CRÔNICAS DE MINHA CIDADE – PARTE XXI. A CIDADE PRINCESA – EM SOBRAL O TORRESMO DO DERMEVAL

Por Jose Wilamy Carneiro Vasconcelos | 30/09/2020 | Crônicas

 

 

 

CRÔNICAS DE MINHA CIDADE –  PARTE XXI. A CIDADE PRINCESA – EM SOBRAL O TORRESMO DO DERMEVAL

 

Prof. Wilamy Carneiro

 

Manhã de sábado. O sol já despontava escaldante no nascente rumo ao Rio Acaraú na manhã de julho. No poente, avista-se ao longe a floresta verdejante da majestosa Serra da Meruoca - Nossa Suíça cearense da Região Norte. Turistas e donos de chagaras sobem a serra para refrescar nos finais de semana nas casas de veraneios e sítios dos filhos ilustres e populares da região serrana.

A quadra invernosa na "Cidade Intelectual" escafedeu, foi embora tomando rumo ignorado para a região da Mata Atlântica. Apesar de o inverno ter sido misericordioso para os cearenses, o sol chegava com força total. Os carros e motos trafegam num ziguezague na Rua Padre Fialho, onde reside Dermeval – O tradicional e Rei do Torresmo. Logo ali, a Avenida Dom José e Dr. Monte. O torresmo aqui é disputadíssimo. Digo-lhes aos leitores, por de boa qualidade, e não têm iguaria melhor e em maior quantidade. Nunca vi tanta motocicleta circulando em nossa cidade. Sobral é a terra de Cenas fortes. De Domingos Olympio e das motocicletas também.

Enquanto isso, os preparativos começam. As madeiras cortadas pelo machado do ajudante estavam prontinhas para ir ao fogo. O tacho feito de chapa de ferro escurecida pelo fogaréu esperava sua hora. Media-se num lado 50 cm de comprimento por 50 cm de largura. Quatro pés fincados na sua base bem sólida para suportar o peso do toucinho fresco cortado ao cubo que estava estocado em dezena de sacolas plásticas para ir ao fogo. Uma espátula gigante de aproximadamente 1m e ½ de madeira feita por um carpinteiro da região servia-lhes de colher gigante para mexer freneticamente o torresmo untado na fornalha e no fogo.  Tudo isso feito na rua, num lugarzinho separado na encosta da calçada de sua “bodega” - A mercearia do Dermeval.

Dermeval é homem simples. De família abastada, pai assíduo e com sua venda desde o tempo de meus avós. Sua quitanda – A Bodega ultrapassou o tempo e a globalização. Na era da informática e modernidade sua quitanda desafiou o próprio tempo. Tudo na sua mercearia é simples. Começando pelo dono o Sr. Dermeval. Sua mercearia fica num ponto estratégico. Entre o famoso Teatro São João, no centro de Sobral e o Bulevar do Arco. Desafiou a arquitetura e a Arte Nouveau do século passado.

Casarios ecléticos foram demolidos no centro cultural de Sobral, residências e sobrados elegantes substituídos por prédios formando um engaiolado da “Selva de Pedra.”

 Mas, a quitanda do Sr. Dermeval está intacta e com os mesmo requisitos. O telhado em formato de duas quedas d’água, caibros circulares e robustos com mais de Um século. Telhas artesanais feita a mão pelos caboclos fabricadas em caeiras de tijolos não uniformes, que existiam entre as Marrecas e São José do Patriarca, Vargem Grande, Remédios e Corte Oito, no Bairro Sinhá Sabóia. Antigamente os tijolos e telhas eram feitas por seus próprios donos de terra. Ali, se fazia um buraco enorme molhava o barro, pisoteava e o proprietário fazia o tijolo e telha. A madeira para o telhado era tirado da própria terra. Caibros de pau branco, ingazeira. O Sabiá servia de coluna e pilares. A carnaubeira – árvore abundante do Ceará servia na cumeeira e os mais pobres usavam sua palha para cobrir suas casinhas de pau a pique.

As paredes pintadas de tinta à cal, não muito uniforme, mas resistente. Seu estabelecimento tem duas entradas. Uma delas, pelo oitão da Rua Padre Antônio Fialho. Mesinhas de bar  encontradas na calçada para os seus fiéis frequentadores. Não citarei, para preservá-los a idoneidade dos cidadãos e filhos ilustres da terrinha. E por não faltar de citar alguém que mereça essa eloquência. MAS, O BOM MESMO É FICAR EM PROSA NO BALCÃO DO SR. DERNEVAL. Quem chega cedinho, não arreda o pé de lá. Existem os mais afoitos que chegam sem querer nada e tentam dar um empurrãozinho. Mas, não adianta. O olhar atravessado toma conta daquele afoito que quer se meter a besta.

Na virada do torresmo, o secretário coa a banha num lata com um pano e separa o torresmo quentinho da hora numa panela de cabo enorme. Leva  a guloseima para dentro da mercearia e lá o grito começa.

- Gilberto! Chama um cliente que está na fila da frente:

- Eu quero 400 gramas de torresmo. Não se esqueça da farinha d’água. Outro chega e pede também. E tome mais um, mais outro... Parece feira de peixe na época da Semana Santa. Começa os empurrões, mas nada que se elevem os ânimos pelo disputado torresmo do Dermeval. Enquanto isso o proprietário Dermeval com paciência de anjo e mansidão, abre o congelador,  vai na banquinha ao lado e pega o abridor, o isopor entregando uma deliciosa cerveja gelada para os amigos e populares que frequentam o local.

 

NOTA: Sobral "A Cidade Intelectual" dita nessa crônica foi em alusão a citação do filho escritor Domigos Olympio em sua obra e romance Luzia-Homem escrita em 1903. Da serra da Meruoca, e dominando o vale, onde   repousava, reluznte ao sol, a formosa cidade inrelectual" (OLYMPIO, 1989, pág 11). 

 

TEXTO E CRIAÇÃO DE WILAMY CARNEIRO! TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.         

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Wilamy Carneiro é historiador, escritor, memorialista, cronista e poeta. Autor do Livro Luzia-Homem em Cordel e Prosa, publicado no dia 29 de julho de 2020.  publicou em 2019 o Livro "Eintein e Sobral - A Cidade Luz". e "Novo CPC - Cordel só para Cordelistas".  Em suas horas de interação publica Litratura em Cordel, uma de suas paixões desde adolescente.