Crianças retardadas ou mongolóides: uma reflexão acerca da quebra de expectativas do filho (a) “idealizado”

Por Queila Francisca de Souza | 29/11/2017 | Psicologia

Graciele Rosa de Jesus[1]

Queila Francisca de Souza

Shirley Rodrigues da Silva

RESUMO

Nosso artigo tem por objetivo mostrar de que forma as mães encaram o nascimento de uma criança com deficiência mental e de como esta situação é vivenciada no seio da família. Pautaremos nossas reflexões acerca do comportamento maternal, uma vez que, a aceitação de um filho com deficiência é num primeiro momento muito impactante, na qual muda totalmente a rotina e a vida desta mãe. Acreditamos que, a relação do médico com esta mãe funciona na maioria das vezes como um desabafo, uma vez que a mãe está sempre em busca de respostas que possa satisfazer seu ego atormentado e tem a necessidade de testemunhar/dividir tudo que está acontecendo em sua vida com alguém. Falaremos também dos níveis de debilidade da criança, haja vista que nem sempre o retardamento é verificável a primeira vista e a anormalidade não aparece desde o início como fatal muitas vezes a insuficiência mental só é descoberta de modo quase acidental durante a primeira consulta médica. Portanto, subsidiamos nosso trabalho com os textos: “A lesão orgânica” e “A insuficiência mental” da escritora Naub Mannoni retirados do livro intitulado “A criança retardada e a mãe”.

Palavras- chave: Deficiente mental, criança/mãe, família, médico.

            O presente artigo tem por objetivo mostrar de que forma as mães encaram o nascimento de uma criança com deficiência mental (mongolóides) e de como esta situação é vivenciada no seio da família mudando totalmente sua rotina e suas vidas. Deste modo, pautaremos nossas discussões na forma com que a mãe lida com essa situação enfrentando de frente todos os obstáculos encontrados tanto na própria família quanto na sociedade em geral que acabam excluindo estas crianças, como também, abordar acerca dos níveis de debilidade mental desta criança.

            Sabemos que, antes de gerar um filho a maioria das mulheres sonham em ter um filho perfeito, saudável, chegando até a sonhar com o curso que o filho irá exercer quando adulto, ou seja, esta mãe quer possibilitar ao filho vivenciar tudo aquilo que ela não pode e não teve em sua infância. A este respeito Naub Mannoni ressalta:

[...] na medida em que aquilo que deseja no discurso da gravidez é, antes de mais nada, a recompensa ou a repetição de sua própria infância, o nascimento de um filho vai ocupar um lugar entre os seus sonhos perdidos: um sonho encarregado de preencher o que ficou vazio no seu próprio passado, uma imagem fantasmática que se sobrepõe a pessoa “real” do filho. Este filho de sonho tem por missão restabelecer, reparar o que na história da mãe foi julgado deficiente, sentido como falta, ou de prolongar aquilo a que ela teve que renunciar.  (MANNONI, 1999, p. 05)

A partir do momento em que a mãe na consulta médica descobre que o filho tem uma deficiência mental, esta fica em estado de choque, quebrando assim as expectativas de um filho idealizado. Logo, a imagem de um corpo enfermo faz com que essa mãe relembre suas insatisfações e traumas da infância.  Sendo assim, o filho “idealizado” que poderia preencher o vazio desta acaba se tornando um objeto que ficará totalmente dependente dela pelo resto da sua vida.

Diante disso, a mãe chega até mesmo em desejar a “morte” do filho, como bem coloca a autora uma morte negada, disfarçada na maior parte das vezes em amor sublime, algumas vezes em indiferença patológica, outras vezes em recusa consciente; mas as idéias de homicídio existem, mesmo que nem todas as mães possam tomar consciência disso.

Mediante esta situação, a mãe procura a todo o momento auxílio médico com o objetivo de que este lhe dê as respostas que ela deseja ouvir, ou seja, vive numa busca constante de encontrar respostas para suas variadas perguntas. Existe cura para meu filho? Um diagnóstico? Porém, esta mãe já sabe que estas perguntas já foram respondidas, logo, a procura constante de respostas em especialistas diversos está relacionada ao fato de que esta mãe tem a necessidade de testemunhar/dividir tudo que está acontecendo em sua vida com alguém, uma vez que, na sua relação afetiva com o marido,

A ausência de diálogo, uma situação a dois numa solidão total, é responsável pela angústia e pela depressão dessas mães que aos olhos do mundo “suportam admiravelmente o choque”. Esta angústia que não podem partilhar com os outros é muito difícil de suportar. Por isso, há um momento na história do filho doente em que o problema da mãe se coloca com maior intensidade que o dele. (MANNONI, 1999, p. 06)

 Outro fator que nos chama muita atenção diz respeito a forma com que a maioria dos pais reagem quando recebem a notícia que terão um filho com deficiência mental, estes ficam abatidos, resignados, cegos ou inconscientes do verdadeiro drama que se desenrola, em alguns casos o pai chega até a dizer “uma criança doente é assunto da mulher”, e, quando aceita a doença do filho é quase sempre ao preço de culpa. Sendo assim, esta rejeição do pai acaba sobrecarregando cada vez mais a mãe que se dedica totalmente e exclusivamente a cuidar do filho. Cabe lembrar que, não são todos os pais que tem essa reação de “não aceitação” de ter um filho com deficiência mental, há também, casos em que o pai se preocupa com a criança e ajuda e muito no tratamento desse filho.

Em relação aos níveis de debilidade da criança, segundo a autora nem sempre o retardamento é verificável a primeira vista e a anormalidade não aparece desde o início como fatal, de modo que, muitas vezes a insuficiência mental só é descoberta de modo quase acidental durante a primeira consulta médica.

Sendo assim, na consulta médica, são raros os casos em que a família aceita o diagnóstico médico de bom grado, ou seja, ao ouvirem que seu filho possui algum tipo de deficiência mental os pais acabam querendo resolver a situação de maneira prática. O médico por sua vez, se vê numa encruzilhada, na qual, ou ele nega o diagnóstico dado a criança (a debilidade mental), ou resolve a situação receitando remédios.

De acordo com a autora, há duas atitudes possíveis em relação a atitude dos pais no momento da consulta: a primeira é os pais reconhecerem e aceitarem a debilidade mental do filho procurando assim um profissional competente para iniciar o tratamento. Na segunda, os pais procuram compreender a situação em que o filho se encontra, mas acreditam que para um médico diagnosticar seu filho como deficiente é cedo demais, e, assim não procuram auxílio médico de imediato, pois para estes o tempo pouco importa.

Na debilidade mental simples, as crianças possuem Q.I. de 0,50 e 0,80, e podem apresentar uma diversidade muito grande no âmbito escolar . Sendo assim, há uma variação instável de níveis de comportamento e aprendizagem destas, na qual, algumas são bem sucedidas e outras apresentam mais problemas. Logo, podemos encontrar crianças com Q.I. 0,65 bem sucedidas, ao passo que outras mesmo apresentando um Q.I. de 0,80 tem dificuldades em se qualificar no plano profissional. Para a autora, [...] cada criança tem a sua história muito particular, que afeta todo seu futuro humano [...] mas o contexto afetivo que produziu a debilidade foi descuidado durante anos, por conta de uma orientação baseada estritamente num fator quantitativo deficiente. (p. 15)

No entanto, a diferença comportamental em crianças com o mesmo Q.I. apresentando “estupidez” ou “inteligência”  está relacionado totalmente a forma com que esta família lida com o distúrbio da criança. Deste modo, se a mãe se apresenta totalmente desequilibrada ou super protetora pode dificultar ainda mais no tratamento da criança, pois ela poder impedir o processo de maturidade e desenvolvimento do filho no tratamento psicoterapêutico, além de impedir que esta seja autônoma dentro das suas possibilidades. Mannoni ressalta:

A debilidade, qualquer que seja a origem que lhe atribuamos, é concebida geralmente como um déficit de capacidade do indivíduo. Os testes são considerados como medidas de capacidade restante e não como as indicações de um sintoma [...] o analista [...] não espera do tratamento mais do que uma melhora mais ou menos acentuada [...] o sucesso do tratamento vai definir-se em termos de readaptação. (MANNONI, 1999, p. 38 e 39)

Portanto, a forma com que a família lida com o deficiente mental é de fundamental importância para a evolução do tratamento e readaptação deste, sendo assim a autora finaliza dizendo que o estudo do débil, como o do psicótico, não se limita ao sujeito, mas começa pela família.

Referência bibliográfica

MANNONI, Naub. A criança retardada e a mãe. Editora, Martins Fontes, São Paulo, 1999.

[1]  Acadêmicas do curso de Licenciatura Plena em Letras, 7º semestre, pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT.