Crise dos Aristocratas

Por Guilherme Mantovani Coli | 27/12/2010 | Contos

Crise dos Aristocratas

E a crise chegou.O Coronel Francisco Silva Silveira estava falido.Suas fazendas estavam abarrotadas de sacas de café,no entanto,os grãos já não valiam nada.Bem que o Coronel tentou adiar suas dívidas com o London Bank,alegando que pagaria todo o endividamento das fazendas com as receitas da safra do ano futuro.Tentativa frustrada.O representante do Banco no Brasil recebera ordens claras para não postergar dívidas e de confiscar os bens dos inadimplentes.Assim,como ocorreu com diversas famílias "quatrocentonas",o Banco inglês confiscou as "três marias" da família Silva Silveira: as Fazendas Santa Maria,Santa Maria Madalena e Santa Maria das Graças.Dois séculos de glória estavam,agora,nas mãos de uma empresa estrangeira.Mais do que porções de terra,as "três marias" eram páginas da história dessa família.Por elas passaram Barões,Comendadores e Coronéis.Uma delas,a Maria Madalena,chegou a ser considerada a maior produtora de café do Império Brasileiro,merecendo,inclusive,a visita do próprio Imperador D.Pedo II.
Sobrou somente um palacete na Avenida Angélica,em São Paulo.As demais propriedades,a maioria no município de Itu,foram,junto com as fazendas,confiscadas ou vendidas para liquidarem despesas.O Coronel,agora,vivendo na capital,tentaria conciliar a pose de família tradicional com o encargo de estarem falidos.Queria,de qualquer forma,recuperar as suas três jóias,as "três marias".Estava crente que essa crise que afetava a economia global era passageira e,por isso,na tentativa de angariar recursos para recuperar suas terras encaminhou-se aos antigos amigos da aristocracia paulistana.Nova frustração.Os que não tinham se suicidado pela falência,como seu primo,o Barão Silveira,estavam saturados em dívidas e nada puderam fazer,a não ser lamentarem juntos.Se seus iguais estavam na miséria,restava apenas pedir empréstimos àqueles que agora dominavam a nação:os imigrantes italianos.
Vicenzo Tambellini,morador de um palacete vizinho ao dos Silva Silveira,tornara-se um grande industrial no ramo de bebidas,alimentos e do mercado imobiliário.Além de vizinho milionário,o italiano seria a salvação daquela família.Mesmo com orgulho e repugnância aos imigrantes,o Coronel,em suas mais refinadas vestes,foi ao vizinho alegando querer tratar de negócios.Dizia que,por mais que a crise estivesse abalando o cenário econômico do país,a crise passaria e a agricultura voltaria a ocupar seu papel de direito nas pautas de exportação brasileira.O italiano,dotado de sabedoria mercantil,estava ciente que a agricultura cafeeira estava falida e que seriam as indústrias as "locomotivas" do país a partir de agora.O Coronel adiantava que o empréstimo a ele feito seria o melhor dos investimentos feitos pelo velho Vicenzo.O aristocrata,em palavras enigmáticas,estava crente que a velha oligarquia paulista teria seu poder recuperado,mesmo que para isso,tivesse que contar com o apoio de "carcamanos" italianos.
O industrial Tambellini,depois de se despedir do vizinho e de lhe prometer que estudaria sua proposta,recolheu-se em seu gabinete e ,após horas de reflexão,concluiu que as "três marias",de que o Coronel tanto falava,seriam ótimas para ele próprio.O valor das terras haviam decrescido exponencialmente,no entanto,seriam valiosas na cadeia produtiva de suas indústrias,visto que nestas terras poderiam se plantar frutas,algodão e juta necessárias ao processo fabril do grupo Tambellini.Estava decidido.Vicenzo Tambellini seria o novo senhor das "três marias".
Numa breve ligação telefônica ao London Bank na manhã seguinte,o industrial italiano comunicou ao gerente Juarez Couto que arremataria as três fazendas da família Silva Silveira.O negócio foi concluído de maneira rápida,visto que o que mais se procurava por parte dos bancos eram indivíduos que comprassem imóveis retidos por dívidas.O valor das terras,inclusive,foi cerca de metade do empéstimo proposto pelo Coronel ao industrial.
Na Mansão Tambellini era tudo festa.As indústrias prosperavam e agora os insumos agrícolas seriam produzidos em terras próprias.Já na Mansão Silva Silveira reinava o caos.Após saber da decisão do vizinho italiano,o Coronel viu-se desesperado e traído.Tentou recorrer a outros italianos e até à libaneses,povo considerado detestável por ele.Ninguém seria insano de emprestar recursos a um falido,ainda mais nesse momento.Não restavam expectativas ao Coronel.Em breve o próprio palacete seria desapropriado a fim de liquidar impostos e despesas no armazém e na alfaiataria.
Numa tarde de quinta-feira,enquanto os três filhos do Coronel o esperavam para o chá,escutou-se um disparo vindo do gabinete.Acontecera o esperado:o suicídio do ex senhor de terras Francisco Silva Silveira.Toda a glória de uma família estava acabada.Os recursos se exauriram,as posses foram repassadas e o patriarca se suicidara.Os três filhos do Coronel só sabiam lidar com terras e,por isso,na tentativa de apenas não morrerem de fome,humildemente,foram pedir ao industrial Vicenzo Tambellini que os admitisse como funcionários das "três marias".Cada um tomaria conta de cada "Maria".De proprietários à capatazes de um imigrante.Essa família aristocrata havia,definitivamente,falido.