Critérios De Determinação De Paternidade
Por Rodrigo Hage | 15/04/2008 | Direito"...É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Prá pensar
Na verdade não há...
(Renato Russo)
No âmbito do Direito de Família, tradicionalmente, a classificação das relações jurídicas se dá da seguinte forma: relações conjugais, relações de afinidade e relações de parentesco.
Importante salientar que afinidade e parentesco não se confundem. Segundo Diogo Leite de Campos, "o parentesco é uma relação de sangue", entretanto o referido conceito de parentesco denuncia-se flagrantemente restrito, pois exclui outros vínculos de parentesco que não são baseados na consangüinidade, como por exemplo a adoção.
No âmbito do Senado Federal, foi apresentada a Emenda 222 determinando que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou adoção."
A afinidade é vínculo estritamente pessoal, vínculo de ordem jurídica, decorrente de lei e, portanto sendo prevista em hipóteses taxativas no ordenamento jurídico brasileiro, produzindo efeitos jurídicos consideravelmente menores se comparados aos efeitos produzidos pelo parentesco.
Todo indivíduo tem direito de conhecer suas raízes, de saber qual o seu parentesco com outras pessoas e é por isso que a identificação da paternidade é fundamental na formação de um indivíduo e propicia ao mesmo a possibilidade de ter um referencial de existência, de saber mais sobre a sua origem, o que é de fundamental importância na formação de sua personalidade.
O desconhecimento da paternidade pode deixar o indivíduo desnorteado e até mesmo e trazer efeitos psicológicos, ou até mesmo outras seqüelas irreversíveis. Aquele que não conhece as suas raízes está propenso a uma vida de incertezas e descontentamentos.
É por isso que a identificação da paternidade é tão importante o que atrai, indubitavelmente o interesse público. Diante de sua importância, critérios de determinação de paternidade foram criados para auxiliar o indivíduo na busca pela paternidade.
Ao longo da história os critérios de evolução da paternidade foram surgindo, conforme as necessidades e anseios da sociedade. Surgiam de acordo com as mudanças, novos paradigmas, novos contextos sociais e, com isso, novas necessidades, novas formas de ver o mundo e inovações no âmbito do direito.
A identificação da paternidade baseava-se na comparação do conjunto da fisionomia entre o filho e o "suposto" pai, observando as características fisionômicas, psicológicas e seus traços em comum, demonstrando um critério demasiadamente subjetivo. Era da chamada "semelhança fisionômica" que, até então, prevalecia e carecia totalmente de fundamentos científicos. De fato, para a velha genética, hereditariedade significava "semelhança".
A paternidade era determinada pelo critério da presunção legal, critério este que contemplava apenas os filhos havidos do casamento, discriminando os filhos havidos de outras relações não matrimonializadas.
Era evidente que tal critério não ia permanecer como sendo o único por muito tempo, pois deixava uma margem de incertezas muito grande e retratava uma visão conservadora e discriminatória das relações familiares.
Aos poucos, foi se percebendo que a identificação da paternidade através de tal método não oferecia segurança suficiente ao indivíduo e que, deveria haver um método mais preciso e rigoroso na busca paternal.
Assim, uma nova tendência surgia na identificação de critérios mais objetivos. A genética trazia como novidade a "hereditariedade" de certos caracteres humanos. Contudo as formas de transmissão não estavam bem definidas, não eram dotadas de certeza absoluta. Não afirmavam paternidade, só dando certeza quanto à exclusão.
A paternidade, assim, era definida através de uma presunção que se referia única e exclusivamente aos filhos havidos do casamento, em detrimento dos interesses daqueles havidos de relações não matrimonializadas. Era o que supria a ausência de um método mais preciso.
Entretanto, a partir de inúmeros testes e tentativas, foram descobertos os chamados "fatores sanguíneos", tornando possível o estabelecimento das regras de transmissão hereditária. Esses fatores não chegavam a dar uma certeza absoluta quanto à afirmação da paternidade, mas restringiam o âmbito de probabilidades, o que já representava um grande avanço.
Diante de tantas descobertas e avanços científicos, como o método HLA (sistema de antígenos leucocitários humanos) e o advento da tipagem do DNA, tornou-se possível estabelecer com alto grau de precisão a identificação dos indivíduos, inclusive a sua genealogia.
Visível era, portanto, a supremacia do critério biológico, na medida em que, cada vez mais, demonstrava grande eficácia na solução das questões que giravam em torno da investigação de paternidade, das chamadas "provas científicas".
A sociedade, até então, satisfazia-se com os fascínios da tecnologia biológica.
A busca pela certeza trouxe uma forma muito racional de lidar com as questões de investigação de paternidade. Entretanto, os anseios da sociedade não estavam plenamente atendidos, visto que os seres humanos não conseguiam levar uma vida privada de emoções, ou seja, em todos os setores da vida humana, valores e sentimentos estavam impregnados.
Percebeu-se que não seria mais suficiente restringir os vínculos de parentesco a uma verdade biológica.
Assim como surgia a aceitação pela pluralidade das famílias, o parentesco deveria ser visto em sentido amplo, de forma que a afetividade, a vontade e o consentimento passassem a ser levados em consideração; de modo a permitir que, mesmo não tendo um vínculo biológico com a criança, um homem pudesse reconhecê-la como filho, bastando apenas que estivessem presentes afinidade e afeto.
Importante papel assumiu a afetividade no desenvolvimento da relação paterno-filial, passando a ser denominada de paternidade sociológica baseada no cultivo do afeto das relações familiares, inclusive na relação de pai para filho. A paternidade sociológica refletia o novo caráter que a família moderna vinha formando direcionado à busca da realização de cada membro.
A determinação do "pai biológico" não era mais o fim precípuo da busca pela paternidade, mas o reconhecimento da paternidade baseada no afeto, nas relações de amor e carinho entre pais e filhos, independentemente de qualquer laço consangüíneo.
O professor Washington de Barros Monteiro reconhece na utilização da expressão "outra origem", trazida pelo art. 1.593 do Código Civil, o espaço que se tem dado à paternidade desbiologizada ou socioafetiva: embora não estejam presentes os elos de sangue, existem laços de afetividade, que a sociedade vem entendendo como mais importantes do que o vínculo sanguíneo.
Destarte, verifica-se uma sincronia na evolução, tanto das relações entre homem e mulher, quanto nas relações com a prole, pois existe uma liberdade maior no tratamento das relações entre ambos os sexos.
O principal objetivo passou a ser a busca pela felicidade na relação amorosa e também nas relações de filiação, em que a criança passou a ser mais valorizada, tendo, finalmente, seus direitos e anseios respeitados pela sociedade.
Bibliografia
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ODON, Ramos Maranhão. Curso Básico de Medicina Legal, cit., p.220 -221.
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