Crianças e adultos – Fronteiras difusas
Por Julia Nascimento | 19/01/2018 | EducaçãoDe forma geral nos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, constatamos a ambiguidade da passagem do universo juvenil para aquele característico da maturidade, e isso se deve a diversos fatores, entre eles alguns típicos da classe média ou alta, como a maior permanência na casa dos pais, as vezes até próximo dos quarenta anos, em função do prolongamento do período de estudos que abrangem cursos de pós graduações vários, viagens mais frequentes e uma certa naturalidade em não assumir compromissos de casamento ou dispêndio financeiro na montagem de uma casa, deixando-os para mais tarde que até algumas décadas atrás.
Também nestas, porém mais acentuadamente nas classes mais pobres, colaboram também o abandono precoce da escola para o trabalho, o aumento da criminalidade infantil, o consumo de drogas, tanto as lícitas quanto as ilícitas, o incremento da violência global em nossas comunidades, e diversos outros aspectos socioeconômicos, para dificultar a caracterização do que significa a infância e até onde ela se prolonga.
Tal dificuldade é acentuada pela dificuldade do sistema educacional para flexibilizar seus currículos frente a algumas demandas locais, o que é especialmente delicado em escolas de periferia ou instaladas em territórios conflagrados pelo tráfico, de drogas ou até de armas, que dificilmente respeitam faixas etárias na captação de recursos humanos para suas atividades. É fácil encontrar crianças “fazendo avião”, ou portando armamento como se fossem adultos.
O apelo ao consumo responde, em grande parte, pela facilidade com que estes jovens são cooptados, já que toda uma miríade de produtos, normalmente caros, são destinados ao deslumbramento daqueles de menor idade, fazendo com que o acesso ao universo monetário seja idealizado por todos, não importando muito o tipo de atividade e suas implicações éticas.
Professores evidentemente poucas vezes terão habilidade para o enfrentamento deste tipo de situação, que transcende o escopo de sua atuação, embora o conflito inerente entre as distintas e possíveis concepções de mundo faça parte do processo ensino-aprendizagem, das ideias pedagógicas, de seus agentes, do material utilizado e na forma de transmissão da cultura.
O papel do Estado em relação à educação não tem sido apenas aquele de uma organização burocrática, mas também o de uma estrutura reguladora e legitimadora do “modo de ser” da sociedade civil; na pretensão de não permitir desvios da correta atuação, tem limitado criatividade e soluções comunitárias possivelmente mais eficazes. No entanto, o sistema educacional deve essencialmente problematizar as ideias dominantes, aumentando a conscientização daqueles que dele participem.
Uma fiscalização draconiana – com antecedentes que a justificam, mas com organizações extremamente aptas para burlá-la, como sempre num país onde a lei é para os inimigos e desprotegidos, mas não alcança os poderosos e os verdadeiros malandros – impede que o sistema educativo possa ser mais flexível e atender com maior agilidade às demandas regionais. Em princípio não confiamos na boa intenção de ninguém, pois delas nosso inferno está lotado, e isso atrapalha bastante aquelas instituições que, mesmo sendo poucas, poderiam dar uma resposta mais adequada ao estilo de vida e necessidades dos estudantes. É quase como se estas não fossem responsáveis por seus atos, numa espécie de eterna inimputabilidade, necessitando estreita vigilância, vivendo numa infância perpétua que contamina a entrada no processo adulto de responsabilidades. É como se a incapacidade de distinguir o bem e o mal fossem inerentes a qualquer tipo de organização, o que é “compensado” pela ciência de que, se algum malfeito for descoberto, a impunidade estará assegurada, já que a justiça é lenta, falha e a protelação está sempre disponível àqueles que tem maior capacidade financeira.
O papel do educador é antes de mais nada o de um organizador da consciência de seus estudantes, ajudando-os a reconhecer e reestruturar seus próprios limites e obter alguma mudança qualitativa em seu meio social, com a indispensável atenção ao processo de maturidade.
Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.