Cortando dinheiro com a professora!

Por Eloy Ribeiro de Souza | 28/02/2013 | Crescimento

Cortando dinheiro com a professora!

Naquele fevereiro de 1967, em minha casa, sabia que estava ocorrendo algo “diferente”. Não tinha certeza do que era  mas sabia que “algo” estava fora da normalidade da minha casa. Para falar em normalidade, por favor, leitor(a), imagine uma casa onde havia 5 filhos, um papagaio, uma arara, um viveiro de pássaros no fundo do quintal, ao lado do pé de laranja lima, um cachorro “policial”, mais uma  ajudante de minha mãe e sua filha Elizete, e, finalmente meu pai.
Conseguiu imaginar como era a “normalidade” da casa?

Havia duas cozinhas, uma “dentro de casa” e outra, com fogão de lenha e tudo, mais afastada. Lá nos fundos da casa, logo depois do pé de ponkan, e antes de chegar à caixa d’água!  A casa, de madeira, pintada de marrom, com todo mundo dentro. Um bagunça só. Bagunça organizada, planejada, dirigida e comandada pela enérgica e suave mão de ferro de minha mãe.

Bem, naquele fevereiro de 1967 eu com 9 anos de idade, ouvi meu pai comentar que estava mudando o dinheiro.

Eu sabia, mais ou menos, o que era “dinheiro”.  Tinha nove anos e ia à escola. Ouvi meu pai falando em cortar três zeros e imaginei uma tesoura cortando as cédulas  com as “fotografias” de Pedro Alvares Cabral, Tiradentes, Marechal Deodoro...
Não entendia o objetivo de fazer aquilo? Será que, cortando o dinheiro poderíamos comprar duas vezes mais coisas? Com Cem Cruzeiros, ou UM DOM PEDRO II, eu ia à matinê do Cine Avenida, pagava a entrada e ainda comprava dois Ki-Bambas (um doce de coco com chocolate). Se cortassem o dinheiro eu poderia ir duas vezes ao cinema e comprar quatro Ki-Bambas? Saí de casa para ir à escola, bastante ensimesmado com o assunto.

Não tínhamos aulas separadas naquela época. Era uma professora só que nos ensinava todas as matérias, além de como devíamos nos comportar, não só em sala de aula, mas, e principalmente, na vida.  Nos limitava em nossas estripulias. Impunha-nos a capacidade de discernir o certo do errado. O que PODIA e o que NÃO PODIA. A minha professora, a linda e doce Dona Alice Viterbo dos Reis, naquele dia, viu-me mais calado. Mais “troncho” das ideias. Depois de fazer a chamada, passou umas frases no quadro negro (naquela época, escolinha de madeira, o quadro realmente era negro. Não verde como hoje) para que copiássemos no caderno de caligrafia. Assim que terminou de escrever as frases, chegou até minha “cadeira” (Sim! Cadeira, com tábua para apoiar o caderno. Sim também! “O” caderno. Eu só tinha UM caderno) e perguntou-me o que tinha acontecido. Falei-lhe sobre cortar o dinheiro e ela, sem sorrir nem nada,

Didática e pedagogicamente, falou-me o que significava o “corte” dos três zeros. Nada tinha a ver com tesouras, facas ou qualquer objeto cortante.

Bem, estou falando tudo isto para lembrar a importância que os professores da educação básica tem no desenvolvimento de nossa personalidade. Não somente ao nos ensinar matemática, geografia ou história mas, principalmente pela marca indelével que deixa em nossas vidas.

Depois da Dona Alice, devo ter  tido mais de 200 professores. Todos eles de importância fundamental para o meu desenvolvimento,  pessoal  e profissional, mas, nenhum destes mentores foram tão marcantes quanto a Dona Alice.
Assim como eu, creio que bilhões, sim leitor, não há engano não, eu disse BILHÕES de pessoas, durante a história da humanidade tem um carinho especial por sua professora de ensino fundamental.

Segundo levantamento da ONU, Banco Mundial, e a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), professores brasileiros tem um dos piores salários do mundo para professores de ensino fundamental.

Vejam trechos da reportagem deste estudo: “Em uma lista de 73 cidades, apenas 17 registraram salários inferiores aos de São Paulo, entre elas Nairobi, Lima, Mumbai e Cairo. Em praticamente toda a Europa, nos Estados Unidos e no Japão, os salários são pelo menos cinco vezes superiores ao de um professor do ensino fundamental em São Paulo.”

E mais “professores que começam a carreira no Brasil têm salários bem abaixo de uma lista de 38 países, da qual apenas Peru e Indonésia pagam menos. O salário anual médio de um professor em início de carreira no País chegava a apenas US$ 4,8 mil. Na Alemanha, esse valor era de US$ 30 mil por ano.

Oras leitores, é facílimo perceber que não há o mínimo esforço para o incentivo e desenvolvimento da carreira de professores no Brasil e isto, com o tempo, torna-se um círculo vicioso pois, quanto menos “qualidade” de ensino temos no “básico” maior é a carga sobre o ensino médio e superior para suprir as deficiências que não existiriam se de outra forma nós agíssemos.

A prova disto é que média acima de 38% dos alunos universitários do Brasil são analfabetos funcionais. Ou seja, não tem a compreensão plena daquilo que estão lendo, e estes, “analfabetos funcionais”, serão nossos futuros médicos, advogados, administradores,  juízes, formando uma sociedade em que cada vez menos haverá exigência de “talentos”. Uma sociedade abaixo da média. Sem valores morais. Sem ética. Sem discernimento entre o “certo” e o “errado”.

Uma sociedade sem limites de responsabilidades individuais. Onde o “grupo médio” será formado pelos menos “analfabetos funcionais”.

É na infância que adquirimos (ou não) nossos bons hábitos. É lá que, ao quebrarmos o círculo da família para ingressarmos no circulo social temos nossos primeiros “NÃOS” da vida. A imposição pelo respeito ao alheio, dá-se nesta fase. Uma criança incentivada à “pensar” desde cedo, dificilmente será um preguiçoso contumaz em leitura. Não terá ORGULHO em ter se formado na “escola da vida”. Aquele que, tendo a oportunidade de desenvolver-se no ensino regular, a qualquer tempo da vida, despreza-o em  função do orgulho de estar “formado na vida” nada mais é que uma criança mal instruída. Pode ser um líder mas,  nunca será um bom exemplo.
O hercúleo esforço envidado por  nossas professoras para que tenhamos um sociedade,no mínimo,  digna, esbarra,de forma geral, nas péssimas condições em que trabalham.Num salário inferior (e muito inferior) à responsabilidade que lhes é imputada. Nas condições físicas das escolas. Muitas (ainda) sem manutenção. Com goteiras. Sem segurança. Com “crianças” que, apoiadas por um ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente,  que há muito deixou de cumprir a sua função ou então,com função completamente desvirtuada do espírito dos legisladores, partem a má educação extrema. Xingamentos aos professores torna-se ato banal e, por vezes, até motivo de  idolatria por parte daqueles que o praticam. Violências físicas, tanto contra professores e funcionários das escolas, quanto ao próprio bem público, passam impunemente. Em nenhum tipo de “limite”.

Culpa  dos diretores, professores e funcionários? Lógico que não. São mal remunerados e mal treinados. Fazem o possível pelo melhor. As   vezes conseguem.
A educação básica é de responsabilidade do Município, ou seja, em última instância, do Prefeito,vereadores e juízes da comarca.

Então a culpa é do município? Claro que não! De todos os impostos arrecadados pela população, em torno de 43% de tudo que é produzido, somente 4,5% é imposto municipal. 25,5% são impostos estaduais e 70% impostos federais.

Explicado melhor, de cada R$ 1.000,00 que você paga de impostos, somente R$ 45,00 são para o município. O restante, ou seja, R$ 955,00 são impostos estaduais e da União.

Mas não vivemos nem no Estado nem na União. Vivemos no Município. Ao lado de vereadores, prefeito, juízes.

Com a arrecadação de 4,5% o executivo municipal tem que dar andamento a todos os seus projetos de desenvolvimento além de custear a máquina pública e, você há de convir comigo, sobra pouco para isto.

Mas então, Eloy, você me pergunta, se as dificuldades da Educação Básica não são culpa da Escola, seus diretores, professores e funcionários. Não é culpa do Município e o Estado e a União estão distantes, a “culpa” é de quem?

 Sua leitor(a). A culpa é sua. Por diversos motivos  mas, como estou me alongando, vou citar apenas alguns:

-  Quando você VOTA, tem que saber muito bem em quem está votando. Conhecer, primeiramente, o partido que tenha uma linha ideológica que mais se aproxime com seu jeito de pensar. Se  dá importância prioritária à educação, saúde, segurança...! Se dá ou não importância à temas sensíveis que você discorda ou não, tais como, liberação ou não de aborto e drogas, ateísmo ou religiosidade, sistema de diferenciação étnica (cotas) para escolas e mercado de trabalho, tudo de acordo com o seu pensamento. Depois, dentro deste partido, escolher aquele candidato que melhor lhe inspire confiança nos quesitos de competência administrativa, honradez e seriedade no trato com a coisa pública.

-  Depois que você votou, e como já dissemos que você vive no município, quantas vezes você foi à câmara Municipal participar das sessões legislativas?  Saber o que os vereadores estão fazendo ou deixando de fazer de bom ou ruim para o município? Participar é questão fundamental para que você conheça como os eleitos agem e, tanto quanto possível, ajuda-los em seus projetos de desenvolvimento.

E por último, mas não por fim, visitas rotineiras às escolas. Voluntariando-se para ajudar. Se você é marceneiro, ajudando na recuperação de carteiras e mesas. Se pintor, na mão de obra para repintar muros e prédios. Se cozinheira, participando com novas receitas e disponibilizando-se para ajudar nas festas escolares. Não tenha dúvida, sempre se pode ajudar quando se quer. Nem que seja, contando histórias da sua vida. Fazendo nascer sonhos e esperanças nas mentes infantis.

Mas, agora sim, principalmente, pelo respeito e carinho que todas as professoras de educação básica merecem. No Japão, todos os súditos tem que prestar reverência ao Imperador, mas, é o Imperador que presta reverência aos professores. A cada vez que você passar por uma escola municipal procure conhecê-la. Fale aos diretores e funcionários da importância do trabalho deles. Coloque-se à disposição para ajudar na medida  que puder. Lembre-se,  caro(a) leitor(a): se você está lendo este artigo, muito provavelmente teve uma professora para ensina-lo(a).  Portanto, se não por questão de cidadania, pelo menos por questão humanitária: Lembre-se das professoras que te ensinaram a ler e escrever. Elas fizeram e farão, perenemente,  parte de todos os seus próximos dias. Assim como a Dona Alice Viterbo dos Reis, faz parte da minha vida, com ou sem o CORTE DO DINHEIRO. Para sempre!