em: 08 de fevereiro de 2009.
- ESPÍNDULA, L.S., OLIVEIRA, N. M. S. eSANTANA, T.A., Samba a escola da vida, http://www.leiturasnaescola.org/textos/oficinas/textos_completos/, 2008, acesso em: 07 de fevereiro de 2009.
- LIMA, A. C. G., Cultura do samba e a escola: uma aproximação. Anped, GT 14, Sociologia da Educação, 2007.
- ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda, 2000.
- SILVA, C. M. B., Relações Institucionais das escolas de samba, discurso nacionalista e o samba no regime militar – 1968 – 1985. Dissertação de mestrado, PPGCP/UFRJ, setembro 2007.