CORA CORALINA: A VOZ QUE SE PODE OUVIR

Por Eli Braz da Silva Junior | 21/01/2013 | História

CORA CORALINA: A VOZ QUE SE PODE OUVIR

                                                                                                      1Eli Braz da Silva Junior

     tenbraz@hotmail.com

                                                                                                       Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante

                                                                                                        mrosa@pq.cnpq.br

 

 

 

 

RESUMO

O presente artigo pretende, a partir de umaobra de Cora Coralina, “ História da velha casa da ponte”,  revelar fatos históricos ocorridos no século XIX, na cidade de Goiás, então capital da província goiana. O fato foi testemunhado pela bisavó de Coralina que, por sua narrativa, revelou o cotidiano da sociedade local, ante um crime cometido naquela  cidade. Posteriormente registra-se todo o rumoroso processo em que o acusado é julgado e condenado. A partir daí  tem-se os momentos que antecedem a execução do condenado, que se deu na forca montada em local onde todos poderiam assistir. Tudo isso é narrado por umamulher que tinha, então, 19 anos, sendo posteriormente registrado pela poetisa de Goiás. Este diálogo entre literatura e história, parte do pressuposto que a literatura é também memória, posto que, terreno do sensível, consegue dar sentido ás emoções e ações de um  lugar, de umaépoca, portanto, fonte indispensável para preencher as lacunas que as fontes de arquivos históricos não conseguem abarcar.

Palavras -chave: sociedade, crime, mulher.

    1  Eli Braz da Silva Junior. Ms. História /PUC-Go.

        Maria do Espírito Santo Rosa Cavalcante. Doutora História/ USP, profa. Titular/ PUC-Go.

ABSTRACT

This article, from a Cora Coralina, “ Estórias da Casa Velha da Ponte ” historical facts reveal that have occurred in the 19th century, in the city of Goiás, then goyanna province's capital. The fact of great-grandmother was witnessed by Coralina narrative which showed the daily local society against a crime committed in that city. Later registers all the buzz surrounding procedure whereby the accused is tried and sentenced. From there has been the moments before the implementation of the convicted person, which took place in hanging mounted to location where everyone could watch. It is narrated by a woman who had then 19 years, and subsequently registered by the poet. This dialogue between literature and history, assumes the literature is also memory, since the ground of sensitive, canmake sense of the emotions and actions of a post, a time, therefore, indispensable source to fill the gaps that sources of historical archives cannot encompass. 

Keyword: society, crime, woman.

 

 

 

 

Introdução

Já faz tempo que o ofício do/a historiador/a se cumpria somente com o uso de fontes oficiais/arquivos, para daí retirar informações sobre as pessoas que fizeram parte daquele momento histórico, que estiveram ali enquanto a História se fazia.

Umadas dificuldades experimentadas pelos historiadores/as é, sem duvida, a falta de fontes produzidas por pessoas, que em seu tempo, testemunharam o que hoje se busca conhecer. Existe umalacuna a ser preenchida, pois, não há mensagens diretas do passado que relatem objetivamente os acontecimentos. Cabe, então, ao/a historiador/a buscar os vestígios para desvendar a teia e a tramados tempos idos. Dar voz aos personagens do passado é um desafio ao sacerdócio historiográfico.

Neste sentido, com o advento da História Cultural, reconhece Pesavento (2005, p. 107) “novos parceiros surgem, em função das questões formuladas, das temáticas e objetos novos, das também renovadas fontes com as quais o historiador passa a trabalhar.” O       que acena a possibilidade de se estabelecer diálogo com várias outras áreas do conhecimento, sem perder a singularidade do campo da pesquisa histórica.  A Literatura surge, então, como fonte de estudo em que o/a historiador/a ao lançar mão de suas informações expõe o campo das sensibilidades, por longo tempo negligenciado, como fonte de pesquisa.  “Em contraste, a História Cultural tem um grau primário de certeza, já que consiste, em sua grande parte, emmateriais gerados de modo não intencional, desinteressado ou mesmo involuntário pelas fontes e monumentos.” (Burke, 1937, p. 33)

Compete então ao/a historiador/a conduzir criativamente  o diálogo com as fontes, perguntando,  ouvindo  os silêncios, os sussurros   do tempo. “O historiador permanece historiador neste diálogo, pois a História é o lugar de onde se faz a pergunta.” (Pesavento, 2005, p.109). Sobre o lugar de onde, e como o/a  historiador/a  questiona Peter Burke(1987, p. 33) alerta: “ Como seus colegas da história política ou econômica, os historiadores culturais têm de praticar a crítica das fontes, perguntar por que um dado texto ou imagem veio a existir, e se, por exemplo, seu propósito era convencer o público a realizar algumaação.”

Observando-se tais recomendações permite-se ao/a pesquisador/a  estar se aventurando pelas obras literárias à procura de pistas que revelem sentimentos, angústias e aspirações de determinada  tempo e lugar. Pode-se desta formarecorrer a Literatura com o intuito de preencher as lacunas que, por falta de fontes, comprometiam o ofício do/a historiador/a que, corria o risco de apenas esboçar a História.

Assim acontece, por exemplo, quando se busca conhecer sobre o presídio, as punições e os/as condenados/as da sociedade de Goiás no século XIX. Tem- se aí lacunas de informações e fontes, que não as oficiais. Mas, ao voltarmo-nos para a Literatura regional e estabelecermos o diálogo com fontes diversas, pode-se então ouvir os sussurros daquele tempo.  Vozes sem compromisso com os órgãos e instituições provincianas, o que  torna prazeroso  para o/a  historiador/a  percorrer  essa trilha  que  leva ao entendimento das relações e sentimentos que se estabelecem em volta de um determinado  acontecimento.

Cora Coralina, em sua obra: “Estórias da Casa Velha da Ponte”, sussurra um tempo da história de Goiás ao registrar um episódio quando sua bisavó, então com 19 anos de idade, acompanhou com várias pessoas da cidade de Goiás, o julgamento e  execução de um homem acusado de homicídio em 1839. Começamos, então, a partir daí, tentar entender como se dava  a interação entre a população e a cadeia.

Pode-se afirmar que a interação entre a cadeia e as pessoas não ocorria somente pelas visitas aos presos ou pela formacomo era feita a segurança,mas também pelo toque de recolher, que partia dos sinos da cadeia, que soavam no verão às nove horas, e no inverno, às oito horas, bem como pelo suplício dos corpos dos condenados durante a execução da sentença aberta ao publico.

Caso houvesse umagrave ameaça ao sistema, como fugas ou motins, eram soados os sinos, que alertavam as pessoas e também chamavam sua atenção para que se reforçasse a vigilância em determinado local onde se dava a algazarra, a agressão ou a tentativa de fuga. Tal atribuição competia ao carcereiro, que assim procederia a qualquer hora do dia ou da noite, conforme a urgência do caso. Desta forma, a comunidade participava, mesmo involuntariamente, da rotina da cadeia, estrategicamente localizada no centro da capital da província de Goiás.

Por vezes, essa interatividade ocorria pela expectativa de que as pessoas da província poderiam ser o agente de “justiça”, fato que, eventualmente, ocorria por intermédio de denúncias, verídicas ou não, e que levavam algumas pessoas a julgamento, à cadeia ou a morte.

É destas denúncias que ecoam vozes de pessoas que se viram alvo da justiça da província goiana. Entre homens e mulheres foram muitos que cumpriram seus destinos na cadeia de Goiás, uns por crimesmais graves, outros por mera falta de compostura. Mas só da análise dos processos criminais, não teria sido possível demonstrar os sentimentos, seja de espanto, pesar, raiva  e/ou satisfação que cercou todo o caminhar, ou melhor, o  desenrolar do evento que mobilizou a capital da província goiana em meados do séc. XIX. É aí que entra em cena a voz feminina que ecoou do passado para nos sussurrar as sensibilidades de seu tempo.

Cora Coralina – A voz que se pode ouvir

É através da poetisa de Goiás Cora Coralina que as memórias de sua bisavó, sobre um crime ocorrido na cidade de Goiás, chegam até nós. Este crime foi relatado pelo Correio Oficial de Goiás no dia 1º de maio de 1839, umaquarta- feira, sendo o sargento-mor Antônio Luiz Brandão a vítimada tocaia. Ele foi morto com um tiro de mosquetão, e assim foi dada a notícia aos cidadãos da província:

Tendo sido assassinado com um tiro de mosquetão, publicamente, em uma rua desta cidade, hoje às nove horas da manhã o sargento-mor Antonio Luiz Brandão, Inspetor Interino da Real Tesouraria da Fazenda desta Província, por um tal de Don Miguel, castelhano vindo da Bolívia para Cuiabá e daquela terra para esta cidade, atapuiado, estatura ordinária, de trinta e tantos anos. Sua língua natural a castelhana, falando mal o português. Não deixando duvidas de que um tal assassinato fora mandado, ordena que os Guardas Nacionais e gente do povo que assim queiram se ajuntem em escolta para fazer a prisão do mandante, usando a força das armas quando encontre resistência e trazê-lo, logo que preso, a esta cidade, com toda a segurança. Assinado – Luiz Gonzaga Camargo Filho. Expediente da Província em 1º de maio de 1839 (Coralina, 2000, p. 73-74).

Cabe lembrar que na época não havia entendimento  de que o corpo do acusado deveria ser preservado do suplício ou até que este deveria ocorrer em reservado. A historiadora norte-americana Lynn Hunt, afirma que essa mudança de comportamento só ocorrera na Europa no século XVIII, através do sucesso de romances como Pâmela (1740) e Clarisse (1747-8) de Richardson e Julia (1761) de Rousseau. Segundo a autora tais obras além de envolventes e exercerem o fascínio nas pessoas, desenvolveram outro efeito importante que seria a identificação com o sofrimento das outras pessoas. Fato importante para a modificação  da pessoas frente ao sofrimento das condenados.

O crime gerou, pelas palavras da narradora, muita comoção à comunidade local, fazendo com que rapidamente as autoridades tomassem providências contra omandante do crime, que se encontrava foragido. Foram organizadas patrulhas com o objetivo de capturar e entregar o foragido às autoridades,mas a violência não teve fim com o homicídio do sargento-mor, porque o foragido não se entregou pacificamente. Assim, se deu o fim domandante do assassinato:

Houve resistência armada, tiroteio de parte a parte, mortos e feridos da escolta e a morte do mandante, “costurado de bala”. Findo o serviço, a escolta voltou, carregando seus feridos, bem como o mandante daquele crime, homem formado em Coimbra, que estava, agora, morto, sujo de terra e pólvora, ensangüentado, atravessado na sela de seu cavalo e amarrado como um animal caçado. Pernas penduradas sacudindo, braços balançando, puxado pelo seu escravo Euquério, crioulo de estatura forte, cheio de corpo, bexigoso e nariz chato, descreve o “Correio Oficial” (Coralina, 2000, p. 76)

 

Após a notícia da captura do acusado, umamultidão se aglomerou nas ruas para acompanhar sua chegada. Neste momento, os espaços entre homens e mulheres foram divididos: “as rótulas apinhadas de mulheres e as ruas cheias de homens e guardas-nacionais” (Coralina, 2000, p. 77). Este fato pode ser entendido de duas formas: pode ser que houvesse, ali, uma tentativa de poupar as mulheres daquela visão aterradora, ou, que a gravidade do ocorrido não qualificasse as mulheres para ocuparem o mesmo espaço que os homens. Lynn Hunt, sobre o espetáculo da justiça, relata a visão de um visitante britânico em Paris durante a execução de um condenado pelo suplício em 1787: o barulho da multidão era como o murmúrio rouco causado pelas ondas de mar quebrando ao longo de uma costa rochosa: por um momento amainava; e num silêncio terrível a multidão contemplava o carrasco pegar uma barra de ferro e dar início à tragédia, golpeando o antebraço da vítima. (Hunt, 2009, p. 96)  

Umamulher teve papel decisivo nesta trama: o executor do crime, réu confesso, “... desceu correndo pelo beco Antônio Gomes abaixo, enveredou por ruas e travessas, chegou no portão de umacerta casa que devia estar somente encostada e, dentro do quintal, um animal muar encilhado e enfreiado” (Coralina, 2000, p. 75). Na execução de seu plano de fuga, ele não contava com o infortúnio da escrava Liduína, que mesmo sem ter conhecimento do que se passava, trancou  o portão cautelosamente, para evitar que os animais ganhassem a rua. Com isso, ela tornou possível a prisão de D. Miguel, que posteriormente foi submetido a julgamento.

Segundo Cora Coralina, “o processo foi rumoroso”, devido à formacruel que ocorreu o crime e o seu desfecho, não menos trágico. A cidade acompanhava, dia a dia, os incidentes dos vários termos da justiça, momento em que a bisavó de Coralina cita um exemplo da penúria a que estavam submetidos os condenados, quando  o réu era retirado da enxovia para seu julgamento:

D. Miguel seria condenado a pena última. Da enxovia, o preso subia e descia todos os dias algemado e com aparadoras e sinistras correntes. Era perguntado e era reperguntado. Nada negou do que sabia, nem procurou se justificar daquele crime. – L’ombre es de vida, es de muerte. Terminava com esta afirmativa suas declarações – matei, tiengo que murrir... (Coralina, 2000, p. 78-79).

Como a narradora, nos deixou o relato apenas dos fatos que presenciou ou que lhe foram relatados, não podemos afirmar que tal confissão tenha sido voluntária ou se aqui também eram utilizadas as torturas legais para obtenção de informações ou confissões, tais quais as citadas por Lynn Hunt, que usou como exemplo o caso do ocorrido em 1762, com um francês de 64 anos Jean Calas, acusado de matar o filho para que esse não se convertesse ao catolicismo.

Antes da execução, Calas primeiro teve de suportar uma tortura judicialmente supervisionada conhecida como a “questão preliminar”, que se destina a conseguir que aqueles já condenados nomeassem seus cúmplices. Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele, Calas foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava firmemente seus braços para cima, enquanto um peso de ferro mantinha os pés no lugar. Quando Calas se recusou a fornecer nomes depois de duas aplicações, foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta, enquanto a boca era mantida aberta por dois pauzinhos. Pressionado de novo a citar nomes, diz-se que ele respondeu: “Onde não há crime, não pode haver cúmplices”. (HUNT, 2009,p. 70)    

Com esta postura do réu, a condenação não tardou a sair. Porém, devido ao recurso interposto pelo réu, um pedido de clemência, a execução ocorreu somente dois anos após o crime, em 1841. Isso, porém, não diminuiu o frisson acerca da expectativa que se criou sobre o episódio mais esperado do evento, o enforcamento, que se daria em praça pública: “A forca já estava alçada na cidade de Goiás desde o ano de 1760, paralelamente levantada com a criação da Corregedoria da Junta Real da Fazenda de Vila Boa” (Coralina, 2000, p. 80).

Assim, fica nítida a participação da comunidade nos atos judiciários. No caso supracitado, quando da decisão final, o ato da leitura da sentença deveria ser feito pelo meirinho, de formaque todos, ou ao menos amaioria, tomassem conhecimento das decisões judiciais, acerca das condenações ali realizadas.

O arauto da Justiça de El Rei já tinha sido substituído pelo meirinho do Tribunal de Justiça e esse, no mesmo dia, leu gaguejando a condenação “alto e bom som”como dizia a lei: primeiro na porta da cadeia. Depois no adro das igrejas, à saída das missas, para que todos ouvissem e não houvesse ignorância (Coralina, 2000, p. 81).

 

 

O enforcamento como espetáculo da Justiça provincial

Os rituais de enforcamento da justiça provincial  seguiam  as antigas tradições de execuções feitas nos reinos da Europa. Como a punição era um rito sacrifical, a festividade inevitavelmente acompanhava e às vezes eclipsava o medo. As execuções publicas reuniam milhares de pessoas para celebrar a recuperação do dano do crime.(Hunt, 2009. P. 96)  Nestes eventos, todos deveriam participar da execução da pena, homens, mulheres e crianças, além de “ que os senhores dessem folga a seus servos, escravos e dependentes, e que todos se pusessem na frente do patíbulo e tivessem boa vista do ato da justiça que então se praticava para o exemplo e escarmento dos presentes vindouros” (Coralina, 2000, p. 81).

Tais ritos processuais também foram criticados por Cesare Beccaria. Assim se posicionava quanto ao suplício do corpo e a execução em praça pública, afirmando que tal forma de punir não representava o desejo da comunidade que assistia ao ato judicial. Questionando também o excesso cometido durante todo o processo de apuração e condenação.

A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem (...). Consultemos pois, o coração humano;acharemos nele os princípios fundamentais do direito de punir. (BECCARIA. 2009, P. 10)

Conforme Cora Coralina, as Ordenações regiam o rito da execução do condenado determinando a quantia a ser paga ao carrasco, umaparte, quatro vinténs, antes da execução, e o restante na presença do condenado. Elas previam que a corda do enforcamento seria providenciada pela Câmara da Intendência, sem que passasse pelas mãos da Santa Casa de Misericórdia, pois, segundo a autora, “a Irmandade, diziam, costumava misericordiosamente dar um banho de aguarrás na corda que, toda vez que essa assim enfraquecida se partia com o peso do condenado, havia umaremota possibilidade de perdão para ele” (Coralina, 2000, p. 82). Acreditava-se que o rompimento da corda no momento do enforcamento refletia a vontade divina. Assim sendo:

Entendendo que naquela corda partida estava a vontade manifesta de Deus, os juízes eram interpelados para confirmar esse desígnio, enquanto a bandeira branca e vermelha da Misericórdia cobria o paciente que aguardava seu ultimo destino entre os homens (Coralina, 2000, p. 82).

 

A bisavó de Cora Coralina narra as últimas horas do condenado antes de seu enforcamento: “O cortejo dramático descia da cadeia com todos os sinos tocando finados” (Coralina, 2000, p. 83). Muitas pessoas assistiam à passagem daquele cortejo formado por juízes, meirinhos, a Guarda Nacional e a ala dos Irmãos da Misericórdia. “Atrás dele o carrasco vestindo uma camisa vermelha de baeta, um gorro vermelho na cabeça, calçado de bota de couro cru, alta até os joelhos, segurando as voltas da corda.” (Coralina, 2000, p. 83).

A ostentação da dor no cadafalso era destinada a insuflar o terror nos espectadores e dessa forma servia como um instrumento de dissuasão. Os que a presenciavam – e as multidões eram freqüentemente imensas – eram levados a se identificar com a dor da pessoa condenada e, por meio dessa experiência, a sentir a majestade esmagadora da lei, do Estado e, em ultima instância, de Deus. (Hunt, 2009. P.94)

Tanto a assistência religiosa, quanto a alimentação era fartas para o condenado à morte. Destaca-se que o religioso lhe atendia quantas vezes fosse necessário. Como relata Cora Coralina, “ouvia missa ali mesmo rezada, recebia a Santa Comunhão. Por último, recebia a extrema-unção.” (Coralina. 2000, p. 82). Sua última alimentação, fornecida por almas caridosas, era farta e de boa qualidade, e além dela, tinha também doces, geléias, frutas e cigarros.

No caminho para a forca tudo que o condenado pedia era concedido, água, descanso ou um cigarro: “Contava minha bisavó de um outro de que ela assistiu também a execução foi protelado tanto sua chegada ao ponto final, com tantas paradas e pedidos que, quando subiu à forca já era noite... (Coralina. 2000, p. 83-4) Desta forma, eles tentavam adiar o inevitável.

Assim, se dava por satisfeita a justiça, não só por aplicar a devida punição,mas por, durante todo o processo, mobilizar  as pessoas  para que  acompanhassem  o castigo aplicado, ratificando a idéia que o Estado estava pronto a reprimir as condutas irregulares. E assim se dava o traçomaismarcante da interação entre a justiça e a comunidade.

Essas informações da narrativa literária, que abarcam o campo das sensibilidades, seriam ignoradas pela História, se não fosse a liberdade dada  pela História Cultural, que permite o diálogo   com  a literatura, fonte  preciosa e legítima que continua indispensável e disponível, aguardando  novas consultas, que nos  apontem o caminho da partilha do  sensível.

REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA

Burke. Peter. O que é História Cultural. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2005

Coralina, Cora. Estórias da casa velha da ponte. São Paulo. 2000. Global 9ª edição.

Hunt, Lynn. A invenção dos Direitos Humanos uma história.São Paulo. 2009. Companhia da Letras.

Pesavento, Sandra Jatahy. História e História Cultural. Belo Horizonte. Autêntica. 2005

Silva Jr., Eli Braz da.  Velha Goiás, Velha Cadeia- As vozes que se podem ouvir. Dissertação de mestrado em História: Cultura e Poder, PUC-Go, 2009, digitalizada.

Beccaria, Casare. Dos Delitos e das Penas. (PDF). Site: WWW.culturabrasil.org