CONTROVÉRSIAS SOBRE O PROCESSO DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA...

Por Amanda Guimarães Guedes | 11/11/2016 | Economia

CONTROVÉRSIAS SOBRE O PROCESSO DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NOS ANOS 70 E 80 NO BRASIL

1INTRODUÇÃO

 O período militar de 1964 a 1985 apresentou diversas contradições na sociedade brasileira, o país participou de um período de crescimento exponencial, acompanhado de um agravamento ainda maior da distribuição de renda. A economia anterior ao Golpe Militar se encontrava estacionária, além de um estado de inércia econômica a inflação superava os 90% ao ano. A entrada do presidente Castelo Branco mudou as diretrizes do país. Para isso o presidente se direcionou para três objetivos principais: Restringir o crescimento da inflação, equilibrar as contas do governo e impulsionar o mercado de crédito.

            As três diretrizes do governo de Castelo Branco se oficializaram em um plano chamado PAEG – Plano de Ação Econômica do Governo. Foi elaborado pelo Ministro do planejamento e economista da época Roberto Campos e Otávio Gouveia de Bulhões, responsável pela Fazenda. A principal medida do plano foi a instauração da correção monetária mecanismo que passou a reajustar contratos, títulos públicos e dívidas tributárias com base na inflação passada. As medidas chegaram a ter resultados efetivos como a redução expressiva da inflação que caiu para 34% em 1965.

            Contudo para alcançar esses resultados e manter o controle da inflação a principal atitude do governo foi à contenção dos salários a partir de uma fórmula criada por Mário Henrique Simonsen. Segundo artigo da Folha de São Paulo (2010):

Para conter os salários, o PAEG introduziu uma fórmula que previa a reposição da inflação passada e a incorporação de parte da inflação projetada para o futuro. Invenção do economista Mário Henrique Simonsen, a fórmula impôs perdas aos trabalhadores, porque os cálculos do governo sempre subestimavam as projeções de inflação. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2010, p.2) 

A inflação crescente e a correção monetária desigual criavam um cenário perfeito para má distribuição de renda no país. A parte da população considerada das classes A conseguiam manter o poder de compra de seu capital com o investimentos em fundos bancários, toda via, a população de baixa renda via seu capital deteriorar dia após dia. Segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2005), os 20% dos brasileiros mais pobres tinham 3,9% do total da renda nacional em 1960. Vinte anos depois, em 1980, esse mesmo um quinto da população concentrava apenas 2,8% de toda a renda produzida no país.

2        OS IMPACTOS DO MILAGRE ECONÔMICO PARA A CONCENTRAÇÃO DE RENDA

O milagre econômico brasileiro foi um período marcado pelo intenso crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e da produção industrial, principalmente entre os anos 1968 e 1973. Nesta época, a economia brasileira foi beneficiada pelo grande crescimento do comércio mundial e pelos fluxos financeiros internacionais e assim, aumentou sua abertura comercial e financeira em relação ao exterior, aumentando a presença do capital estrangeiro por meio de investimentos diretos e de empréstimos (LACERDA et al., 2005).

Entretanto, Lacerda e outros (2005) ainda enfatizam que no período do Milagre Econômico, o crescimento econômico foi acompanhado por um agravamento das questões sociais. Destaca-se nesse período a presença do aumento da concentração de renda, a deterioração dos indicadores de bem estar social ea mudança qualitativa das condições de vida da maioria da população do país. O intenso crescimento durante o período do milagre econômico trouxe grandes benefícios para as classes de maior renda e para trabalhadores assalariados que forneciam o lado técnico da gestão da economia. O aumento da concentração de renda, ainda pode ser explicado como consequência da queda valor real do salário mínimo.

O salário mínimo real atingiu seu menor nível em 1969, com uma perda de 22% de seu poder de compra com relação a 1964. Houve certa recuperação até 1973, e uma nova queda em 1974, devido à alta da inflação [...]. O salário mínimo real sofreu uma perda de poder aquisitivo de 42% entre 1964 e 1974 (LACERDA et al., 2005, p. 122).

O crescimento dos salários depende fundamentalmente do dinamismo da acumulação de capital. Todavia, com o cerceamento das atividades sindicais e políticas o crescimento salarial não subiu ao mesmo nível do crescimento econômico. Deste modo, houve um agravamento de todo o quadro social do país, com um intenso crescimento da acumulação capitalista, beneficiado por altas taxas de lucro, resultantes da compressão dos salários dos trabalhadores, de maneira tão exagerada que chegou a ameaçar a continuidade do processo de crescimento (LACERDA et al., 2005).

 3  AS CONTROVÉRSIAS DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA NOS ANOS 70

O expressivo desempenho do Produto Interno Bruto do Brasil no período que vai desde o pós-guerra até o final dos anos 70 e o agravamento das disparidades de renda e das desigualdades regionais neste período levantou a questão da concentração de renda do país. (LACERDA, 1994). A distribuição de renda no Brasil passou a ser objeto de um amplo debate durante a década de 70, ficando conhecida como a “Controvérsia de 70” embasando constatação dos elevados índices de concentração de renda durante a década de 60 (GANDRA, 2004).

De acordo com Ramos e Bonelli (1999) o cenáriobrasileiro havia experimentado entre 1960 e 1970 um aumento na concentração de renda sem precedentes em relação aos outros países do mundo. Embora o aumento da desigualdade social na década dos anos 70 tenha sido menor do que nos anos 60, os censos mostraram que a distribuição de renda tornara ainda mais concentrada nos anos 70.

Segundo Gandra (2004) o aumento da concentração de renda na década de 60 era discutido por três correntes teóricas: a de Fishlow que culpava a compressão salarial ocorrida no governo Castello Branco entre 1964 e 1967; a de Langoni que mostrou como o crescimento acelerado (e a mudança da estrutura econômica para industrial) acabou por concentrar a renda via “efeito Kuznets” e via defasagem da oferta de mão-de-obra qualificada diante da sua demanda crescente como fonte determinante do elevado grau de desigualdade; e a de Bacha que acusava a abertura do leque salarial dos gerentes das firmas diante de lucros crescentes.

Lacerda (1994) ainda ressalta que o aumento das disparidades sociais tem ligação com o modelo de desenvolvimento da época, em que era pautado no processo de substituição de importações, que por si só implicava no processo de concentração de renda.

No dizer de Cacciamali (2002), no período de 1970-1980 o processo de concentração de renda prosseguiu de maneira menos intensa do que na década anterior, podendo ser afirmada pela queda do índice de Gini neste interregno de 0,565 para 0,592. A manutenção de altas taxas de crescimento econômico e a expansão do emprego urbano permitiram ganhos reais para todos os estratos de renda, embora os grupos mais elevados, especialmente os 10% mais ricos, tenham apresentado novamente taxas de crescimento da renda superiores aos demais.O coeficiente de Gini, entre 1960 e 1970, aumentou com maior intensidade entre a população economicamente ativa do setor urbano, enquanto na década seguinte o maior aumento ocorreu entre a população economicamente ativa do setor primário, podendo ser explicado pelo processo de modernização da agricultura que se intensificou nesse período.

Já nos anos 70, a política oficial de indexação dos salários que comprimia os pisos salariais das diferentes categorias profissionais deixou de ser aplicada pelos setores modernos privados da economia, com ação paralela à reorganização do movimento sindical, especialmente, após 1976, na região Sudeste do País. A política salarial passa a ser um sistema negocial conflituoso, no qual até os anos 80, os sindicatos reivindicavam com sucesso reajustes maiores para os estratos inferiores da escala salarial, levando a uma maior convergência salarial neste período (CACCIAMALI, 2002).

Conforme Ramos e Bonelli (1995) é importante avaliar se a expansão donível de atividade no curto prazo teve algum efeito sobre o grau de desigualdade.  A literaturado períododiz que os trabalhadores mais qualificados são mais difíceisde repor, e por isso eles continuariam mantendo seus postos de trabalho quando enfraquecea demanda, ao contrário dos trabalhadores menos qualificados que por sua vez, experimentariamou taxas mais altas de desemprego, ou mudança temporária para ocupações nas quais é menor a remuneração, ou redução de carga horária horas extras ou mesmo queda no salário. O efeito final seria um aumento na dispersão de saláriose, portanto, da desigualdade. À medida que a atividade econômica se expandisse, o mecanismo operaria na direção oposta, com ganhos de renda relativamente mais altos para amão-de-obra menos qualificada e redução da desigualdade, evidenciando assim a queda dos salários reais dos trabalhadores assalariados e o aumento da concentração de renda nos anos 70.

Hoffmann e Kageyama apud Cacciamali (2002)relatam que para os anos 70 o índice de Gini calculado de acordo com o conceito de renda familiar para o Brasil permaneceu quase inalterado na década,em decorrência a três motivos: maior número de membros por família que trabalham, menor tamanho médio das famílias e menor grau de desigualdade na Região Sudeste. Por sua vez, os indicadores calculados de acordo com o conceito de rendimento familiar per capita revelam que ocorreu uma redução sensível no índice de desigualdade. Este fato também é explicado pelo aumento do número de membros ativos por família e pela diminuição do tamanho médio das famílias, que declina de 4,8 para 4,4 membros.

Contudo, o quadro econômico, social e político do final dos anos 70 levaram a uma visão mais otimista em relação à questão distributiva. A administração do Presidente Figueiredo (1979-1985) institucionalizou a prática salarial que estava sendo adotada pelas negociações coletivas, indexando os salários de forma regressiva: aumentos maiores para as faixas de salários menores.O quadro institucional encaminhava-se para um regime democrático formal, a sociedade civil reivindicava não apenas liberdades políticas, mas também maior justiça social. Entretanto, o cenário econômico dos anos 80 frustraram essas expectativas.

4 CONJUNTURA ECONÔMICA DA DÉCADA DE 1980

Segundo Marangoni (2012), a América Latina passou por significativas modificações que reduziram os níveis de crescimento da conjuntura econômica da década de 1980, o que assinalou o período denominado como “década perdida”. Indicadores como taxas de crescimento do PIB, taxas de inflação, poder de compra dos salários, taxas de nível de emprego e saldos do balanço de pagamentos refletiram a acentuada retração da produção industrial e estagnação da economia.

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