Cosmos - Futebol de rua de minha infância

Por johnny wilson batista guimaraes | 29/07/2009 | Contos

Éramos o único time treinado por uma técnica. E por isto aceitávamos pacificamente a idéia de sermos diferentes.

Estávamos treinando havia dias para o confronto de domingo. No campeonato do bairro São Marcos, enfrentar o FERMAPE era lutar contra a elite. Os caras tinham camisas com patrocínio, treinador com currículo e pareciam todos loiros.

O nosso Cosmos tinha um conjunto de camisas dado por um deputado eleito e tinha o craque Nem. As camisas faziam tanto a propaganda do deputado que era impossível não imaginar que nosso time fosse o VASCONCELOS. Para completar a alegoria, o Nem lidava com o ápice de uma micose que ruía sua auto-estima. A micose rendara-lhe o apelido de Torresmo. Nosso camisa 10 sofria com a conseqüência do mergulho na lagoa da Pampulha, deixando o time com poucas chances.

Mas seguíamos na esperança de vencer o FERMAPE, até a véspera do jogo, encorajados pela voz de nossa técnica.

Acontece que a realidade quando se apresenta tem jogadores demais.

Começamos o jogo e já perdíamos por um a zero, sem nem perceber como tomei aquele gol. Seguramos vinte minutos o placar, até que houve uma falta perto da área. Imaginei que podia agarrar e afastei a barreira. O craque do FERMAPE tomou distância e lançou outro chute no ângulo.

Saltei como se esquecesse a importância dos olhos em volta. Saltei como se escrevesse por um caminho seguro. Saltei como um jato e agarrei direitinho aquela bola coquinho, impedindo o segundo gol.

1 x 0.

E fomos para o segundo tempo.

O Tande entrou bem no jogo e Nem se mostrou grande torcedor na reserva. Tande fez um a um. O Dengo, mesmo amarradinho, conseguiu marcar o dele. Ganhávamos por dois a um e não acreditávamos. Nossa técnica, sempre tão próxima a um homem severo, deixava alguns gritinhos chegar a nossos ouvidos.

No último minuto do segundo tempo, o FERMAPE conseguiu um contra-ataque veloz. Em dois passos, o kaká do time estava a poucos metros da área, e deixava o Binha, nosso zaqueiro, deitado na quadra. Veio em minha direção e, antes de atirar, disse:

- Pega goleirinho!

O chute veio forte como o do meu pai. Aquela defesa talvez fosse minha convocação para o FERMAPE e a glória do Cosmos. Saltei e vi que meus reflexos eram de outro mundo.

A defesa conseguiu segurar a vitória do domingo e o sorriso para sempre da galera.

Nunca fui convocado para o FERMAPE, que era um time de meninos ricos.

O Cosmos durou pouco, menos que a micose do Nem.