COSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA SANITÁRIA

Por Emilio Prado da Fonseca | 22/04/2011 | Saúde

CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA SANITÁRIA




O QUE É A VIGILÂNCIA SANITÁRIA

O conceito de Vigilância Sanitária muitas vezes está vinculado a ideia de "polícia sanitária", ou seja, fiscalização e punição. Este fato se deve a origem da vigilância sanitária que tinha como função regulamentar o exercício profissional, combater falsificações, vigiar a cidade para evitar a propagação de doenças e executar o saneamento da cidade.
Atualmente, segundo o inciso 1, do artigo 6, da seção XI, do capítulo I da Lei nº. 8080 de l9 de setembro de l990, entende-se por vigilância sanitária:
[...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde abrangendo:
I- o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II- o controle da prestação de serviços que se relacionem direta ou indiretamente com a saúde (Brasil l990).
A vigilância sanitária não deve ser apenas um órgão com poder de polícia do setor de saúde, porque possui atribuições que não são apenas de cunho fiscalizador e proibitivo. A orientação com caráter educativo é um exemplo de ação de natureza promocional (Shuquair, l996, p.5).
Apesar da ampliação do campo de atuação, a vigilância sanitária ainda mantém suas atribuições e formas de atuar assentadas na fiscalização, licenciamento de estabelecimentos, julgamento de irregularidades e aplicação de penalidades.
As atividades relacionadas à educação representam uma importante ferramenta para a evolução da consciência sanitária.
O usuário, objeto de proteção da vigilância sanitária, passa a ter um papel ativo na transformação das condições de saúde da população e cria uma nova relação entre estado, sociedade e vigilância sanitária.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi criada com a Lei nº. 9782, de 26 de janeiro de l999, autarquia sob regime especial caracterizada pela sua independência administrativa, estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira; vinculada ao Ministério da Saúde, com sede no Distrito Federal.
Com a criação da ANVISA surge o Regulamento de Diretoria Colegiada (RDC) para substituir as Portarias Ministeriais da Saúde no campo da vigilância sanitária e que tem o poder de alterar as portarias em um mesmo nível hierárquico.
A ANVISA tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da população e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária e que envolvam risco à saúde pública de acordo com o artigo 6 da Lei nº. 9782/99. Para isso, o Estado responsável por esta tarefa, buscou uma estrutura planejada para atuar nos seus devidos níveis: federal, estadual e municipal.
É de incumbência federal coordenar o sistema nacional de vigilância sanitária. Enquanto o Estado-membro coordena em caráter complementar e executa as atividades de vigilância sanitária em âmbito estadual e o município executa os serviços de vigilância sanitária.
Contudo, os novos desafios sociais, políticos e culturais, o esgotamento progressivo do paradigma biomédico e a mudança nas últimas décadas têm ensejado o surgimento de novas formulações sobre o pensar e o fazer sanitários (Pereira, AC. Tratado de Saúde Coletiva em Odontologia. Napoleão; 2009, p. 437).

DESCENTRALIZAÇÃO DAS AÇÕES DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA

Um dos aspectos mais relevantes na construção do Sistema Único de Saúde no Brasil é a descentralização das ações de saúde. Desde sua criação, a ANVISA vem implementando o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) em parceria com estados e municípios, por meio de políticas e estratégias que ampliam e consolidam o papel dos estados e municípios nas ações da vigilância sanitária.
O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, regulamentado pela Portaria MS 1565 de l994, estabeleceu as bases para a descentralização das ações de VISA no âmbito do SUS. A criação da ANVISA em l999 promoveu a intensificação das relações entre as esferas de governo e a formalização de compromissos visando à obtenção de resultados específicos na área sanitária.
Com o objetivo de organizar e implementar o SNVS, foi criado e pactuado em 2000 o Termo de Ajuste e Metas (TAM) e o termo de adesão ao TAM, através da descentralização das ações da VISA por meio da realização de parcerias entre as partes. Novo meio de repasse de recursos financeiros do nível federal via ANVISA foram estabelecidos com a finalidade de garantir as atribuições descentralizadas. Para ter acesso a esses recursos os municípios deveriam estar habilitados em uma das formas de gestão estabelecidas pela Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (NOB/SUS-01/96) e comprovar a existência de estrutura administrativa e capacidade técnica para a execução de ações de VISA por nível de complexidade (baixa, média e alta).
As políticas de incentivo à descentralização fomentada pelos níveis federal e estadual e os mecanismos de acompanhamento, controle e avaliação da utilização dos recursos trouxeram avanços importantes para a consolidação do SNVS.
Conhecer a situação das VISA municipais, nos aspectos estrutural e organizacional, focalizado especialmente nos recursos humanos e processos de trabalho adotados, constitui uma importante ação para o investimento em capacitação técnica e gerencial dos trabalhadores da vigilância sanitária.

A VIGILÂNCIA SANITÁRIA NO ÂMBITO MUNICIPAL

Como prática de saúde, a vigilância sanitária insere-se no espaço social abrangendo sua atuação sobre o setor público e privado na defesa da população com referência ao preceito institucional da equidade e ao princípio da igualdade.
O SUS afirma o município como espaço de ações e práticas de saúde. Mais do que um cumprimento formal que está proposto na Constituição, será necessário integrar a vigilância sanitária com as demais práticas voltadas à saúde da população. Municipalizar as ações de vigilância sanitária significa adotar políticas com a finalidade de operacionalizá-la com bases de financiamento, recursos humanos e infra-estrutura. Ao Estado compete o papel de articular os municípios e regiões para garantir a uniformidade mínima das ações de todo o município nas práticas de supervisão e controle de qualidade dos serviços de saúde.
Uma etapa do processo de descentralização das ações de saúde é a municipalização da vigilância sanitária, o que constitui um importante subsídio para o planejamento, gerenciamento e qualidade dos serviços de assistência à saúde, garantia da saúde ambiental e ocupacional, controle de qualidade de produtos e da vida da população. Há que se considerar a complexidade das ações de vigilância, o que dependem do maior ou menor grau de dificuldade de execução.
Os municípios brasileiros apresentam modalidades distintas de organização e gestão pública em virtude das diferentes realidades regionais. As condições de gestão que se habilitam os municípios definem as ações de vigilância sanitária que serão assumidas. É importante que o município tenha controle de todas as ações desenvolvidas, independente de complexidade e pactuação ou não com o Estado para a obtenção de respostas efetivas ao perfil sanitário e as demandas locais. Fica sob responsabilidade do município, definir as ações que ele irá implementar e as que serão compartilhadas ou complementadas pelo Estado, de acordo com suas possibilidades financeiras, recursos humanos e materiais , e segundo o quadro sanitário existente.
A atividade de planejamento das ações de vigilância sanitária parte do reconhecimento da área geográfica de abrangência, mapeamento dos problemas locais e eleição de prioridades com base em fontes de informação como: denúncias, questionários, relatórios, censo de estabelecimentos. Com a finalidade de detectar espaços ou fenômenos que representam risco à saúde e à vida. A partir de um diagnóstico situacional é possível priorizar ações, definir objetivos e programas, organizarem recursos, articular com outros setores internos e externos ações e tomada de decisões com o foco em atender as necessidades de saúde de uma população.
A atuação tradicional da vigilância sanitária tem se resumido ao atendimento das demandas espontâneas, isto é, sem planejamento nem programação. O que é muito pouco diante de seu papel de promotora da saúde e de prevenção de danos.
É fundamental pensar uma Vigilância Sanitária que tenha o diagnóstico de sua área com base em perfis epidemiológicos, com potenciais riscos definidos, objetivos e metas, padronização de atividades e inspeções, avaliação sistemática dos resultados.
Para se obter bons resultados e cumprir o papel de promotora da saúde e prevenção de danos, a vigilância sanitária deve organizar sua prática por meio de prioridades programáticas; além de atender as denúncias, questionamentos e reclamações, que permitam dar uma resposta adequada aos reais problemas.
Além disso, um plano de ações bem elaborado deve incluir não apenas as funções de fiscalização, mas também de caráter educacional e de conscientização da população, envolvendo a comunidade, os prestadores de serviços, produtores, profissionais da saúde e todos aqueles que estejam envolvidos na programação de ações da VISA. O envolvimento da unidade básica de saúde com ações de educação, monitoramento dos problemas e soluções a nível local.
O município de Divinópolis (MG) está na condição de Gestão Plena do Sistema Municipal pela NOB 96, o que significa dizer que o município está habilitado a ofertar serviços de baixa, média e alta complexidade. Apesar da autonomia do município para desenvolver suas ações, é importante a participação do Estado em atividades conjuntas de caráter de assessoria técnica e contribuindo para a transferência de conhecimento técnico para o município.
As equipes já estruturadas da Vigilância Sanitária devem buscar uma atuação integrada com a Vigilância Epidemiológica, Ambiental e outros órgãos intra e extragoverno que possibilite a formação de uma rede de proteção em favor da saúde do município.

O PROCESSO LEGAL DE ATUAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA

A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8080) em seu artigo l8, afirma que é do município a competência para execução das ações de vigilância sanitária embasadas em leis federais e municipais, mas o município também pode legislar de forma complementar.
Apesar da autonomia e independência das ações das Vigilâncias Sanitárias Municipais, o trabalho integrado e articulado com os níveis de competência do SUS, é benéfico e garante maior eficácia no trabalho das VISA.
Assim, cabe ao nível federal a organização e implementação de uma política nacional de Vigilância Sanitária; legislar sobre normas e padrões técnicos para todo o território nacional; validar tecnologias médicas; exercer o controle sanitário de portos, aeroportos e fronteiras; entre outros. Estas funções em alguns casos são exercidas com a participação de Estados e municípios.
Aos estados cabem: coordenar e programar uma política estadual de vigilância sanitária; legislar complementarmente ao nível federal; executar, supervisionar e avaliar as ações das VISA municipais; entre outros.
Assim, cabe aos municípios a execução e implementação das ações de vigilância sanitária. Para isso, conta com a cooperação financeira e técnica da União e do Estado.
Como prevê a Constituição, a União poderá intervir nos serviços estaduais e o Estado nos serviços municipais, nos casos omissos ou que resultem em lesões ou agravos à saúde da população.
Vale ressaltar, o município deve oficializar a nível regional do SUS as ações que serão executadas, segundo as condições estabelecidas pela NOB/SUS/96, para que não haja duplicidade de ações.
Dentre os passos para a municipalização das ações de vigilância sanitária está a aprovação do Código Sanitário Municipal ou adotar o Código Sanitário Estadual na câmara dos vereadores. O Estado de Minas Gerais possui seu próprio Código de Saúde e foi regulamentado pela Lei l3317 de 24 de setembro de 1999. Já o município de Divinópolis possui seu Código de Saúde aprovado pela Lei Complementar nº. 030 de 17 de setembro de 1996.
Outros passos são: recolhimento de taxas, tributos e multas decorrentes do poder de polícia. Elaboração de impressos próprios para o exercício da fiscalização; emitir credencial para os profissionais que exerçam as atividades de vigilância sanitária.
Percebe-se na prática da vigilância sanitária que os profissionais de saúde possuem pouco conhecimento a respeito do aspecto legal e do risco de sua atividade. Muitas vezes o conhecimento está restrito a questões de biosegurança. Daí a importância da orientação de profissionais e estudantes de saúde, em especial de odontologia, para ações que possam trazer risco à saúde do profissional, equipe auxiliar, como das pessoas que serão atendidas no consultório e deve englobar: condições físicas do consultório, o uso de equipamentos de proteção, vacinação, gerenciamento de resíduos, processamento de artigos (esterilização e desinfecção), produtos e equipamentos registrados e no prazo de validade, laudo radiométrico e teste de constância para equipamentos de RX. Além do aspecto legal para abertura e funcionamento de um estabelecimento de saúde.
Entretanto, exigi-se tanto do setor privado, mas como estão as condições de funcionamento dos estabelecimentos públicos de saúde onde grande parcela da população é atendida? É urgente a produção de um número maior de pesquisas que avaliem as condições sanitárias dos estabelecimentos públicos de saúde, em especial os consultórios odontológicos, e que os gestores municipais "coloquem o dedo nesta ferida" e exponham as reais condições dos estabelecimentos ao invés de ficar varrendo a sujeira para debaixo do tapete.

RECURSOS HUMANOS EM VIGILÂNCIA SANITÁRIA

A composição da equipe de vigilância sanitária não segue um padrão oficial e dependerá da organização, recursos financeiros, demandas de serviço e infraestrutura física e perfil profissional alocado.
O importante é que os profissionais tenham formação e capacitação compatíveis com as funções a serem desempenhadas. O que significa dizer que a equipe deve ser multiprofissional, pois, os campos de atuação da vigilância sanitária se interrelacionam.
Em relação à função de fiscalização, por exemplo, de um consultório odontológico envolverá conhecimentos: equipamentos e procedimentos específicos em Odontologia; esterilização de materiais gerais e específicos; medicamentos; radiação ionizante; segurança do trabalho; cuidados com os resíduos e meio ambiente, entre outros.

VIGILÂNCIA SANITÁRIA E PROMOÇÃO DA SAÚDE

À medida que o sistema de saúde público brasileiro se consolida novos desafios surgem para atender as demandas por saúde da população. O pacto em defesa do Sistema Único de Saúde definiu uma agenda de compromissos pela saúde (Pacto em Defesa da Vida, Pacto de Gestão e Pacto pela Vida) entre os três entes federativos. Em linhas gerais propõe uma política de saúde transversal, integrada e intersetorial que promova o diálogo entre as diversas áreas do setor sanitário e do governo, setor privado, não governamental, com a participação da sociedade com o objetivo de criar redes de coresponsabilidade em que todos sejam partícipes e responsáveis pelos cuidados com a saúde.
Os constantes processos de mudanças econômicas, políticas, culturais e sociais refletem diretamente no estado de saúde de indivíduos e populações. A promoção da saúde, como estratégia de saúde, contribui na construção de ações que possibilitam responder às necessidades sociais em saúde e enfoca novos aspectos que determinam o processo saúde/doença em nosso país, como: fome, violência, qualidade da água e ar, acesso a educação e moradia, entre outros. O que quer dizer que ações e serviços de saúde devem extrapolar os muros das unidades de saúde e do sistema de saúde e atuar sobre as condições de vida da população, proporcionando a ampliação de escolhas saudáveis, individuais e coletivas.
A odontologia deve assumir seu papel chave dentro do cenário coletivo de promoção da saúde. Pereira, AC et al. em Tratado de Saúde Coletiva em Odontologia, 2009 p. 435 pergunta: Por que a promoção da saúde precisa alcançar as práticas de saúde bucal? O autor responde que: melhorar as condições de saúde bucal e reduzir desigualdades implica, necessariamente, no envolvimento ativo da profissão odontológica em estratégias de promoção de saúde bucal.
As políticas públicas devem, cada vez mais, estimular a participação social e o exercício da cidadania numa articulação com todos os sujeitos envolvidos: movimentos sociais, trabalhadores da saúde e gestores na busca pela melhoria da qualidade de vida da população e da construção coletiva de saberes que reduzam as situações de vulnerabilidade em saúde.
Entretanto, persiste o desafio de organizar estudos e pesquisas para identificação, análise e avaliação de ações de promoção da saúde que operem nas estratégias mais amplas que foram definidas em Ottawa (BRASIL, 1996) e que estejam mais associadas às diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde na Política Nacional de Promoção da Saúde, a saber: integralidade, equidade, responsabilidade sanitária, mobilização e participação social, intersetorialidade, informação, educação e comunicação, e sustentabilidade (BRASIL, 2005).
O Plano Diretor de Vigilância Sanitária (Portaria GM/MS n°. 1052, de 08 de maio de 2007), norteia as diretrizes para a consolidação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS). É um importante instrumento de planejamento e integração, respeitando as diversidades locoregionais do Brasil. É um instrumento de eleição de prioridades em vigilância sanitária (VISA) com definição de responsabilidades e pactuações e integrado às demais ações de saúde desenvolvidas no SUS. A elaboração do PDVISA contou com a participação dos mais variados atores das três esferas de governo e possui papel estratégico, político e pedagógico de reafirmação da Vigilância Sanitária no campo da Saúde Pública.
O conceito fiscalização refere-se à ação verificadora do cumprimento da norma, e se dá muitas vezes, mediante a inspeção dos estabelecimentos, atividades e ambientes. O termo controle é mais amplo, portanto, mais apropriado para definir as ações sanitárias, pois, inclui a fiscalização e se estende desde a regulamentação até as ações educativas e de informação ao consumidor (ROZENFELD, 2009).
Com a adoção de um conceito ampliado de saúde a vigilância sanitária também assume um novo conceito com ações de promoção e proteção à saúde como interventor na construção do acesso aos bens essenciais de interesse da saúde; devendo ser revalorizadas as ações educativas e de desenvolvimento da consciência sanitária, estendendo a compreensão da Vigilância Sanitária para além do seu caráter regulador.
Desse modo "Os profissionais de saúde, de forma geral, devem estar preparados para realizar ações próprias de assistência à saúde, para atuar na identificação de riscos sanitários potenciais e danos à saúde da população de seu território, bem como saber agir de forma multidisciplinar e intersetorial na proteção e promoção da saúde" (Brasília 2007).
Dentre as diretrizes propostas pelo PDVISA está: "Produção e disseminação do conhecimento em Vigilância Sanitária, com a participação de outros atores sociais tais como: segmentos da sociedade civil organizada, setor regulado, instituições de ensino e pesquisa, profissionais de saúde, etc; fomento à efetivação de parcerias entre SNVS e instituições de ensino e pesquisa -nacionais e internacionais- para o desenvolvimento de projetos em Vigilância Sanitária, de forma que aprimore suas práticas e bases de ação; incentivo à produção de pesquisa pelos serviços de Vigilância Sanitária" (PDVISA, 2005).
Portanto, a Promoção da saúde, como parte integrante do movimento da saúde coletiva, deve interpretar a cultura populacional e suas formas de exercício de poder, e apoiar as forças transformadoras que buscam encontrar as maiores potencialidades para a vida com saúde (Pereira, AC. 2009, p. 438).

UM CAMINHO PARA A CONSTRUÇÃO DA CONSCIÊNCIA SANITÁRIA

A partir da criação dos conselhos de saúde pela Lei n°. 8142/90 novos espaços foram abertos para a participação da população na elaboração, controle e implementação de políticas públicas em saúde. Outro espaço de participação é a Comissão Intersetorial de Vigilância Sanitária e Farmacoepidemiologia descrita no Artigo 13, inciso III da Lei n°. 8080/90 e tem como finalidade a articulação da Vigilância Sanitária com as demais áreas da saúde.
A I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária, realizada em 2001, teve como tema a efetivação do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária para a proteção e promoção da saúde, bem como a construção da cidadania.
Entretanto, as instâncias formais de participação popular perdem seu valor se a sociedade não souber o que é vigilância sanitária e da importância do seu papel na proteção e promoção da saúde. Portanto, se faz necessário à elaboração de estratégias e ações que elevem a consciência sanitária da população para que a real participação popular se efetive.
Um dos caminhos é a articulação interinstitucional entre a universidade e a vigilância sanitária na criação de espaços para discussão, capacitação e pesquisa que desenvolvam o nível de compreensão do que é vigilância sanitária para profissionais de saúde. Assim, é possível a execução de atividades educativas e de comunicação permanente que possam conscientizar a sociedade na percepção do que é risco sanitário e como fazer escolhas saudáveis. Quanto maior o nível de consciência sanitária de profissionais de saúde e da população maior será a capacidade de escolha por produtos e serviços de qualidade e consequentemente a exposição ao risco de adoecimento diminui.
A educação sanitária é uma pratica educativa que induz um determinado público a adquirir hábitos que promovam a saúde e evite a doença e tem de ser um processo contínuo, permanente e construído na medida em que o indivíduo aprofunda seu conhecimento. O foco da educação sanitária deve estar voltado para profissionais e população em relações de interação, comunicação, cooperação e responsabilidade conjunta em solucionar problemas.
A comunicação e a educação podem ganhar expressão concreta nas ações de mobilização dos profissionais de saúde, da comunidade e dos movimentos sociais, para que esses atores reconstruam suas praticas. O desenvolvimento de instrumentos e mecanismos que possibilitem o diálogo entre os segmentos da sociedade, como os fóruns de discussão e as audiências públicas, são outras estratégias de estimulo à participação da sociedade que podem estimular o debate dos principais desafios da área (PDVISA, 2005).
Segundo a Carta de Otawa, a promoção da saúde e a "[...] capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo" (Brasil, 2002, p.19). O que demonstra a necessidade de empoderamento das pessoas como atores principais na manutenção da saúde individual e coletiva.
A educação sanitária, a participação da comunidade, o controle social, são instrumentos que aos poucos estão sendo incorporados às práticas da vigilância sanitária.
A informação, a educação e a comunicação são instrumentos fundamentais para a democratização do conhecimento e desenvolvimento das práticas em VISA. Também contribuem para a formação de cidadãos conscientes contra as práticas nocivas do sistema produtivo.
O uso da informação permite também intervir nos problemas sanitários e na prevenção de riscos à saúde e, consequentemente, no processo de proteger e promover a saúde (Moraes, 2001).
É preciso criar canais de comunicação com a comunidade, consumidores, profissionais de saúde, instituições, ministério público, universidades, sindicatos e usuários, com o objetivo de informar e orientar o mais claramente possível, não somente aqueles que estarão sujeitos a controle sanitário, mas também a população, no que se refere ao encaminhamento de reclamações, denúncias, direitos, conhecimentos técnicos e normativos, etc. A extensão do conjunto de atores sociais e a visibilidade nas práticas de VISA, mediante articulação intersetorial e intrasetorial, conhecimento transdisciplinar e ações informativas e de educação, poderão ampliar o seu universo de ações promotoras de saúde (Campos; Werneck; TONON, 2001).
Uma fiscalização que não gere informação ao consumidor perde o sentido; uma punição que não estabeleça uma rede social de condenação tende a se tornar uma ação repetitiva e passiva de proteção corporativa; a análise de uma propaganda ou informação enganosa nas especificações técnicas dos produtos só rompe o círculo da ideologia do consumo se consegue se tornar um patrimônio da coletividade (Campos; Werneck; TONON, 2001).
Não basta elaborar relatórios quantitativos com o número de inspeções realizadas, interdições, cadastramentos e multas expedidas. Estas informações pouco contribuem para a construção da consciência sanitária.
Neste contexto, a criação de canais de participação social, consignada na Lei nº. 8080/90, configura-se um grande desafio. Uma alternativa para a aproximação do Estado com o cidadão é a consolidação das ouvidoria, não só como canal para recebimento de reclamações, mas também, como fonte de informação e dados importantes para avaliação e análise do direcionamento administrativo a que se vincula. Consequentemente, um melhor atendimento ao usuário/cidadão.
A criação de canais de difusão de informações, dinâmicos, de fácil acesso e horizontalizados, captando a realidade do cidadão em seu espaço social e suprindo-o de informações necessárias para torná-lo ativo, constitui-se em um instrumento que promoverá a legitimidade dos serviços da VISA (Campos; Werneck; TONON, 2001).
Portanto, o acesso à informação é importante para estimular a participação popular e na formação de cidadãos conscientes. E quem deve promover este "acesso à informação" é o Estado em todos os seus níveis.
Vale citar o estudo de Arnstein (1969), que descreveu uma escada de participação cidadã dividida em três níveis e 8 degraus. Cada degrau acima aumenta o grau de participação popular. Nível da não participação: 1- manipulação; 2- terapia. Nível de concessão mínima de poder: 3- informação; 4- consulta; 5- pacificação. Nível de poder cidadão: 6- parceria; 7- delegação de poder; 8- controle cidadão.

O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA CONTRUÇÃO DA COSCIÊNCIA SANITÁRIA

É consenso que a pesquisa é ferramenta importante para a tomada de decisões na definição de políticas e no planejamento em saúde, contribuindo para a melhoria das ações de promoção, proteção, recuperação da saúde e a diminuição das desigualdades sociais (PDVISA, 2007).
Observa-se que os profissionais da vigilância sanitária necessitam de conhecimento aprofundado em legislações relacionadas a produtos, serviços, ambientes e equipamentos. Além de conhecimentos em direito sanitário e saúde pública. O que torna necessário o desenvolvimento de planos de capacitação, formação e qualificação do profissional em vigilância sanitária para o desenvolvimento de uma atuação crítica, imparcial e autônoma, o que é fundamental para a melhoria do processo de trabalho.
Outro ponto é que para promover saúde o profissional deve mudar sua visão do aspecto curativo para o aspecto preventivo das doenças. Sobretudo saber dimensionar o que é risco, como minimizar e como não se expor. Para que isso ocorra é necessária à preparação dos profissionais de saúde para atuar interagindo com profissionais de outras áreas, de maneira a ampliar e integrar seu conhecimento, permitindo a abordagem do individuo como um todo. A isso se junta o conhecimento de que a prevenção primária deve ser estimulada tanto sob o aspecto econômico, biológico e sanitário. Cabe ressaltar que o ensino superior em saúde cumpre parcialmente seu papel na formação de profissionais orientados para trabalhar com o SUS e pelo SUS nem mesmo comprometido com o controle social.
Historicamente no Brasil, as ações referentes à saúde individual têm merecido mais atenção do que aquelas referentes à saúde coletiva. As ações da Vigilância Sanitária talvez sejam uma das práticas coletivas mais negligenciadas pelas políticas de saúde. Com equipes insuficientes, sem acesso a treinamentos e atualizações, submetidas a baixos salários, exposição a conflitos de interesses financeiros e políticos, agressões físicas e morais, dentre tantos outros problemas.
Infelizmente, a vigilância sanitária só é lembrada em casos de repercussão nacional e com grande apelo da mídia e não como prática capaz de promover a proteção e melhoria da qualidade de vida e saúde da população.
O movimento para a municipalização das ações de saúde em poucas experiências incorporou as ações de vigilância em sua programação. Em um grande número de municípios as ações são executadas pelo Estado, em muitos casos distantes da realidade municipal.
A vigilância sanitária deve fazer parte do planejamento das ações programáticas de saúde e adquirir prioridade política. Assim, a vigilância sanitária deverá ser entendida como componente da atenção integral à saúde com práticas de promoção e prevenção de riscos e um forte instrumento educativo em saúde, que é fundamental para a melhoria de sua eficácia. Apesar das especificidades das ações de vigilância sanitária ser voltada para a regulação de produtos e serviços é importante a abertura de espaços de interlocução com o meio acadêmico para a produção de pesquisa cientifica e o reconhecimento dela como parte da saúde coletiva, tendo em vista, seu caráter multiprofissional, intersetorial e interdisciplinar.
Ações educativas desenvolvidas no âmbito da vigilância sanitária são restritas e acontecem de forma esporádica e pontual. Um dos principais desafios da construção sanitária é promover o acesso à informação para toda a população e não somente para parte dela.
A vigilância sanitária deve assumir seu papel de promoção e proteção da saúde através da disseminação de informações sobre a qualidade de produtos e serviços, principalmente os públicos, disponibilizados para a população que se encontra em situação de vulnerabilidade sanitária. Cobra-se do setor privado, mas como está a qualidade do serviço público de saúde?
Muitos profissionais de odontologia conhecem apenas o lado regulador da vigilância sanitária. Em virtude disso, a importância do desenvolvimento de atividades de construção da consciência sanitária.
Outro aspecto é que a maioria dos municípios brasileiros não possui um dentista na equipe de vigilância sanitária. Nem por isso as ações de regulação em Estabelecimentos de Assistência Odontológica deixam de ser executadas apesar da especificidade das atividades odontológicas. O que reforça que a vigilância sanitária pode e deve ampliar o seu leque de atuação e incluir no seu método de trabalho ações que estimulem o diálogo e a troca de experiências entre profissionais de saúde e sociedade servindo como interlocutora desse processo.
Essa triangulação entre sociedade, vigilância sanitária e universidade constitui um importante espaço para a construção da consciência sanitária.
Portanto, a transmissão do conhecimento técnico-científico não pode ser considerada como uma benesse assistencial ou ato de favor de seus detentores, tanto de poder como do conhecimento. As pessoas devem ter acesso fácil, oportuno, e compreensível a dados e informações, que devem ser claros, sem conter ambigüidade, precisos, fidedignos e transmitidos de forma adequada, através de sistemas visuais e auditivos que mobilizem a atenção e motivem sua utilização.
As ações de educação sanitária devem contribuir, decisivamente, para transformar o dever do Estado em estado de dever, que é função de todos: indivíduos, instituições, coletividades e governos.




7- REFERÊNCIAS


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OBRIGADO!

EMILIO PRADO DA FONSECA