Crise na fé e cristã

Por Wellington Abreu de Oliveira | 05/06/2015 | Filosofia

Atualmente as sociedades, sobretudo as ocidentais, passam por um processo de modernização da fé. Onde crenças e valores que outrora eram vistos como substanciais para o padrão de vida de uma sociedade baseada em uma fé cristã passam a perder-se diante da proposta capitalista e comercial existente no cenário que a cerca.

Esse processo desencadeou uma espécie de crise na religião cristã, que, de certa forma, pode ser avaliada sob a óptica filosófica, tendo em vista que a religião ou a fé cristã atualmente é tida como uma espécie de filosofia de vida tanto em religiões católicas como protestantes. Um dos fatores que talvez possam ser analisados é; a religião cristã apenas como um elemento que possibilita o homem refletir sobre os valores humanos, algo que funcione apenas como uma mola propulsora para que a sociedade se estabilize em meio a crises políticas e a questões como violência, atos imorais, perversos e antiéticos.  Sendo assim chamada de “aquela que religa o homem a Deus” de modo ilusório visando apenas tornar a sociedade mais estável e centrada. Ou na verdade o homem realmente vê sentido em amar a Deus sobre todas as coisas, pois ele é bom, não vendo tudo isso apenas como uma relação de troca, por uma salvação, ou por uma vida terrena melhor? Será que a sociedade realmente vê a religião e a fé como algo sobrenatural, ou apenas como otimismo mitológico, como costume, cultura e não como filosofia de vida?

Algumas questões levantadas durante o século XX e início do século XXI fez o homem cristão se tornar cada vez mais reflexivo em relação à fé e a religião. O pensamento humano cada vez mais cientifico e os escândalos envolvendo homens e mulheres envolvidos nas religiões cristãs também foram grandes molas propulsoras para um desgaste na fé cristã bem como a proposta comercial de alguns grupos religiosos e a forma de como se tem feito o marketing cristão atualmente também podem ser vistos como fatores contribuintes. Questões como essas fazem a sociedade de uma forma geral refletir sobre o que está acontecendo atualmente e ao olharem para trás, observando o que muitos fizeram em nome de Deus na idade média, caçando os hereges e também no período colonial das Américas portuguesas e espanholas, levando “a civilização” aos nativos e comparar com o que se faz hoje.

Muitos veem a religião como uma forma de alienação do homem, quando na verdade a proposta é a libertação e a ligação do homem para com Deus. Talvez essa seja a grande questão em se misturar questões de âmbitos teológicos e filosóficos. A religião vista sob a óptica filosófica pode soar como alienação para alguns quando na verdade se trata de algo que precisa ser vivenciado para ser discutido de forma racional e inteligente.

As descobertas da ciência experimental fizeram com que a sociedade passasse a pensar de forma mais racional e menos emocional. Ao passo que na atualidade o homem se torna pensante e reflexivo à questões que antes não eram indagadas. O mundo que até então era visto como criação, agora é visto como algo que se autocriou e está em constante transformação, assim como a mentalidade do homem e da sociedade que se inclina cada vez mais para o pensamento individual. As preocupações com o futuro e com a vida tornam-se fatores cada vez mais hedonistas. Nações, empresas, famílias e pessoas pensam apenas em si próprias. Os esforços são totalmente movidos para atenderem suas necessidades e desejos. Na idade média, por exemplo, era de costume dar esmola aos pobres, moribundos, moradores de rua, pois, acreditava-se que eles estavam ali por vontade divina e Deus os colocava no caminho dos de boas condições financeiras para que os mesmos os pudessem “abençoar” com pratas e um pouco de água ou comida. Nos dias de hoje o ser humano se questiona em relação a tais situações, indagando o motivo pelo qual aquelas pessoas estão sob essas condições.

A corrida pela sobrevivência decorrente do avanço do pensamento científico e político colocou a religião em segundo plano. Enquanto no passado ela era vista como uma maneira de regular o poder, de forma que ela era o próprio poder, como vemos em alguns períodos da história a humanidade, atualmente, para homem, ela se torna uma forma de “expulsar os demônios” no sentido mais amplo, relaxar, tornando-se apenas um objeto para refugiar-se, uma forma de esconder sua verdadeira face, de forma que através dela ele possa ser quem não é no seu dia-a-dia.

O sistema atual que rege a sociedade, a forma como se vende o mundo, leva o homem contemporâneo para novos rumos. A fé já não é mais a esperança do indivíduo, o trabalho e o fruto desse trabalho é o que passa a ser a motivação do homem. Só se consegue atingir a satisfação das necessidades através dele. Essa é a visão do mundo atual. Vive-se em um sistema onde a distribuição é social, porém desigual, o que gera mais luta entre as classes sociais. E os mais fracos não tem escolha. A classe superior utiliza sua mais valia para fazer a classe inferior suprir suas necessidades vendendo sua força de trabalho. O homem de classe inferior na sociedade capitalista é servido pela sociedade através do fruto de um trabalho que enriquece a classe superior.  Sendo assim, a base política da sociedade, que outrora era arraigada na fé cristã, passa ser cada vez mais postulada em um consenso social e racional. O mundo político a bem da verdade é movido a interesses de grupos e subgrupos. Onde o consenso social e racional torna-se apenas uma forma de fazer com a elite mantenha-se onde está.

Não há como o homem não ser alienado pela sociedade. A vida em sociedade é a única forma de um indivíduo interagir com os seus pares. Para o ser humano fica quase que impossível satisfazer seus próprios interesses sem que ao mesmo tempo ele os compartilhe com os outros. Enfim não existe um ato feito pelo homem moderno que seja completamente individual, sem que não haja de alguma forma influência do meio no qual ele esta emergido. Por conta disso, a própria fé, vem sendo abalada.  A forma como a sociedade a vê hoje está muito longe do conceito real no qual se prega. Os indivíduos possuem mais fé em si mesmos do que no sobrenatural. O trabalho passou a ser a fé do homem, as coisas só são conquistadas através dele.

Ao falar da relação homem e sociedade e os impactos sobre a fé cristã decorrentes desse relacionamento, podemos dizer que o ser humano moderno perdeu a “dependência” em Deus, talvez esse seja maior fator motivador na crise de fé e das religiões cristãs. A independência do indivíduo que veio com o advento do racionalismo, pensamento esse oriundo a princípio dos filósofos gregos e a posteriori com os renascentistas, a sociedade passa a ser mais “independente” no tocante aos valores que eram pregados na idade média. Nos dias atuais o pensamento racionalista ganha cada vez mais força, sobretudo na forma de fazer política. Esse fator tem sido a mola propulsora para o progresso de “ceticismo cristão” que afeta a sociedade e desencadeia a crise na fé e na religião.

Se o pensamento racional ou cientifico trouxe nova luz à humanidade sendo utilizado como instrumento político para emancipar os pensamentos burgueses por um lado, por outro podemos ver através dele o mesmo impacto negativo e alienante que o pensamento religioso trás segundo o pensamento marxista. Da mesma forma que a religião é vista como uma forma de algemar ou cativar o homem mentalmente pode-se dizer que o efeito capitalista faz com que o homem seja escravo de si mesmo. Na religião vemos a igreja dominante, por exemplo, na idade média, onde o poder era basicamente centrado no clero, havia uma força dominante, a igreja, que, de certa forma tomava as decisões afirmando serem “as decisões divinas”. Na burguesia moderna temos uma classe dominante que determina as regras do jogo e tira vantagem do mais fraco da mesma forma.

Na realidade a fé deve ser vista como algo relacionado ao livre arbítrio do homem. Entender o sobrenatural explicando através do natural torna-se praticamente impossível. Esse é o maior problema que a sociedade cristã enfrenta atualmente. A era moderna faz o homem questionar coisas que ele não consegue explicar, fazendo com que ele se torne cada vez mais cético em relação à fé e religião, coisa que não era uma realidade em nossos antepassados cristãos de forma que as questões relacionadas esse âmbito tornavam-se relativamente fáceis de serem compreendidas.