CRIME DE RIXA E A RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE

Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | Direito

RESUMO

 

O crime de rixa está tipificado no artigo 137 do Código Penal, tendo por consumação o simples fato de a pessoa participar da contenda. Dessa forma, os sujeitos do crime são ao mesmo tempo ativos e passivos, visto que o confronto é generalizado e, geralmente, fora de controle. A pena para a rixa é de detenção de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, podendo haver a qualificação, com pena de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Para maior eficiência do presente trabalho, está alocado no mesmo o estudo de algumas Jurisprudências baseadas ao crime de rixa.

Palavras-chave: Rixa. Consumação. Sujeitos. Pena. Qualificação. Jurisprudências. 

1 INTRODUÇÃO

O tema proposto vem abordar o fato tipificado no código penal em seu artigo 137, quanto ao crime de rixa. A proposta que segue é do enfoque da responsabilidade penal do agente, a qual pode ser objetiva ou subjetiva. Sabe-se que todos que participarem, sendo autores ou partícipes, do crime de rixa são considerados simultaneamente sujeitos ativos como passivos, e todos estão sob a tipificação do artigo 137 do Código Penal, sob a possibilidade de haver qualificação do crime, se havido morte ou lesão grave.

A história da rixa se encontra na Idade Média, passando pelo Direito Romano, até os dias de hoje. Na Idade Média, por exemplo, vigorava o princípio da solidariedade, no qual havendo dúvida da autoria do crime, seriam responsabilizados todos que ali estavam, não importando se foi um que gerou um possível homicídio, por exemplo. No Direito Romano, a rixa não era criminalizada isoladamente (BITENCOURT, 2007, p. 268). Já no Brasil, o princípio que vigora é o da autonomia, no qual a pessoa responde por rixa independente da morte ou lesão superveniente, sendo estas apenas, como supracitado, qualificadoras da rixa.

A objetividade jurídica do tipo penal tratado é a incolumidade da pessoa humana e a incolumidade pública (BITENCOURT, 2007, p. 269), tendo por objetivo zelar pela integridade físico-psíquica da pessoa além da ordem e tranquilidade pública. O fato nesse ponto é que essa pessoa lesionada na rixa, também se é caracterizada como sujeito ativo do crime, uma vez que quem participa do crime de rixa é tanto sujeito ativo como sujeito passivo, visto que o crime de rixa é um crime plurissubjetivo e de condutas contrapostas. 

No que tange à responsabilidade penal do agente, há divergência. A corrente majoritária, defendida por Fenando Capez (2005, p. 226), Julio Mirabete (2004, p. 151) e Cezar Bitencourt (2007, p. 271), defende a presença da responsabilidade penal objetiva, respondendo o autor identificado em concurso material com a rixa, simples ou qualificada. Já a 2ª corrente, defendida por Damásio de Jesus (2007, p. 202) e Régis Prado (2004, p. 224), defende a existência da responsabilidade subjetiva, respondendo o autor também em concurso material com a rixa o crime de lesão corporal leve ou tentativa de homicídio, uma vez que lesões corporais de natureza grave e homicídio qualificam a rixa. Há ainda a fala de Rogério Greco (2007, p. 408), este por sua vez fala da existência do concurso formal, diferente das outras correntes que falam do concurso material.

2 DA RIXA

A rixa está presente no artigo 137 e seu estudo abrange explicitar o conceito, objetividade jurídica, núcleo do tipo, os sujeitos do crime, a consumação e tentativa, as qualificadoras da rixa e a sua qualificação doutrinária.

2.1 Noções gerais

Por rixa se entende ser “uma luta tumultuosa e confusa que travam entre si três ou mais pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências recíprocas” (MASSON, 2013, p. 172). Dessa forma, fica claro que para haver a rixa basta três ou mais pessoas participarem da contenda com movimentos lecionadores entre si. 

Nélson Hungria (1955, p. 14) complementa o conceito dizendo que, além da rixa ser uma briga entre três ou mais pessoas, acompanhada de vias de fato ou violências recíprocas, pouco importa que se forme ex improviso ou ex propósito. A rixa "ex improviso" é aquela que surge subitamente, sem planejamento; e rixa "ex proposito" aquela que é proposital, preparada. Ou seja, um confronto planejado pela internet entre mais de 2 (duas) pessoas e um confronto gerado por uma traição numa festa envolvendo da mesma forma mais de 2 (duas) pessoas, caracteriza rixas ex proposito e ex improviso, respectivamente.

No entanto, como bem alerta Rogério Greco (2014, p. 386), o fato de três pessoas estarem envolvidas numa briga não quer dizer obrigatoriamente que já há o crime de rixa, uma vez que pode ser que duas pessoas estejam unidas contra a outra pessoa, não se encaixando dessa forma perfeitamente ao conceito que, como visto, explicita que a rixa é a acompanhada de violências recíprocas. Nesse caso o delito seria o de lesões corporais (art. 129, Código Penal).

O fato do crime se consumir com a simples participação da pessoa é bem abordado por Rogério Greco (2014, p. 386) quando assinala que:

A finalidade da criação do delito da rixa foi evitar a impunidade que reinaria em muitas situações, onde não se pudesse apontar, com precisão, o autor inicial das agressões, bem como aqueles que agiram em legítima defesa, por isso, pune-se a simples participação na rixa.

Continua ainda com segurança Giuseppe Maggiore (1972, p. 368, apud GRECO, 2014, p. 386), quando diz que “se se configura ad hoc o delito de participação na rixa, é porque na incerteza da responsabilidade de cada pessoa, indiscernível a causa da contenda, lhe parece conforme a justiça castiga-las somente pelo fato de haver tomado parte na rixa”. Em outros termos, o que se entende é que, pelo fato de ser uma contenda generalizada, uma espécie de baderna, não há como individualizar a conduta de cada participante da rixa. Como bem alerta Fernando Capez (2006, p. 220), “se for perfeitamente possível individualizar a responsabilidade de cada um do grupo pelos atos praticados, não de falar-se no crime de rixa.” Então, uma vez que não se podia individualizar a conduta de cada agente e não podendo deixar que ocorresse a impunidade dos rixosos, o legislador só teve uma opção: tipificar o crime de rixa como consumação a simples participação. 

Diante do que foi explicitado, percebe-se que o crime de rixa é um crime de perigo de natureza abstrata, uma vez que presume-se, com a prática da conduta, a ocorrência do perigo. No entanto, há uma corrente divergente a essa que diz que a natureza do perigo não é abstrata, mas concreta, uma vez que “quando da ocorrência do delito, o perigo a que estão expostas a vida e a saúde serão, na verdade, concretos, passíveis de demonstrar” (GRECO, 2014, p. 388).

2.2 Objetividade Jurídica

A tipificação do crime de rixa tem por zelo a incolumidade física e mental da pessoa, a vida e a saúde. Somando a isso, doutrinadores como Fernando Capez (2005, p. 220) e Bitencourt (2007, p. 269), salientam que além desses objetivos, tem-se ainda o zelo da ordem e a paz pública.

Diz no item 48 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal que “A ‘ratio essendi’ da incriminação é dupla: a rixa concretiza um perigo à incolumidade pessoal e é uma perturbação da ordem e da disciplina da convivência civil”. 

Sobre o tema, Aníbal Bruno (1976, p. 256, apud GRECO, 2014, p. 388) salienta que:

Alguns tiveram em vista o tumulto da rixa e a perturbação que pode trazer à tranquilidade pública. [...] É claro que a rixa ameaça a ordem e a paz pública, mas não é este o bem jurídico que o Código toma em consideração para proteger com a criação desse tipo penal, ou não é este que predomina ou orienta a incriminação. É a incolumidade corpórea, [...]

Dessa forma, são objeto material do delito de rixa aqueles que participam da mesma, ou seja, “os rixosos que participam da agressão tumultuária, praticando condutas contrapostas uns contra os outros” (GRECO, 2014, p. 388).

2.3 Núcleo do tipo

Inicia-se o artigo 137 do Código Penal com a expressão “participar de rixa”. Participar é o núcleo do tipo, ou seja, qualquer que entre na briga pra não separar, mas para tomar parte das agressões, já torna-se rixoso. Como bem assinala Fernando Capez (2006, p. 220), “a conduta de participar da rixa será típica tanto na hipótese de atuação desde o início da contenda quanto na de ingresso durante ela”. Em outras palavras, a pessoa que participar, em qualquer momento da rixa, no início ou no final do confronto, se tem por rixoso está sob a tipificação do art. 137 do Código Penal. 

Vale dizer que a agressão citada na rixa é baseada em ato de violência material, como chutes, pauladas, murros, etc. No entanto, “não é necessário o desforço corpo-a-corpo dos rixosos, pois a rixa pode ocorrer pelo arremesso de objetos ou disparo de armas de fogo” (CAPEZ, 2006, p. 220). Em outros termos, é essencial o confronto físico, não necessariamente corpo-a-corpo como dito, mas físico, uma vez que se não fosse assim não seria um crime de perigo. Dessa forma, discussão generalizada, ofensas verbais, por exemplo, não caracterizam o crime de rixa, uma vez que ninguém poderá ser lesionado fisicamente com uma ofensa verbal, isto é, sem que ao menos se chegue às vias de fato já mencionadas.

Vale ressaltar da participação da rixa, que pode ser material (a pessoa participa tomando parte das agressões) ou moral (estímulo aos demais lutarem entre si). A participação material é aquela na qual a pessoa participa efetivamente da contenda, com trocas de agressões entre os rixosos. A participação moral, por sua vez, é aquela na qual a pessoa participa não através de agressões, mas de estímulos, ou seja, a pessoa induz e instiga outras a digladiarem-se. Cleber Masson (2013, p. 174) alerta que os que participam materialmente são chamados de partícipes da rixa e os que participam moralmente são chamados de partícipes do crime de rixa, estes últimos devendo ser no mínimo a quarta pessoa, uma vez que o delito exige que tenham três indivíduos no mínimo lutando entre si.

2.4 Sujeitos do crime: ativo e passivo

Como já dito, os participantes da rixa são ao mesmo tempo ativos e passivos em relação aos outros. Dessa forma, rixoso é sujeito ativo que pratica agressão em relação aos demais e sujeito passivo dos atos dos outros rixosos. Como bem assevera Bitencourt (2007, p. 270), o sujeito passivo pode ser até mesmo uma terceira pessoa que não tem nada a ver com a rixa.

Por ser crime comum, qualquer pessoa pode participar do crime de rixa, logo, qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo e passivo, simultaneamente. Luiz Regis Prado (2004, p. 389, apud GRECO, 2014, p. 389) ressalva ainda que,

Como a rixa é delito plurrissubjetivo de condutas contrapostas, que se caracterizam pela reciprocidade das vias de fato, a situação de perigo desencadeada demonstra que todos os rixosos são ofensores e ofendidos, isto é, sujeitos ativos e passivos do delito. Não há falar de crime contra si próprio, já que todos os participantes da rixa se ofendem mútua e desordenadamente, expondo-se ao perigo gerado pela conduta de todos.

Sobre essa tema, há um voto da Relatora Desembargadora Jane Silva (TJ/MG – RSE 000.299.243-6/00 -3.ª C. Crim.) a qual diz que “havendo possibilidade de distinção da atuação dos agressores, não há que se falar em rixa, e o ataque de várias pessoas a uma outra não a caracteriza. A existência de fortes indícios da autoria afasta a possibilidade de impronúncia.” Ou seja, rixa é briga desordenada e de difícil individualização de conduta, sendo, no entanto, possível reconhecer a conduta de cada pessoa, já não se fala em rixa.

2.5 Elemento subjetivo

O elemento subjetivo é o dolo de perigo, não há assim a forma culposa. E como bem salienta Greco (2014, p. 391), não há como enxergar outro dolo a não ser o dolo direto. Nesse caso, deve estar presente o animus rixandi (vontade de participar da rixa). O crime de rixa é um crime de perigo, não sendo preciso, portanto, que haja lesões corporais, basta, como visto acima, haver a participação.

Sob esse prisma, se além da vontade de participar da rixa, o indivíduo possui a intenção de ferir ou matar alguém, e se assim for detectado e possível de individualização, “o agente responderá por crime, tentado ou consumado, de lesão corporal ou de homicídio em concurso com a rixa qualificada ou simples, e os demais contendores responderão somente pelo crime de rixa na forma qualificada” (CAPEZ, 2006, p. 223). 

2.6 Consumação e Tentativa

Como já dito, o crime de rixa se consome com a prática de vias de fato ou violências recíprocas presente as três ou mais pessoas. Nesse ponto, com três ou mais pessoas brigando entre si, já se produz o perigo abstrato de dano à vida ou à saúde humana. Bom saber uma divergência no que tange ao momento consumativo: sob a vista de Fernando Capez (2006, p. 223), a rixa se consome despeito de o indivíduo perseverar no conflito e já para Magalhães Noronha (2001, p. 105), a rixa se consome no momento e no lugar onde cessou a atividade dos contendores. 

Ainda sobre a consumação, afirma Nélson Hungria (1955, p. 20-21, apud GRECO, 2014, p. 389):

É indispensável à configuração da rixa, a parte objecti, que haja vias de fato, atos de militante hostilidade [...]. Não basta uma simples alteração, por mais acalorada que seja. É preciso que os contendores venham às mãos, formando-se o entrevero, ou que, embora sem o contato dos brigadores, estes se acometam reciprocamente, por exemplo, com pedradas ou disparos de arma de fogo.

Em outras palavras, entende Greco que se consome a rixa no momento que os contendores começam a digladiarem-se entre si, seja por corpo-a-corpo, seja com arremesso de objetos.

No que tange à tentativa, como afirma Heleno Fragoso (1981, p. 178 apud GRECO, 2014, p. 391), ainda que seja difícil configurar-se, é possível. Como defende Greco (2014, p. 391), uma vez que o crime de rixa ex proposito possui iter criminis, é possível haver tentativa. 

Diante do tema, há divergências. Uma corrente, tendo como um dos defensores Damásio de Jesus (2005, p. 196), diz que é possível a tentativa, desde que seja uma rixa ex proposito, que é aquela onde é previamente combinada. Já há outra corrente, tendo uns dos defensores Bitencourt (2007, p. 273) e Julio Fabbrini Mirabete (2004, p. 770), já diz que não é possível tentativa, uma vez que é da ação nuclear presumir ser impossível a configuração de tentativa e que “a conduta e o evento se exaurem simultaneamente” (MIRABETE, 1999, p. 770 apud CAPEZ, 2006, p. 224).

Sobre a discussão, bem salienta Cleber Masson (2013, p. 175):

Na primeira (rixa subitânea ou ex improviso) não se admite o conatus. Ou ocorre a rixa, e o crime está consumado, ou o tumulto não se inicia, e o fato é atípico. Na segunda (rixa preordenada ou ex proposito), por outro lado, é cabível a tentativa, quando três ou mais pessoas acertam uma rixa, mas não conseguem consumá-la por circunstâncias alheias às suas vontades, tal como em razão da intervenção policial.

2.7 Qualificação doutrinária

Diante de tudo que já foi exposto, percebe-se que a rixa é tida como crime comum, pela possibilidade de ser praticada por qualquer pessoa. É plurissubjetivo e de condutas contrapostas, uma vez que é quando há três ou mais pessoas brigando entre si. É doloso, não admitindo a forma culposa. É de forma livre, visto que pode ter soco, murro, tapa, paulada, arremessos de pedras, etc. É comissivo (podendo haver omissão imprópria ou comissão por omissão). É crime de perigo abstrato, uma vez que presume-se o perigo à vida, à saúde e à integridade física, bastando a prática da conduta; no entanto, como visto, para Greco (2014, p. 388) é crime de perigo concreto, uma vez que, para o autor, basta a participação na rixa que já existe um efetivo risco para a vida e saúde das pessoas. É plurissubsistente, visto que há iter criminis; e, por fim, é instantâneo, uma vez que basta participar da rixa que está o crime consumado.

3 A problemática da rixa qualificada

Como explícito no parágrafo único do artigo 137 do Código Penal, a rixa se qualifica quando ocorre a lesão corporal de natureza grave ou morte. Dessa forma, todos que participam da rixa, ao ocorrer uma das qualificadoras, respondem por rixa qualificada, não importando qual dos indivíduos gerou o resultado agravador (MASSON, 2013, p. 176). A rixa qualificada também é chamada de rixa completa.

Dessa forma, havendo lesão corporal grave ou morte, e como objetivo e não deixar tal resultado ficar impune pelo fato de não poder individualizar a conduta, a responsabilidade cai em cima de todos que participaram da rixa. Assim, “todos os rixosos, ainda que não sejam responsáveis por aqueles delitos, incorrerão na pena majorada” (CAPEZ, 2006, p. 225). 

Vale ressaltar que a tentativa de lesão corporal grave e/ou do homicídio não qualificam a rixa, devendo as mesmas serem consumadas para que exista a rixa qualificada. Como assim diz Rogério Greco (2014, p. 392):

Contudo, se tais infrações penais – homicídio e lesão corporal de natureza grave – não chegarem a se consumar, não terão o condão de qualificar o delito. Dessa forma, se houver, durante a rixa, tentativa de lesão corporal de natureza grave, tal fato, embora possa ser punido isoladamente, não poderá fazer com que os demais contendores respondam por rixa qualificada, sendo necessário, portanto, ao reconhecimento da qualificadora, que a morte e a lesão grave sejam consumadas.

No entanto, se o autor da conduta qualificadora foi identificado, o mesmo responde por homicídio ou lesão corporal de natureza grave em concurso com o crime de rixa qualificada (CAPEZ, 2006, p. 226). Nesse ponto, há divergências. Damásio de Jesus (2005, p. 198) diz que o indivíduo responderia por lesão corporal de natureza grave ou homicídio em concurso com rixa simples, uma vez que se fosse concurso com rixa qualificada feriria o princípio do ne bis in idem. Maior profundidade à presente divergência será mais abordada em tópico separado do trabalho, mas já se sabe que há duas correntes: a primeira que diz que o agente responde por homicídio e lesão corporal grave em concurso com rixa simples; e a segunda, que diz que há concurso material com a rixa qualificada. 

Assim discorre o item 48 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal:

Se ocorre a morte ou lesão corporal grave de algum dos contendores, dá-se uma condição de maior punibilidade, isto é, a pena cominada ao simples fato de participação na rixa é especialmente agravada. A pena cominada à rixa em si mesma é aplicável separadamente da pena correspondente ao resultado lesivo (homicídio ou lesão corporal), mas serão ambas aplicadas cumulativamente em relação aos contendores que concorrem para a produção desse resultado.

Não interessa se foi terceiro, se foi morte súbita, ou se foi alguém tentando amenizar o confronto e por culpa matou algum rixoso, havendo um dos resultados qualificadores, há rixa qualificada, visto que o motivo de ter gerado tal resultado foi a contenda. Em outras palavras, para que seja rixa qualificada “basta, em qualquer dos casos, a relação de causalidade entre a rixa e o resultado naturalístico” (MASSON, 2013, p. 176).

A qualificadora atinge até mesmo quem sofreu a lesão corporal grave (o homicídio não por já estar morto). Prova disso são as palavras do Relator Juiz Antonio Manssur (TACrimSP – Ap. 1.251.305/2 – 12.ª Câm. RT791/636) quando afirma que “a circunstância de o agente, que participou do crime de rixa qualificada, que sofre lesões corporais de natureza grave durante a contenda, ter figurado também como vítima não tem o condão de importar-lhe a pena-base no patamar mínimo ou, ainda, reduzir-lhe a pena final”.

Quanto ao fato da lesão corporal grave ou homicídio atingir terceiros, estranhos à rixa, assim dispõe Nélson Hungria (1955, p.25 apud CAPEZ, 2006, p. 226):

Para aplicação da pena majorada, não importa que o crime de homicídio ou de lesão corporal seja doloso, culposo ou preterdoloso. Nem é preciso que a vítima seja um dos contendores: se por error ictus, é atingida uma pessoa estranha à rixa (espectador, transeunte, pacificador, interveniente em legítima defesa, policial que procura prender os contendores), a rixa se tem por qualificada.

No fato do participante se retirar da rixa antes da ocorrência de morte ou lesão corporal grave, entende-se que ainda assim responde o mesmo pela rixa qualificada, no entanto, “não se pode deixar de lado situações em que o agente ingressa na rixa que se desenvolve através de tapas e, após a sua retirada, sem que haja previsibilidade por parte dele, há alteração da natureza do conflito” (CAPEZ, 2006, p. 227). Nesse caso, seria aplicável o art. 29, §2º, do CP (concurso de pessoas).

No entanto, se a pessoa entra na rixa depois de já ocorrida a lesão corporal grave ou homicídio, não há que ser responsabilizado por rixa qualificada, uma vez que “sua participação em nada contribuiu para ocorrência daqueles resultados” (GRECO, 2014, p. 396).

Fernando Capez (2006, p. 227-228) discute o caso de haver autoria incerta de homicídio no crime da rixa. Para o renomado autor, há uma diferença entre a rixa qualificada e a autoria incerta. A rixa qualificada é quando não se pode individualizar o(s) autor(es) do resultado. Já na autoria incerta consegue se individualizar duas ou mais pessoas com a conduta criminosa, ainda que não se saiba qual dos agentes que realmente conseguiu tal resultado. Nesse caso, “aplicando-se o princípio do in dubio pro reo, ambos devem responder por homicídio tentado” (CAPEZ, 2006, p. 228). Em outras palavras, o que ocorre é que na autoria incerta existe uma execução direta do crime, gerando assim uma responsabilidade penal do agente.

No que tange a rixa qualificada, pode haver duas situações: não ser individualizado o agente causador da lesão grave ou morte ou o mesmo ser individualizado. Não sendo individualizado(s), todos os rixosos respondem por rixa qualificada. Como alerta Masson (2013, p. 177), tais rixosos somente respondem pela rixa qualificada e não por lesão grave ou morte. 

Dessa forma, fala-se do daquilo que se entende por responsabilidade penal objetiva, que é a responsabilidade dada a todos os participantes da rixa independentemente de quem gerou o resultado. Diz Masson (2013, p. 176) que “a rixa qualificada, também chamada de rixa complexa, é uma das últimas reminiscências da responsabilidade penal objetiva”; prova disso é o que diz o parágrafo único do artigo 137 do Código Penal, no qual explicita que, se ocorre morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se a qualificadora pelo simples fato da participação na rixa, pouco importando qual dos rixosos foi o responsável pela produção do resultado agravador. 

No entanto, há uma corrente que defende que não se trata no caso da rixa qualificada de responsabilidade penal objetiva, mas subjetiva. Nélson Hungria (1955, p. 21) diz que, no caso da rixa qualificada, a pena alcançar todos os participantes da contenda não trata de um caso anômalo de responsabilidade, que, para ele, seria incompatível com o sistema do Código. Continua Hungria (1955, p. 21) dizendo que “nenhum dos ‘co-rixantes’, portanto, responde pelas consequências que não produziu, mas pelas consequências não imprevisíveis de uma situação ilícita, a que consciente e voluntariamente prestou sua cota de causalidade”.

Magalhães Noronha (2001, p. 115) pensa no mesmo ramo de Nélson Hungria. Para Noronha, só há responsabilidade objetiva quando o evento é atribuído ao agente pelo simples nexo de causalidade material. Sobre o tema, assim salienta Nélson Hungria (2001, p. 115-116):

Ora, na rixa, os participantes querem a luta ou contenda, havendo consequentemente dolo; mas o evento lesão grave ou morte, embora não querido, é previsível, e, consequentemente, há culpa (stricto sensu). Poder-se-ia falar, então, em preterdolo. Todavia esse outro crime não é preterdolo, porque falta aos rixosos a ação causal do evento mais grave, certo sendo que foi só um ou alguns deles que a praticaram. Não há, porém, responsabilidade objetiva, devido à previsibilidade. 

Assim, o motivo de não haver responsabilidade penal objetiva é o fato da previsibilidade, na qual é elemento essencial para que ocorra a responsabilidade objetiva.

3.1 Primeira corrente

Como visto acima, a primeira corrente, que é a que prevalece, diz que “ao autor da morte ou da lesão corporal de natureza grave serão imputados os delitos de homicídio ou de lesão grave em concurso material com rixa qualificada” (MASSON, 2013, p. 177).

O concurso material possui mais de uma ação ou omissão, havendo, portanto, dois ou mais crimes. Por exemplo, lesão corporal de natureza grave e participação da rixa. Nesse caso, aplica-se a pena cumulativamente das penas privativas de liberdade. 

Magalhães Noronha (2001, p. 114-115), também doutrinário da presente corrente, diz que a rixa qualificada “trata-se de delito coletivo e que só se consome com o fim da atividade dos rixosos, de modo que outro delito praticado por um deles, durante a rixa, concorrerá materialmente com esta”. E nesse caso, fala-se da rixa qualificada.

Acerca disso Nélson Hungria (1955, p. 21-22) afirma que:

Se averiguado quais os contendores que praticaram o homicídio ou lesão grave, ou concorreram diretamente para tais crimes, responderão eles individualmente por estes, em concurso material com o de rixa qualificada. O participante que mata ou fere gravemente, ou é co-autor do homicídio ou ferimento, comete dois crimes distintos, sendo o de rixa na sua forma qualificada, pois a lei não faz restrições: desde que ocorre morte ou lesão de natureza grave, todos os participantes, indistintamente, incorrem na pena majorada. Ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere potest.

Outro defensor dessa corrente é Fernando Capez (2006, p. 226), quando o mesmo diz que “responderá ele [o autor] pelo crime de homicídio ou lesão corporal de natureza grave em concurso com o crime de rixa qualificada”. Vale dizer que além dos referidos autores defensores da presente corrente, outros também defendem, como Cezar Bitencourt (2007, p. 274) e Aníbal Bruno (1976, p. 260).

3.2 Segunda corrente

A segunda corrente defende que, “apurando-se a autoria da morte ou da lesão corporal de natureza grave, deve o agente responder pelo homicídio ou lesão grave em concurso material com rixa simples, sob pena de caracterização de inaceitável bis in idem” (MASSON, 2013, p. 177).

Divergentes da primeira corrente têm-se autores como Luiz Regis Prado e Damásio de Jesus. Regis Prado (2004, p. 224) fala que “determinado(s) o(s) autor(es) ou partícipes do homicídio ou da lesão corporal grave, aqueles responderão por tais delitos em concurso material com a rixa simples”, uma vez que atingiria o princípio do bis in idem, visto que um único resultado (morte ou lesão corporal grave) sirva tanto para imputar alguém a título de dolo como para circunstância agravante de outro delito.

Já Damásio de Jesus (2005, p. 198) diz que “apurando-se a autoria da morte ou da lesão corporal de natureza grave, deveria o sujeito responder por homicídio ou lesão corporal de natureza grave em concurso material com rixa simples, e não com rixa qualificada”. 

Em resumo, o que caracteriza essa segunda corrente é a preocupação com a obediência ao princípio do bis in idem. Tal princípio trata de que ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Em outros termos, para a segunda corrente, indo à luz da primeira corrente haveria uma desobediência ao princípio do bis in idem, uma vez que a pessoa responderia por lesão corporal grave ou homicídio mais a própria rixa qualificada, a qual já aloca a lesão corporal grave ou homicídio. 

3.3 Terceira corrente

A terceira e última corrente fala da existência do concurso formal. Concurso formal ocorre quando há uma única conduta em uma pluralidade de crimes. Esse concurso no crime de rixa é bem alertado por Rogério Greco (2014, p. 397), justificando tal posicionamento pelo animus do agente. Greco diz que se analisado delicadamente o fato, ver-se-á que na rixa a única verdade é que há uma agressão tumultuária, em que a vontade do agente é dirigida a gerar lesões ou até mesmo a morte de outro rixoso. Dessa forma, para Greco, seria concurso formal e não material, aplicando-se, portanto, uma única pena, aumentada de um sexto até a metade, que é a conhecida exasperação.

Sobre o tema Rogério Greco (2014, p. 397) assim fala:

Apesar de a posição majoritária adotar a tese do concurso material de crimes, permissa vênia, entendemos, no caso de concurso entre a rixa e outra infração, que a regra do concurso formal é que deverá ser aplicada, uma vez que, se analisarmos detidamente os fatos, veremos que, na verdade, o que existe é tão somente uma situação de rixa, quer dizer, o agente está envolvido numa situação de agressão tumultuária, na qual sua vontade é dirigida finalisticamente a causar lesões ou mesmo a morte do outro contendor. O dolo, aqui, é o de produzir um dano à vítima, também contendora. Assim, entendemos que seria melhor o raciocínio correspondente ao concurso formal de crimes, em que podemos visualizar uma única conduta, produtora de dois ou mais resultados, (...)

Dessa forma, também se preocupa com a integridade do bis in idem, mas a terceira corrente se baseia no concurso formal, e não material.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo esclarecer o crime de rixa tipificado no artigo 137 do Código Penal brasileiro, enfatizando a responsabilidade penal do agente e as divergências doutrinárias que pautam o assunto. Visto que havendo lesão corporal de natureza grave ou homicídio a rixa torna-se qualificada e, dessa forma, não podendo haver o reconhecimento de quem efetivamente gerou o resultado agravador, todos os rixosos são apenados.

Considerou-se como mais adequada a visão de Rogério Greco (2014, p. 397) a qual defende que não pode haver concurso material entre lesão corporal grave ou homicídio com a rixa qualificada e, mais além, o adequado seria concurso formal, e não material como assim defende Damásio de Jesus (2005, p. 198) e Régis Prado (2004, p. 224).

Apesar das demais doutrinas serem promovidas por respeitados autores, a corrente majoritária defendida por Magalhães Noronha (2001, p. 114-115), Nélson Hungria (1955, p. 21-22), Fernando Capez (2006, p. 226), Cezar Bitencourt (2007, p. 274) e Aníbal Bruno (1976, p. 260), de certa forma acaba por ferir o princípio estudado tão conhecido e estudado nos estudos propedêuticos do Direito Penal em sua parte geral, o princípio do bis in idem

Da mesma forma, pareceu também injusto o que foi defendido na segunda corrente, a qual defende que pode haver concurso material entre lesão corporal grave ou homicídio e o crime de rixa, desde que a rixa seja simples. Mesmo que seja mais coerente que a primeira corrente, o fato de que ainda assim todos os participantes da rixa sejam condenados por homicídio (art. 121, CP) ou lesão corporal grave (art. 129, §§ 1º,2º, CP) ainda parece não ser tão convincente. 

Portanto, tendo como base a análise da abrangência da pena devido à responsabilidade penal do agente, foi possível identificar que a doutrina de Greco (2014, p. 397) foi a mais adequada ao contexto social presente, uma vez que há a preservação do princípio do bis in idem e não há o que se falar em responsabilidade penal objetiva, mas subjetiva, uma vez que valoriza o critério dolo/culpa.

Por fim, pode-se concluir, com base nas leituras dos citados autores que o crime de rixa é um delito bem discutido por renomados doutrinadores, evidenciando a preocupação do Direito Penal com o respeito dos princípios à ele pertinentes e na concretização de pena justa, principalmente no que se refere à responsabilidade penal do rixoso. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. Rio de Janeiro – RJ: Editora Rio, 1976.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, volume 2 / Cezar Roberto Bitencourt. – 7. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito dos mortos (arts. 121 a 212) / Fernando Capez. – 5. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial / volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa / Rogério Greco. 3. Ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2013.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao código penal. 3. Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro – RJ: Editora forense, 1955.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 2º volume: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio / Damásio E. de Jesus. – 28. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2005.

MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial – vol 2 / Cleber Masson. – 5.ª ed. ver., atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forese; São Paulo: Método, 2013

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. – 22. Ed. – São Paulo: Atlas, 2004.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. – São Paulo: Saraiva, 2001.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Volume 2: parte especial, arts. 121 a 183 / Luiz Regis Prado. – 3. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004