CRÉDITO PRIVADO ANTES DA GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XX: O Mercado Hipotecário

Por Andreza Santos Pereira | 01/04/2017 | Economia


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Instituto de Ciências Econômicas e Gerenciais

Andreza Santos Pereira

Ellen Cristina Alves de Araújo

Kássia Cristina Viana

Mariza Madureira Vieira

CRÉDITO PRIVADO ANTES DA GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XX:

O Mercado HipotecárioAndreza Santos Pereira

Ellen Cristina Alves de Araújo

Kássia Cristina Viana

Mariza Madureira Vieira

CRÉDITO PRIVADO ANTES DA GRANDE DEPRESSÃO DO SÉCULO XX:

O Mercado Hipotecário

 

Resenha apresentada à disciplina Formação Econômica do Brasil, do curso de Ciências Econômicas da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

 

Orientadora: Tânia Maria F. de Souza

 

Belo Horizonte

2016

 

1 INTRODUÇÃO

O artigo objeto desta resenha intitula-se “Cr é dito Privado antes da Grande Depressão do S é culo XX: O Mercado Hipotec ário”. Foi escrito por Renato Leite Marcondes e publicado pela revista Estudos Econômicos no último trimestre de 2014.

Nele, aborda-se o desenvolvimento do mercado hipotecário e do sistema bancário no Brasil ao longo do século XIX e no início do século XX, bem como sua importância para a economia do país. Faz-se um paralelo entre o crédito hipotecário e as condições de financiamento (prazos, juros e valores) das instituições bancárias e dos emprestadores particulares, com ênfase na cidade de São Paulo.  

2 DESENVOLVIMENTO  

2.1 Evolução do Mercado de Crédito

Marcondes (2014) introduz o artigo descrevendo, de maneira geral, as dificuldades do funcionamento do mercado de crédito no período colonial. Nessa época já eram realizadas algumas hipotecas; pessoas e instituições não bancárias atuavam como fornecedoras de crédito. As restrições de financiamento, porém, afastavam os capitais do país. Segundo Brito, citado por Marcondes (2014), a falta de um registro de hipotecas constituía-se motivo de insegurança para os credores. A jurisdição também não contribuía para a solução de conflitos e o cumprimento de contratos.

A escassez de capitais já consiste, por si só, em um aspecto típico de uma sociedade no início de seu desenvolvimento. Mas duas outras características do crédito, no período colonial, mencionadas por Marcondes (2014) agravam tal fato. A primeira delas foi a dificuldade de instalar-se instituições específicas de crédito em todo o país. A segunda foi a manutenção de um alcance local, com a predomin ância de relações pessoais entre credores e devedores.

Conforme Marcondes (2014), esta estrutura tendeu a sofrer modificações somente com a criação do primeiro banco do Império português: o Banco do Brasil, fundado em 1808, o qual veio a falir logo após a Independência, em 1822. Posteriormente, novas instituições bancárias foram estabelecidas: a Caixa Econômica da Bahia, em 1834, o Banco do Ceará, em 1836 e o Banco Comercial do Rio de Janeiro, em 1838.

No entanto, mesmo apesar da criação destes bancos, os intermediários (ou emprestadores particulares) procederam como principais ofertantes de crédito. Sua atuação, segundo Marcondes (2014), era favorecida pela dificuldade dos agricultores, responsáveis pela principal aividade econômica do país na época, conseguirem financiamento com os bancos. Os prazos e taxa de juros exigidos pela lavoura não eram compat íveis com as oferecidas pelas instituições banc árias. Os intermediários, ao contrário, detinham recursos e realizavam empréstimos por períodos de tempo maiores. No caso da cafeicultura, esta função era designada, sobretudo, pelos comissários de café. Lacerda et al (2005) realçam este último fato ao descreverem a relevância dos recursos financeiros que os comissários dispunham aos  fazendeiros :

Cabia ao comerciante a função de prover ao fazendeiro os recursos necessários para a formação da lavoura e para o trato do cafezal e a colheita do café. Em outras palavras, cabia ao comerciante fornecer os recursos necessários para a formação do capital fixo e de giro da produção. Era o comerciante, pois, o “banqueiro” da lavoura. Na ausência de um sistema bancário, público ou privado, ligado diretamente à produção, o comerciante de café assumia o papel fundamental de suprir o crédito necessário. (LACERDA et al, 2005, p. 34).

Ademais, Lacerda et al (2005) também acrescentam à análise de Marcondes (2014) outras razões que complicavam o acesso ao crédito bancário, em especial por parte dos fazendeiros. Um dos motivos reside no fato de que estes, normalmente, moravam em regiões do interior, enquanto as poucas agências existentes concentravam-se nas capitais do país. Com uma mobilidade limitada, era difícil manter qualquer relacionamento com os bancos.

A partir de meados do século XIX, houve uma expansão no mercado de crédito brasileiro. Neste sentido, Marcondes (2014) cita algumas medidas institucionais que levaram a tal fato, como o decreto de 1846 que estabeleceu o registro geral de hipotecas e a lei dos “entraves” de 1860.

Entretanto, essas medidas não foram suficientes para alterar o mercado de crédito de maneira expressiva. Marcondes (2014) afirma que o crédito viria a expandir-se até o final do Império, mas somente a partir da legislação hipotecária de 1864. Segundo essa, todos os bens garantidos em hipoteca deveriam ser registrados, evitando, assim, que a mesma propriedade fosse oferecida como garantia em mais de um empr é stimo. A regulamentação da lei permitiu maior segurança e maiores ganhos aos fornecedores de empréstimos, além de ampliar a publicidade das hipotecas mediante o novo registro geral.

Mas, apesar da reforma, Marcondes (2014) demonstra que os empr é stimos bancários destinados  à  lavoura continuaram restritos; a falta de registro de terras e desordem dos tíulos de propriedade constituíam-se empecilhos ao crédito rural.

Com o crescimento significativo dos grandes centros urbanos ao final do século XIX e início do século XX, ampliou-se também o crédito hipotecário nessas regiões.

No per íodo denominado Encilhamento, acentuou-se a expansão do número e valor das hipotecas. Neste âmbito, Gremaud, Saes e Toneto Júnior (1997) complementam a análise de Marcondes (2014) ao descreverem como isto ocorreu. Segundo estes autores, o crescimento do trabalho assalariado ampliou a necessidade de moeda para a transação na economia brasileira. A expansão monetária, por sua vez, estimulou a atividade creditícia para a cafeicultura e a ampliação de outros setores econômicos.

Conforme Gremaud, Saes e Toneto Júnior (1997), Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda, neste sentido, favoreceu a criação de empresas (em especial as chamadas SA’s – Sociedades Anônimas). Esta ocorrência, aliada à expansão do crédito, explica o período do Encilhamento.  

O encilhamento foi um movimento de especulação bursátil, ocorrido na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro no início dos anos 90. Criavam-se empresas com facilidade lançando ações na bolsa; dada a possibilidade de obtenção de crédito fácil, estas eram adquiridas e se valorizavam, atraindo novos investidores e novas empresas, formando uma bolha especulativa, que envolvia boa parte da burguesia financeira carioca e mesmo pessoas que até então nada tinham a ver com ela. Muitas das empresas surgidas eram fictícias, sendo criadas apenas para obter lucros especulativos. Em determinado momento, o próprio mercado percebeu que o castelo de cartas que fora montado tinha bases frágeis e, quando isto ocorreu, ele acabou ruindo. (GREMAUD; SAES; TONETO JÚNIOR, 1997, p. 80).

Entretanto, segundo os mesmos autores, foi um período de notável crescimento econômico, apesar da especulação e dos excessos monetários, uma vez que um número significativo de empresas não fictícias fora criado.

Marcondes (2014) indica que, após a Primeira Guerra Mundial, os bancos estrangeiros reduziram sua participação no sistema financeiro brasileiro. O sistema bancário foi nacionalizado pelas reformas introduzidas pela Inspetoria Geral de Bancos, reforçadas pelas constituições de 1934 e 1937.

Desta forma, conforme aponta Marcondes (2014) ao longo do artigo, o desenvolvimento do mercado de crédito privado e, consequentemente, do mercado hipotecário na economia brasileira foi marcado por períodos de expansão e crise. Ainda assim, este mercado específico tornou-se mais amplo que as outras alternativas de crédito; diferentes agentes adaptavam-se às distintas circunstâncias e passaram a utilizar as hipotecas como proteção para seus financiamentos.  

2.2 Crédito Hipotecário Brasileiro  

Nesta seção, Marcondes (2014) caracteriza o mercado hipotecário brasileiro de forma geral.

O Distrito  Federal¹, de acordo com Marcondes  (2014), assumiu uma posição destacada nesse mercado, em especial nos anos 1920, período de recuperação após a guerra. A maior parcela das hipotecas realizadas concentravam-se nas áreas urbanas: no ano de 1909 (em que foram efetuadas mais de mil hipotecas), por exemplo, elas corresponderam por 94,5% do número e 85,7% do valor total. A diferença entre a proporção do número e do valor é explicada pelo fato de que os imóveis rurais correspondiam um total menor de transações, porém com valores médios mais elevados.

No Brasil, o crédito hipotecário concentrou-se na capital da República e nos estados mais ricos (Goldsmith apud MARCONDES, 2014). Além disso, assim como no Distrito Federal, destaca-se no país o dinamismo do meio urbano em relação ao rural ao longo do tempo. Em 1929, por exemplo, as hipotecas realizadas no meio urbano corresponderam a 69,9% do número e 59,6% do valor total.

Em meados da década de 1920, a participação do Distrito Federal no mercado hipotecário sofreu uma ligeira retração, se comparada aos primeiros anos do século. Essa ocorrência relaciona-se com o que Cano (1977) afirma sobre a decadência da indústria carioca. Tal decadência é atribuída, dentre outros fatores, ao crescimento da indústria paulista, que passara a concorrer em mercados nos quais antes o Distrito Federal tinha posição privilegiada. Ademais, o declínio do café na região tributária desta unidade de federação e o rápido avanço da energia elétrica em São Paulo também contribuíram para a queda da indústria carioca.

Segundo Marcondes (2014), o Estado de São Paulo, assim como o Distrito Federal, correspondeu a uma parcela significativa do número e do valor de hipotecas realizadas no Brasil. Em meados dos anos 1920, as hipotecas deste Estado correspondiam a mais da metade do total de ambas as variáveis. Assim, o autor evidencia a “importância da economia paulista na primeira República, elevando seus créditos e sua participação relativa nas hipotecas brasileiras” de 1909-1930.  

____________________

1 Atual cidade do Rio de Janeiro. (GREMAUD; SAES; TONETO JÚNIOR, 1997).

A capital paulista, nesse período, detinha a maior parte das transações do Estado. A importância do crédito hipotecário para a cidade de São Paulo, bem como sua destacada participação neste mercado, são descritas por Marcondes (2014) na próxima seção.

2.3 Crédito Hipotecário Paulistano  

A cidade de São Paulo, com seu extraordinário crescimento econômico e demográfico, assumiu importante papel como centro comercial e financeiro. A expansão cafeeira no interior do Estado, aliada à diversificação das atividades e ao crescimento da indústria, transformaram a cidade na principal economia do país no início do século XX.

Conforme Marcondes (2014), o expressivo aumento da população (incrementada pela chegada de milhares de imigrantes estrangeiros) e a consequente expansão da cidade aumentaram a demanda de recursos para o crescimento imobiliário urbano. O setor da construção civil apoiou-se, em especial, no crédito hipotecário para atender à nova demanda. Dessa forma, a maior parte das transações hipotecárias referentes ao final do século XIX e início do século XX eram tocantes a imóveis urbanos residenciais, industriais e comerciais. O autor argumenta, portanto, que deve-se entender o dinamismo do mercado hipotecário em função do grande fluxo imigratório para a cidade.

Marcondes (2014) também indica que os bancos atendiam, sobretudo, indústrias, comércio e serviços públicos; seus empréstimos somavam maiores quantias e suas condições de juro e prazos eram mais vantajosas se comparadas às dos capitalistas. Estes, ao contrário, emprestavam principalmente para pessoas físicas, que provavelmente apresentavam maior dificuldade de recorrer aos bancos. De fato, como confirmam Lacerda et al (2005), o crédito era, durante o século XIX até a Grande Depressão, constituído, em sua maior parte, de empréstimos pessoais.

3 CONCLUSÃO

A análise de Marcondes (2014) tem como foco principal um tipo específico de crédito: o hipotecário. Gremaud, Saes e Toneto Júnior (1997) e Lacerda et al (2005), por outro lado, examinam o mercado de crédito de maneira geral. Apesar disso, em diversos tópicos, os autores chegam a conclusões semelhantes.

Primeiramente, todos convergem quanto à importância que o crédito exerceu na economia brasileira, na medida em que possibilitou o financiamento de lavouras e empresas, além de atender à demanda de recursos que surgiu com o crescimento urbano. Entretanto, isto só foi possível devido ao papel, exercido pelos intermediários, de atuarem como fornecedores de crédito no período analisado – final do século XIX e início do século XX.

Este ponto é enfatizado, principalmente, por Marcondes (2014) e Lacerda et al (2005). Visto que o país possuía um sistema bancário restrito e pouco desenvolvido, eram os emprestadores particulares que desempenhavam a função de banqueiros. Os créditos concedidos – em especial para os fazendeiros do café – constituíram-se em fator significativo e determinante para o crescimento econômico brasileiro.

REFERÊNCIAS

CANO, Wilson. Raízes da concentração industrial em São Paulo . Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.  

GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flavio A. M. de; TONETO JUNIOR, Rudinei. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997.  

LACERDA, Antônio Corrêa de et al. A economia cafeeira. In.: REGO, José Márcio; MARQUES, Rosa Maria. Economia brasileira. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Cap. 3, p. 32-45.  

MARCONDES, Renato Leite. Crédito privado antes da Grande Depressão do século XX: O Mercado Hipotecário. Estudos econômicos, São Paulo, vol. 44, n. 4, p. 749-786, out.-dez. 2014.