CONTROLE SOCIAL E FACISMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEO
Por Bruno Henrique de Oliveira Coqueiro | 22/06/2018 | DireitoSINOPSE DO CASE:CONTROLE SOCIAL E FACISMO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEO¹
Bruno Henrique de oliveira Coqueiro²
Bruno da Silva Azevedo³
1 DESCRIÇÃO DO CASO
No filme brasileiro “Bicho de Sete Cabeças” (2000), retrata-se a história de um jovem chamado Neto que é internado em um hospital psiquiátrico após seu pai descobrir um cigarro de maconha em seu casaco. Lá, Neto é submetido a situações desumanas. Dessa forma, além de abordar questões sobre a relação pai/filho e sobre o uso de drogas, o filme trata principalmente, dos abusos realizados pelos hospitais psiquiátricos.
No livro “Holocausto brasileiro” lançado a mesma problemática é retomada. Ele retrata os maus-tratos da história do Hospital Colônia de Barbacena através do depoimento de ex-funcionários e pessoas ligadas diretamente ao dia-a-dia do funcionamento do local.
No texto Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes, Boaventura afirma que o pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal que consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, e estas últimas são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”.
Boaventura, também trabalha a ideiada ascensão do Fascismo Social, que prolifera à sombra do contrato social sob duas formas: pós- contratualismo e pré-contratualismo. Assim, para o autor, as sociedades podem estar sendo politicamente democráticas e socialmente fascistas. Em resumo: o pensamento abissal moderno lida com os cidadãos como se fossem não cidadãos, perigosos selvagens.
Diante do exposto, a partir da assistência do filme e da leitura do livro e do texto indicados acima, procura-se responder a questão: Em qual dos tipos de fascismo os casos narrados no livro e no filme podem ser classificados?
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Análise do filme “Bicho de Sete Cabeças” e do livro “Holocausto brasileiro”
Tanto no caso proposto pelo filme “Bicho de Sete Cabeças”, quanto na situação descrita pelo livro “Holocausto brasileiro” encontra-se presente o fascismo do apartheid social.
Trata-se da segregação social dos excluídos através de uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas. As zonas selvagens urbanas são as zonas do estado de natureza hobbesiano, zonas de guerra civil interna como em muitas megacidades em todo o Sul global. As zonas civilizadas são as zonas do contrato social e vivem sob a constante ameaça das zonas selvagens (SANTOS, 2009, p. 16).
De acordo com a teoria de Boaventura, o fato do Sr. Wilson internar seu filho em um manicômio trata-se de uma segregação, ele esta sendo excluído do meio social, é taxado como um anormal e como um risco para a sociedade, surgindo à necessidade de sua exclusão.
A situação retratada no livro não é indiferente, o hospício é tido como um local de exclusão dos indesejados, uma forma de separação do civilizado e do estranho, em um hospício que era pra abrigar apenas pessoas com problemas mentais, abrigava alcóolatras, prostitutas, homossexuais dentre outros.
Percebe-se em ambos a presença do controle social, “Definir o controle social é uma tarefa difícil. Tudo aquilo que influencia o comportamento dos membros da sociedade, pode ser entendido como controle social” (SABADELL, 2000).
Segundo o grau de organização, os meios de controle social podem ser formais ou informais. “O controle formal é realizado, principalmente, pelas autoridades do Estado. Este pressupõe um processo de institucionalização, como é o caso do controle dos comportamentos desviantes, efetuado pelo sistema jurídico” (SABADELL, 2000). O manicômio é uma instituição estatal que viabiliza um controle social formal, imponto pela sua legitimidade a exclusão daqueles com comportamentos desviantes. Em ambos os casos percebe-se essa função de controle social formal.
“O controle informal também se manifesta nas sociedades modernas. Neste contexto, este é exercido através da família, amigos, colegas de trabalho, entre fiéis da mesma religião etc., que reprovam determinados comportamentos e fazem recomendações” (SABADELL, 2000). Desta forma, observa-se abertamente o controle social informal nas relações pessoais de Neto, tanto como em sua família, quanto a relação de influência de suas amizades. Já na situação proposta pelo livro, esse controle é exercido principalmente pela família, que na maioria das vezes era o responsável pelas internações, o pensamento ‘fechado’ fazia com que pessoas fossem praticamente entregues para a morte por questões ínfimas, por exemplo: perda de virgindade de filha solteira de fazendeiro, pessoas com problemas de alcoolismo, opção sexual e até mesmo pessoas sem documentos.
Para cada tipo de controle social há uma espécie definida de coerção, a coerção pode der física ou simbólica.
Ela é física quando emanada de um poder hierarquicamente organizado e localizado nas instituições formais do Estado. E é simbólica quando inerente às interações sociais presentes na família, na fábrica, no escritório, na escola, na igreja, no clube etc. Enquanto a coerção física é centralizada pelo poder jurídico-político, isto é, pela repressão monopolizada pelo Estado e disciplinada sob a forma de leis e códigos, a coerção simbólica entreabre um feixe aberto de relações de força produzidas nas menores unidades do sistema social e expressas sob a forma de práticas religiosas, tradições familiares, regulamentos de clubes, regimentos de escolas, sistemas de organização e métodos nas fábricas etc. (BARBATO, 2004).
Analisando o filme e o livro, percebe-se em ambos a caracterização da coerção física, representada pelo manicômio ou hospício, sendo este uma instituição formal do Estado e por sua função repressiva e de disciplina sob a forma de leis e códigos. Vale lembrar que o Estado possui o monopólio da violência física legítima.
Já a coerção simbólica apresenta-se em ambos os casos na estrita relação entre os pacientes e o meio ao seu redor, sendo que as influencias dos laços de amizades, familiares, sociais e educativos interferiram diretamente sobre a pessoalidade do indivíduo. Essa relação nos casos do filme e do livro foi negativa o que gerou a exclusão social do indivíduo e sua internação no manicômio.
A Constituição Federal declara que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] (art. 5º caput)”.O processo de marginalização sofrido por grupos estereotipados na modernidade não fere princípios jurídicos. Não pode-se confundir o estereotipo, com preconceito, racismo ou até mesmo discriminação.
Preconceito é um julgamento prévio ou pré-julgamento de uma pessoa com base em estereótipos, ou seja, simples carimbo. [...] O preconceito localiza-se na esfera da consciência e/ou afetiva dos indivíduos e, por si só, não fere direitos. [...] A Discriminação diferentemente do preconceito, a discriminação depende de uma conduta ou ato (ação ou omissão), que resulta em viola direitos com base na raça, sexo, idade, estado civil, deficiência física ou mental, opção religiosa e outros (JOAQUIM, 2006).
A descriminação enquadra-se no art. 3, IV “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88).
2.2 Descrição dos Critérios e Valores (Explícitos e/ou Implícitos)
CONTROLE SOCIAL: Tudo aquilo que de certa forma influência sobre membros de uma sociedade.
LEGITIMIDADE: particularidade ou condição do que é legítimo.
Jurídico. Que se encontra de acordo com as leis; segundo o Direito; legalidade (DICIONÁRIO).
REFERÊNCIAS
ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil. São Paulo: Geração, 2013.
BARBATO, Roberto Jr. Direito, sociologia e ficção: o controle social e os comportamentos desviantes. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-1/161-direito-sociologia-e-ficcao-o-controle-social-e-os-comportamentos-desviantes-> Acesso em: 21 set. 2014.
BRASIL. Constituição Da República Federativa Do Brasil De 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 21 set. 2014.
BICHO de sete cabeças. Direção: Laís Bodanzky. Interpretes: Othon Bastos; Rodrigo Santoro; Kássia Kiss. Roteiro: Luiz Bolognesi. Brasil: Colúmbia Pictures do Brasil, 2001, 1 DVD (1h14min).
DICIONÁRIO. Legitimidade. Disponível em:
<http://www.dicio.com.br/legitimidade/> Acesso em: 21 set. 2014.
JOAQUIM, Nelson. Igualdade e Discriminação. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2652/Igualdade-e-discriminacao> Acesso em: 21 set. 2014.
SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2009.