Crime organizado e suas consequencias – algumas considerações a respeito da lei nº 9.034/95, com as modificações introduzidas pela lei nº 10.217/2001.

Por Jailton Júnior | 11/05/2012 | Direito

CRIME ORGANIZADO E SUAS CONSEQUENCIAS – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA LEI Nº 9.034/95, COM AS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 10.217/2001.

 

Jailton Luiz de Vasconcelos Araújo Júnior. Serventuário do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Direito de Garanhuns – FDG/AESGA. Graduado em Licenciatura para o Ensino de História pela Universidade de Pernambuco – UPE. Aluno do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal e Processual Penal da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco.

 

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SUMÁRIO

 

 

INTRODUÇÃO 1. A Problematização Conceitual do Termo “Organizações Criminosas”. 2. Alguns apontamentos sobre a improcedência de alguns dispositivos da Lei 9.034/95. 3. Das Consequencias Econômicas, Sociais, Políticas e Institucionais com a Atuação do Crime Organizado. 4. Conclusão. 5. Referências.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Atualmente somos diariamente bombardeados com notícias a respeito da criminalidade, da violência que assola os grandes centros e do modo sofisticado como tem atuado as pessoas que integram as “organizações criminosas”, usando métodos avançados, organizados e meticulosamente hábeis a dificultar a intervenção do Estado para o seu desbaratamento.

Diante desse contexto, o Estado tem buscado métodos para repressão e combate ao crime organizado, seja elaborando normas, traçando metas para atuação dos órgãos responsáveis na sua repressão, seja investindo nas forças de segurança pública, como a criação de setores da polícia, responsáveis pela infiltração de agentes disfarçados, com o objetivo de buscar informações eficazes a repelir o crime devidamente organizado.

No entanto, especificamente no Brasil, tem-se indagado se todo o aparato posto à disposição e criado pelo Estado tem tido sucesso no combate ao crime organizado, posto que a Lei nº 9.034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, tem sido alvo de inúmeras críticas no âmbito jurídico e acadêmico, sendo até, segundo alguns juristas, norma sem eficácia, em virtude do conceito vago, dado pela aludida lei ao que seja “organização criminosa”.

O presente artigo tem o objetivo de fazer breves considerações a respeito da Lei 9.034/95, com as modificações trazidas pela Lei nº 10.217/2001, com enfoque às consequências, econômicas, sociais, institucionais e de política criminal no Brasil, de como o Estado tem enfrentado dificuldades para se chegar os meios e caminhos mais eficazes no combate ao crime organizado.

 

 

  1. A PROBLEMATIZAÇÃO CONCEITUAL DO TERMO “ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS”

 

Questão que tem causado diversas críticas por parte de alguns juristas à Lei 9.034/95, com redação determinada pela Lei nº 10.217/2001, diz respeito ao conceito do que vem a ser uma organização criminosa. A referida lei, apesar de ter incluído a quadrilha ou bando (art. 288 do CP) e associações criminosas (art. 35 da Lei nº 11.343/2006), em seu enunciado delimita que o referido diploma legal dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, sem, no entanto, dar a definição do que esta seja. Sequer há definição em nosso ordenamento jurídico do que vem a ser uma organização criminosa, tal definição vem sendo construída no âmbito doutrinário.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, pode-se definir organização criminosa como a atividade delituosa exercitada em formato ordenado e estruturado, podendo ser constituída por qualquer número de agentes, desde que, no mínimo, existam duas pessoas associadas para tanto[1].

No entanto, deixar ao cargo exclusivo da doutrina a definição de organização criminosa, sem uma definição em lei, seria ofensa ao Princípio da Reserva Legal[2].

Destaque-se que o conceito de organização criminosa também foi definido na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, realizado em Palermo, na Itália, em 15 de dezembro de 2000, em que segundo seu art. 2º, organização criminosa “é todo grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o fim de cometer infrações graves, com a intenção de obter benefício econômico ou moral”, destacando ainda que a referida convenção foi ratificada pelo Decreto Legislativo  nº 231, publicado em 30 de maio de 2003, no Diário Oficial da União.

Apesar de alguns pontos vagos, componentes de sua definição, tais como o que se entende por “algum tempo” e o que sejam “infrações graves”, a tendência é de que acabe a restrição quanto à incidência da Lei do Crime Organizado sobre organizações criminosas, ante o argumento de que não foram definidas em lei[3].

Nesse quadro, enquanto se discute qual o âmbito de incidência da lei do crime organizado e qual o conceito legal do que seja organização criminosa, o que se vê é a surpreendente sofisticação de grupos mafiosos, o crescente poder paralelo infiltrado em localidades onde o Estado é ausente no que se refere a políticas sociais e direitos garantidos em tese, num Estado Democrático de Direito.

  Não adianta a discussão se arrastar por anos e anos e nenhuma solução eficaz ser tomada pelos órgãos competentes, senão o que veremos será a crescente e maior sofisticação de grupos infiltrados dentro do próprio poder legal do Estado e de seus órgãos estruturais, maquiados de legalidade e aproveitando-se da fragilidade das ações que visam ao combate do crime “organizado”.

 

 

  1. ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A IMPROCEDÊNCIA DE ALGUNS DISPOSITIVOS DA LEI 9.034/95.

 

Enquanto o avanço tecnológico, aliado ao consumismo excessivo e a velocidade da informação propiciam a dinâmica da vida moderna, surgiu-se a concepção de que vivemos numa “sociedade de risco”. Nesse passo, no aspecto jurídico, mais especificamente no âmbito criminal, observamos a criação de várias leis que visam à proteção da sociedade e aos bens jurídicos considerados relevantes.

Sendo assim, a necessidade de criação de um grande número de leis, tipificando condutas que as tornam ilícitas, parece estar longe de ter um fim. É nesse cenário que vemos o Poder Legislativo “presentear” a sociedade com leis mal elaboradas e feitas às pressas e tendo como consequência uma norma sem eficácia prática e em descompasso com atual cenário jurídico, como é o caso da Lei nº 9.034/95.

Pelo exposto, passemos a fazer brevíssimos apontamentos da ineficácia e improcedência de alguns dispositivos da Lei nº 9.034/95:

a)      A lei dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. Nesse ponto o referido diploma legal não define o que vem a ser uma organização criminosa, vide item 1 do presente artigo;

b)      Não há distinção criminológica entre “quadrilha ou bando”, “associações criminosas” e “organizações criminosas”;

c)      Quanto à infiltração de agentes de polícia ou de inteligência, no cometimento de crimes junto com os componentes do grupo criminoso, a lei só exclui a ilicitude do fato quanto ao crime de quadrilha (art.288 do CP), devendo o agente de polícia infiltrado responder pelos delitos cometidos quando praticados juntamente com o grupo;

d)     No que se refere à “ação controlada”, Damásio de Jesus destaca a possibilidade de tal dispositivo ser fonte de corrupção. O policial, acusado de corrupção ou prevaricação, argumentará que sua omissão deveu-se à espera do momento oportuno para agir (retardamento permitido)[4];

e)      Da diligência a ser realizada, em certos casos, pelo próprio juiz, conservando a prova fora dos autos, verifica-se nesse caso, a volta do juiz inquisidor e a afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e da garantia do juiz natural. No entanto o art. 3º d Lei 9.034/95 foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.570, tendo o Supremo Tribunal Federal declarado a inconstitucionalidade do referido dispositivo;

f)       No que se refere à “delação premiada”, trata-se de causa obrigatória de diminuição de pena, e, presentes os requisitos legais, o juiz estará obrigado em proceder na redução. No entanto, segundo Damásio Evangelista de Jesus “a lei não é didática e não apresenta princípio cívico decente: ensina que trair é bom porque reduz a consequência do pecado”[5];

g)      Da proibição da liberdade provisória, disposta no art. 7º do diploma legal objeto do presente artigo, em ofensa direta ao princípio constitucional do estado de inocência (art. 5º LVII);

Além das questões destacadas, vários são os pontos controvertidos da referida lei, dentre outros, tais como o prazo máximo de prisão cautelar do acusado, como também a proibição absoluta da apelação em liberdade.

Em virtude de tal falta de aplicabilidade da norma, torna-se para o Estado, difícil a tarefa de combater grupos criminosos devidamente organizados, que desestruturam todo o poder econômico, político e até institucional em um Estado Democrático de Direito.

 

 

  1. DAS CONSEQUENCIAS ECONÔMICAS, SOCIAIS, POLÍTICAS E INSTITUCIONAIS COM A ATUAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO.

 

Depois de toda a argumentação apresentada acerca das dificuldades das medidas adotadas pelo Estado em tentar combater as organizações tidas como criminosas, o que causa grande espanto são as consequências que as ações desses grupos ou “organizações” trazem para a sociedade, sob o ponto de vista social, econômico, político e até mesmo jurídico.

Tais consequências são tão impactantes, que ante a atuação dessas organizações provocando sérias e grandes lesões aos bens jurídicos protegidos, o Estado tem editado várias normas em desdobramento a essas consequências, tais como a lei que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o que de já apontamos como consequência jurídica (o Estado buscando meios de se proteger dos danos causados à ordem econômica) em virtude dos atos ilícitos praticados em grande escala por organizações criminosas, com âmbito na economia e nas relações de consumo.

Várias são as “empresas de fachada”, que servem para atividade ilícita e lucrativa dessas organizações, com a prática da “lavagem de bens e capitais”, sonegando impostos, omitindo informações ou prestando declarações falsas, fraudando a fiscalização tributária dentre outras condutas. Dessa forma, apontamos como consequência econômica o prejuízo causado ao Estado, ante a falta de arrecadação devida que acarreta na falta de aplicação em verbas de infra estrutura estatal com a sua receite tributária.

Ressalte-se ainda, os crimes praticados contra a ordem financeira, tipificados na Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986 que visa a proteção da ordem financeira estatal, regulando as ações das instituições financeiras, visando a proteção de um Estado financeiramente saudável com disponibilidade de caixa para atender diversas demandas de propósitos maiores, como erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdades sociais.

Quantos crimes são praticados por instituições financeiras, que dão lucros astronômicos a banqueiros que algumas vezes tem ligação com grupos mafiosos?

A luz de tais considerações verifica-se a concreta consequência negativa na economia de um Estado Democrático de Direito, dificultando sua ação em erradicar e pobreza e reduzir desigualdades sociais, uma vez que tais práticas ilegais em suas circunstâncias, só fazem concentrar riqueza nas mãos de poucos e que muitas vezes esses poucos estão ligados a grupos que usam e abusam do poder econômico e de meios ilícitos para tal finalidade.

No que se refere às consequências políticas, não é de pouco tempo que observamos escândalos e mais escândalos de figuras públicas envolvidas com organizações criminosas, até porque para uma organização criminosa a influência política faz parte de seu campo de atuação, infiltrando e mascarando mafiosos de homens públicos dentro dos poderes do Estado.

Favorecimentos pessoais, prevaricação, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, esses são alguns dos crimes que sorrateiramente e descaradamente acontecem no âmbito político estatal e que infelizmente parecemos estar longe de extirpar essa praga que assola os lugares onde são definidos os destinos da Nação.

 As consequências políticas desencadeiam nas consequências institucionais como a ocupação de cargos públicos e de primeiro escalão por pessoas ligadas a grupos mafiosos, pessoas corrompidas que usam do poder para muitas vezes encobrir a ação ilícita de organizações criminosas, como elaboração de normas sem aplicabilidade e que dificultam o Estado no combate ao crime organizado, pareceres que favorecem chefões da máfia organizada, decisões questionáveis que os isentam de responsabilidade criminal, gerando impunidade.

 Nesse cenário, de todas as consequências negativas geradas, para um Estado Democrático de Direito, que quer reduzir suas desigualdades sociais, promover e aplicar os princípios insculpidos nos texto de nossa Constituição Federal, a social é a que mais é abalada, uma vez que o crime organizado, com todo o poder a si inerente, com toda a sua influência, gera desorganização na aplicação do poder soberano do Estado, dificultando o combate ao crime, a não redução de desigualdades sociais, a crescente e desenfreada corrupção em todos os setores institucionais, a sensação de impunidade, dentre tantos outros eventos danosos à Nação.

Nossas forças de segurança são mal equipadas, policiais mal remunerados e mal preparados, falta de investimento em setor de inteligência, precárias condições dos presídios que estão cada vez mais superlotados, não investimento em educação, segurança, lazer, enfim, as consequências mais desastrosas são as que inviabilizam o Estado de promover a paz e o bem estar social porque se vê contaminado pela criminalidade que lhe corrói.

 

 

  1. CONCLUSÃO

 

Como visto, o crime organizado na atualidade, cada vez mais se estrutura e em face disso sequer temos uma legislação capaz de combatê-lo, o que tem ocasionado ao Estado consequências que desequilibram a sua atuação soberana.

Desta feita, importante se faz a elaboração de normas e medidas eficazes para combate ao crime organizado, adequando-se à dinâmica da vida moderna, eivada de inovações tecnológicas e práticas complexas.

As ações do crime organizado tem gerado consequências drásticas, no aspecto social, político, institucional e jurídico e quando não combatidas de maneira eficaz não poderemos vislumbrar a sua extinção como até mesmo a sua minimização.

 

 

 

 

 

  1. REFERÊNCIAS

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. Vol. 4. 2  ed. São Paulo: Saraiva. 2007.

JESUS, Damásio Evangelista de. Novíssimas Questões Criminais. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva.  1998.



[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2006, p. 201.

[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. Vol. 4. 2  ed. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 227.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. Vol. 4. 2  ed. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 230.

[4] JESUS, Damásio Evangelista de. Novíssimas Questões Criminais. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva.  1998. p. 28.

[5] JESUS, Damásio Evangelista de. Novíssimas Questões Criminais. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva.  1998. p. 29.