Coronel George
Por Joaquim Renato de Moraes Barros Filho | 17/12/2015 | ContosNa ultima quinta 03/12/15, iniciamos a viagem pra saber se o Jeep Coronel George tava aprovado depois de uma grande reforma - a ideia era conhecer a lagoa do Cassó, com 7km de comprimento e 800m de largura, no município de Primeira Cruz-MA, próximo a Barreirinhas. O nome Coronel George é uma homenagem ao primeiro dono do Jeep e que é pai da amiga Thays.
Os integrantes, minha afilhada Cacau, 11 anos e Tauari, um amigo de Imperatriz, experiente em aventuras, que já trabalhou puxando tora de madeira na Amazônia, foi de moto de São Luís para o Peru sozinho, pela transamazônica e é fotografo de ralis regionais e nacionais, além de ter uma disposição pra ajudar impressionante.
No Jeep, além das bagagens, um isopor com 60% de piriguetes, 20% de gelo e outras coisas sem nenhuma importância tipo água, suco...
Tudo pronto iniciamos a viagem e o Coronel George com uma certa dificuldade na hora dar a partida no motor. Considerando a idade do Jeep, fabricado em 1971, relevamos esse detalhe e partimos. A primeira grande parada foi no posto maracanã, quando o CG (Coronel George) puxou o facão e disse que "daqui não saio, daqui ninguém me tira". Ligamos para o mecânico, falando os sintomas e logo chegou um eletricista com uma nova bobina. Enquanto esperávamos, fomos almoçar na churrascaria do posto. Carro consertado, lá pelas 14:00 pegamos de novo a estrada e como era plano, paramos pra comprar camarão seco pra comer com a farinha, que já tava no carro. Na repartida outra zanga do CG. Não pegou nem a pau. Agora ao invés do eletricista, veio o Labiga, dono da oficina. Ele identificou que o problema era o alternador que tava gerando 30V ao invés dos 12V esperados e isso tava detonando a bobina. Foi doído ouvir o veredito, às 17:30: "Tem que voltar pra oficina pra arrumar". Dai o Arlindo, amigo de Itz de longas datas, foi acionado pra rebocar o CG nos 60 km que, a duras penas, tínhamos conseguido percorrer.
No segundo dia fui para a oficina e testei o CG com o Labiga. Tudo certo, vamos simbora. Quando perguntada, Cacau me respondeu: "—vou mais não, ontem foi demais pra mim".
Passamos num eletricista pra melhorar a gambiarra do ventilador auxiliar instalado para diminuir a temperatura da água do radiador. A instalação feita pelo Labiga era totalmente manual, de modo que quando houvesse necessidade o caba tinha parar o carro e ligar os dois fios nos bornes da bateira. No eletricista foi colocando um botão de liga/desliga no painel, um relé e um fusível, semi automatizando o acionamento do ventilador.
Viagem tranquila, com a bobina fria, so sendo alertado pelo Tauri pra eu não passar dos 60km/h, por cautela. Velocidade esta medida no GPS porque no velocimetro do CG só dava 40 km/h.
Dez quilômetros depois de morros, paramos na ponte sobre o rio Una que o Tauari supreendentemente não conhecia. Foi lá que, corajosamente (morrendo de medo), pulei pra ensinar os filhos ainda crianças, Norami e Fabinho, a fazer o mesmo. Tauari pulou primeiro e eu, talvez com mais medo do que a primeira vez, pulei em seguida.
Chegamos à entrada da lagoa ao entardecer e ao trecho mais pesado da trilha, com muita areia a ser cortada, já noite fechada, com uma lua em quarto minguante. Como limite estabelecemos a temperatura da agua do radiador em 80ºC . Atingido o limite, fazíamos uma parada e esperávamos baixar a temperatura.
Chegamos na lagoa do Cassó, na pousada do Diambinha, e jantamos um bode ao leite de coco. Do que sobrou do bode, um frito foi feito pra ser consumido em momentos de precisão. Lá também, para quem se interessar, tem outras pousadas, como a do Gaúcho.
Na pousada o Tauari já fez as devidas apresentações, dizendo que eu era o Coronel George e que o havia contratado como fotógrafo oficial da missão.
Dizia ele: Coronel do exército e que depois de 25 anos de trabalho duro, estava iniciando seu período na reserva, com uma viagem que pretendia chegar até o estado de Alagoas. E completava: o coronel é um sujeito sistemático. Não deve ser contrariado.
No dia seguinte, um passeio de caiaque na lagoa e a decisão de se mandar dali para Santo Amaro, já que o CG tava respondendo bem à trilha, apesar de um pouco preguiçoso na hora de pegar na partida.
Em uma inspeção de rotina descobrimos que o nível de óleo lubrificante tava abaixo do mínimo e que o litro que colocamos, trazido por precaução, não era suficiente. Conseguimos 1/2 litro de óleo para W40 para motor diesel e colocamos pra seguir viagem.
Descobrimos também que o CG não pegava mais, mas bastou em empurrãozinho pra ele funcionar.
Na volta, algumas paradas pra resfriar o motor, sem poder desliga-lo, pois na areia eu e Tauari, não faríamos ele funcionar no empurrão nem querendo.
Uma parada em um lugarejo pra abastecer com gasolina, a primeira que compro a R$4,00/litro, e mais um litro de óleo W40 para motor a diesel sendo adicionado a CG, que agora chegara ao nível normal.
Lá tinha gente pra empurrar o CG e uma cerveja pra esfriar as ideias. Em conversa com o povo, descobrimos que vivem de plantar mandioca pra fazer farinha e tiquira. Pra isso, queimam a terra que demora 15 anos pra poder ser plantada de novo.
Pegamos a trilha para Santo Amaro, lugar que havia ido só uma vez, como passageiro na carroceria de uma bandeirante, quando ficava me perguntando se eu teria habilidade para dirigir naquela 'estrada' que além de ter vários caminhos paralelos tem uma areia volumosa e fofa, combinada com buracos dentro da trilha que fazem o carro pular involuntariamente e te impedem de acelerar e com ladeiras íngremes, cuja redução da marcha ao longo da subida é quase inevitável.
Essa dificuldade deve acabar em breve já que estão asfaltando a estrada. Talvez, não sei ao certo, motivado pela extração de gás na região, que dia 05/12 teve seu segundo poço inaugurado.
O asfalto, por sinal, usa uma tecnologia que eu não conhecia, com a deposição de uma camada de uns 20cm de areia grossa sobre a areia fofa das dunas. Depois é adicionado cimento, que é misturado com grade de arado. Essa mistura é molhada pra fazer um leito duro que recebe o asfalto. Pelo menos foi assim que me explicaram como funcionava.
O primeiro problema classificado como preocupante, ocorreu quando paramos para fotografar uma queimada, no estilo descrito pelos moradores do lugarejo. O pessoal não se preocupa nem com os buritizeiros que indicam que naquela região, em cima da duna, tem água. Queimam de tudo. Na saída o CG parou de funcionar e dai ficamos esperando ajuda. Trinta minutos depois apareceu um sujeito sem muita boa vontade, numa bandeirante, e nos puxou para que o CG pegasse e abrisse caminho pra ele passar.
Chegando em Santo Amaro, já lá pelas 3 horas da tarde, na travessia do rio da cidade, o CG apagou de novo e fomos puxados por um quadriciclo que passava no local.
De lá fomos pra praia pra banhar de rio e beber cerveja. Não almoçamos no sábado, porque fome não tinha, devido aos camarões secos com farinha comidos durante a viagem. A cerveja incha a farinha e a fome acaba.
Em cada lugar da cidade que demorávamos um pouco, o fotografo se lembrava de me apresentar como Coronel, um sujeito sistemático.
À noite fomos atrás de um conhecido que tem pousada na cidade. Marinaldo atualmente trabalha na Vale, em Parauapebas, e sua pousada está alugada para o pessoal que perfura os poços de gás. Do lado, num espetinho, o dono, de 20 anos, disse que poderíamos dormir lá, só que o Tauari achou melhor voltarmos e dormir nas barracas da praia. Concordei com ele. Empurramos o CG e, chegando na praia, fiquei preocupado em ocupar, sem autorização, a única barraca de praia que estava escura – boa pra dormir e vazia.
Resolvemos dormir do sábado para o domingo no Jeep mesmo, que foi estrategicamente posicionado no topo de um pequeno aclive , decisão tomada provavelmente por conta da quantidade de álcool circulando nas veias da tripulação do CG naquele momento. Dormi na frente, sobre dois bancos separados uns vinte centímetros um do outro e Tauari, no banco de trás, que é inteiro uns 20 cm mais curto.
No meio da noite, por umas duas vezes, um chuvisco pra ver se estávamos espertos. Depois das quatro, vencido pelo cansaço, Tauari pegou em sono profundo e ronco alto, deixando o Coronel sem condição nenhuma de dormir. Peguei minha rede, fui atrás de pau pra atar - sem sucesso. Fui à barraca escura e vi escrito: "Cerveja só na ficha. Melhor pra você e pra mim". Resolvi não arriscar, vai que o dono chega e eu ainda estivesse dormindo. Já começar o dia com o couro quente não é bom. Preferir voltar para o Jeep e analisar o padrão de ronco do Tauari, que alias, não segue nenhum padrão. Toda hora é um grunido diferente.
De manhã Tauari foi comer da farofa de bode e notou um gosto estranho. Infelizmente havia sido contaminada por gasolina por conta da distribuição desorganizada das coisas dentro do Jeep, certamente por falta de uma mulher por perto.
Amanhecemos e, preocupados com o fato do carro não ter partida, fomos atrás do único eletricista da cidade, que não pode nos atender motivado por uma cana que havia tomado até as seis da manhã daquele domingo.
Depois de completar o tanque do Jeep e comer uns saduiches que Filo tinha preparado pra viagem e até então não mexidos, partimos para a trilha.
Na saída da cidade um senhor que tava levando um cavalo pra lavar no rio nos afirmou que naquele lugar onde estávamos a passagem do rio era rasa, abaixo do joelho. Metemos o CG e constatamos que só se fosse joelho de girafa. Resultado, CG apagado e Tauari, disposto como sempre, atrás de alguém pra nos socorrer. Chegou montado no trator da prefeitura que nos puxou por mais dois braços de rio, num ato de extrema generosidade, colocando-nos na trilha seca. Nesse momento, devido às aguas profundas que atravessamos, o ventilador auxiliar, que é elétrico, deixou de funcionar.
Logo à frente, um passageiro pediu pra ir conosco e apesar de ser informado da situação não titubeou em embarcar no CG.
Uns 30 minutos depois o CG começou a queimar ruim, coisa que não tinha acontecido até então. Dirigir na trilha, sem poder desligar o carro, sem poder acelerar porque esquentava e não tínhamos mais o ventilador para forçar a refrigeração, andando de segunda marcha detonada porque na terceira ele não tinha força alguma e podia apagar do nada e sem poder usar a embreagem porque logo ela fedia a disco queimado, tendo que frear acelerando por conta dos buraco que faziam o bicho pular mais que cavalo brabo: este era o modo de direção restrito que se impunha dali pra frente.
Pra atender a todos esse requisitos, elegemos como segura uma temperadora de 100 graus C para a água do radiador, coisa que antes era 80.
Meia hora e uns 12km percorridos, do total de 29km de trilha pesada, o CG apagou mais uma vez. Com uma roda levantada e uma corda enrolada à roda, eu e o passageiro tentamos colocar o CG pra pegar. Tauari, nesse momento assumira a direção alegando sua condição de aleijado, por ter so um pé e a metade de outro.
A puxada de corda foi boa mais não o suficiente para o CG colocar seu motor em funcionamento. Numa investigação mais apurada, já que não tínhamos mais nada a fazer a não ser esperar Tauari, que também é mecânico de motos, descobriu que um dos dois parafusos que fixam o regulador de voltagem à carcaça do alternador havia caído. Insistiu em tirar um parafuso de qualquer canto pra colocar lá sabendo que isso era a causa de toda a falha elétrica do CG. Sem alternativa amarramos o regulador com liga e fita isolante. Sabíamos então, a partir dali, que o carro tava falhando exatamente pelo fato de não estar gerando corrente e por isso estar sendo alimentado exclusivamente pela bateria.
Isso era por volta de 09:30h e o primeiro carro de linha previsto pra passar onde estávamos era às 14:00h, mais ou menos. Logo depois ouvimos o barulho de um carro, coisa que nos pegou de surpresa. O carro não ia até o final da trilha, mas naquela altura dos acontecimentos, qualquer tanto pra frente adiantava. Com a bandeirante na retaguarda, e o CG falhando e esquentado seguíamos até a temperatura do radiador chegar em 100ºC, dai o comboio parava. Na segunda parada forçada por temperatura apareceu outra bandeirante, que ia até o Rio Grande, localidade aonde o asfalto da nova estrada já chegou. Este se dispôs a nos ajudar a chegar lá. As duas pessoas das bandeirantes foram muito solícitas e companheiras. Típico do nosso povo.
O CG foi até o asfalto, muito provavelmente porque estava escoltado. Lá pifou de vez: a bateria, coitada, estava só arquejando.
Fomos rebocados até uma oficina onde tinha de tudo: uma bodega com pastel, refrigente e cerveja, um rio com água límpida e temperatura agradável, umas árvores com sombra onde Tauri armou nossas redes, um almoço oferecido ao Coronel e seu fotógrafo: costela de boi curraleiro cozida - uma delicia que o fotografo dispensou, mas o Coronel, que a essa altura já havia confessado não ser detentor de tal patente, comeu que se fartou.
Tinha também um telefone celular ligado a uma antena alta, e através dele foi possível falar com minha mulher, Filó, que pegou um alternador e duas correias no Labiga e incumbiu a Norami e o namorado de viajarem 210km até onde estávamos, trazendo as peças. Previsão de chegada da Norami por volta das 16:30h, daí foi dormir e depois banhar e beber cerveja.
Saímos às 17:30 do domingo e Norami ficou em Morros, com o Namorado pra curtir o feriadão.
Na estrada, encontramos vários componentes do Clube do Jeep de São Luís. Um deles reclamou pra Tauari porque ele não fora fotografar o rali de regularidade que ocorreu em Barreirinhas naquele final de semana. Tauari respondeu que já havia se comprometido com o Coronel pra fazer as fotos de sua expedição. Mais uma vez fui cumprimentado pelo conhecido do Tauari, que exclamou: Bonito Jeep Coronel!
Chegamos em paz, com o CG se comportando como carro novo durante todo o trajeto de volta. Que venha a segunda missão!