CONTROLE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Por Catarina Santos Bogéa e Jailson Martins Filho | 28/02/2017 | Direito
CONTROLE DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL[1]
Catarina Santos Bogéa[2]
Jailson Martins Filho [3]
1 DESCRIÇÃO DO CASO
O presente caso propõe a análise, assim como entendimento, em via concreta, das consequências acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta por partido político (PSOL) no que concernem dispositivos da Lei n. 9.096/95, que dispõe sobre Partidos Políticos e regulamentam os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal, e Lei n. 9.504/97 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), que estabelece normas para as eleições.
A ação direta de inconstitucionalidade trata dos limites ao financiamento privado de campanhas eleitorais, e tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 31, 38, III e 39, § 5º, da Lei 9.096/95 e artigos 23, § 1º, 24 e 81, § 1º, da Lei 9.504/97. Os dispositivos citados permitem que pessoas físicas possam realizar doações pecuniárias a campanhas e partidos políticos até o limite de 10% dos rendimentos brutos referentes ao ano anterior da respectiva eleição. Toleram também que pessoas jurídicas possam efetuar doações em dinheiro a campanhas eleitorais e a partidos políticos até o limite de 2% do seu faturamento, e por fim, aceitam que candidatos possam empregar, ilimitadamente, recursos próprios em suas campanhas eleitorais.
O principal argumento que cerceia a ação direta de inconstitucionalidade proposta é a permissividade da legislação acerca do financiamento privado de campanhas eleitorais, que acaba por culminar na violação dos próprios princípios constitucionais de igualdade e democracia da República, isso porque potencializa e determina a influência do poder econômico sobre o processo político, vide ofensa ao artigo 14, § 9º da Constituição Federal:
“Artigo 14, § 9º, CF: Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.”
O Supremo Tribunal Federal ao tramitar a ação julgou inconstitucionalidade dos dispositivos supracitados, inclusive após participação de vários amici curiae, que auxiliaram no entendimento técnico da legislação a que se referiu a ADI.
Após decisão proferida pelo STF, o Deputado Federal Arnobio (PSDB/SP), prosseguiu com o colhimento de 1/3 de assinaturas na Câmara dos Deputados, e apresentou a PEC 123/2014, que, contrária à decisão do STF, legisla acerca do financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas. A exposição de motivos da proposta de emenda constitucional afirma que a matéria decidida pelo Supremo não se vale de assento constitucional, e que, ao proibir o financiamento de campanhas conforme os moldes dos dispositivos das Leis 9.096/95 e 9.504/97, o processo eleitoral estaria sendo comprometido, tendo em vista os altos gastos gerados em uma campanha.
Dado o trâmite inicial da PEC 123/2014, um Deputado Federal do PSOL impetrou o Mandado de Segurança n. 12.345, no âmbito do STF, pedindo o trancamento da PEC, com a alegação de que a proposta de emenda constitucional viola a separação dos poderes, protegido pelo artigo 60, § 4º, III da Constituição Federal. O Deputado afirma ainda possuir direito líquido e certo de não votar proposta declarada inconstitucional, e que, por ter o STF já se posicionado acerca da matéria, o Congresso Nacional se vê impedido de aprovar qualquer proposta legislativa que não esteja em conformidade com decisão prévia do Supremo, já que se trata de possível desrespeito a uma decisão deste tribunal, assim como violação, como citado anteriormente, a divisão dos poderes.
2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Descrições das Decisões Possíveis
O caso em análise envolve ação direta de inconstitucionalidade proposta por Partido Político, em que, o STF decidiu a inconstitucionalidade dos dispositivos declarados na Petição Inicial. Tal decisão se valeu da participação dos “amigos da corte”, e a legitimidade para intervenção destes personagens no processo de ação direta de inconstitucionalidade se dá através de dispositivo legal, presente no § 2º do artigo 7º da Lei n. 9.868/99, que dispõe a admissão de amici curiae mediante despacho do relator ao considerar relevância da matéria e representatividade dos postulantes:
“§ 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.
Mediante a decisão por inconstitucionalidade do financiamento privado de campanhas eleitorais, o poder legislativo deu inicio aos trâmites de PEC (n. 123/2014) que viabiliza a mesma matéria declarada inconstitucional pelo STF através de ADI. Em resposta a proposta de emenda constitucional discutida no caso, um Deputado Federal, filiado ao partido que promoveu a ADI, impetrou Mandado de Segurança, junto ao STF, direcionado a obstar o trâmite e a deliberação da PEC 123/2014.
Em face ao exposto, diversos posicionamentos se fazem possíveis acerca de cada ato que compõem o caso em estudo:
a – Decisão anterior do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucionalidade acerca do financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas e pessoa física poderá ser renovada por meio de proposta legislativa no âmbito do Congresso Nacional;
b – Matéria decidida inconstitucional pelo STF não poderá ser renovada por meio de proposta legislativa no âmbito do Congresso Nacional;
c – Matéria decidida inconstitucional pelo STF poderá ser renovada e figurar objeto de proposta legislativa, se por decisão via plebiscito (a última palavra é do povo);
d – A matéria, para ser decidida inconstitucional, se valeria de diálogos institucionais, que envolvem não a sobreposição de poderes, mas, como já afirmara Montesquieu, a coordenação entre eles.
- Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão
- Decisão anterior do Supremo Tribunal Federal que declarou inconstitucionalidade acerca do financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas e pessoa física poderá ser renovada por meio de proposta legislativa no âmbito do Congresso Nacional
No que concerne o processo constitucional objetivo, cuja instauração pode ocorrer independente de um interesse jurídico, não há partes propriamente ditas (NOVELINO, 2014 p. 264). Por esta razão, o legislador constituinte entendeu a necessidade de previsão legal dos legitimados ativos para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade mediante provocação do controle concentrado/abstrato perante o STF. Tais legitimados ativos estão elencados no artigo 103 da Constituição Federal. Todavia, O Supremo Tribunal Federal, a partir de interpretação do texto constitucional distinguiu os legitimados ativos, segregando-os em universais e especiais.
A principal diferença entre as duas categorias de legitimados para a propositura de uma ADI se refere ao requisito de pertinência temática da matéria a ser analisada. Os legitimados ativos universais poderão propor ADI (e ADC) independentemente da existência de pertinência temática, isto é, nexo entre a norma questionada e os objetivos institucionais específicos do órgão ou entidade (NOVELINO, 2014, p. 265). Os legitimados ativos especiais, por sua vez, consistem naqueles em que se é exigido tal pertinência temática como requisito implícito de legitimação. Os partidos políticos com representação no Congresso Nacional estão inseridos no rol dos legitimados ativos universais, e, para instaurar processo de ação direta de inconstitucionalidade, o STF já decidiu que tal ação deve ser ajuizada por intermédio de um advogado (ADI n. 127-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, j. 20.11.1989, DJ 04.12.1992).
Acerca do caso em debate, o diretório nacional do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) instaurou a propositura da ADI, o que é perfeitamente legítimo desde que o partido tenha pelo menos um representante no Congresso Nacional no momento da propositura da ação (NOVELINO, 2014, p. 267). Este entendimento, no entanto, se dera a partir do relatório originário do Ministro Celso Velloso, por meio da ADI 2159. Por maioria, o Tribunal deu provimento a agravo regimental interposto contra a decisão daquele Ministro relator, e, entendeu-se que a aferição da legitimidade deve ser feita no momento da propositura da ação e que a perda superveniente de representação do partido político no Congresso Nacional, não o desqualifica como legitimado ativo para a ação direta de inconstitucionalidade. Vencidos então, o Min. Carlos Velloso, relator, e Celso Mello, que consideravam que a perda da representação implicava a perda da capacidade postulatória (ADI 2159 AgR/DF, rel. originário Min. Carlos Velloso, rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes, 12.8.2004. ADI-2159).
Noutro giro, e ainda acerca da legitimidade dos partidos políticos para propor ADI, em 2008, o STF entendeu que:
“[...] a legitimação processual dos partidos políticos só é ampla e irrestrita, na interpretação desta Corte, quando atuam, no rito processual da ação direta, como corpos intermediários, posicionando-se, nessa particular condição, entre a sociedade civil e a sociedade política. A legitimação ampla não pode resultar na transformação desta Corte em um tubo de ensaio para a afirmação de interesses concretos ou individuais.” (STF – ADI 3908/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 30.10.2008).
O que o STF declarou por meio de jurisprudência foi o bom senso no que refere à legitimidade dos partidos políticos para propositura de ADI. Ora, através do relatório o Ministro Joaquim Barbosa apenas confirma os princípios de moralidade e impessoalidade inerentes à tarefa dos partidos políticos de defender a coletividade ou a ordem social, de modo que questões particulares jamais poderão ser patrocinadas por agremiação partidária, especialmente no que concerne proposta de ação direta de inconstitucionalidade como meio/fim para atingir certo objetivo particular.
Entendido o que o constituinte legisla acerca da legitimidade de partidos políticos para propositura de ADI, assim como conhecimento de decisão jurisprudencial desta matéria, cabe à análise deste caso concreto, a possibilidade fática de atuação do Senado Federal quanto à renovação de matéria, já declarada inconstitucional via STF, por meio de proposta legislativa no âmbito do Congresso Nacional.
O artigo 102, § 2º da Constituição Federal legisla que:
“§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.”
Ainda, a Lei 9.868/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento de ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, define em seu artigo 28, parágrafo único que:
“Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”
No que concerne efeitos da decisão em âmbito de ADI, a expressão “demais órgãos do Poder Judiciário” presente no texto constitucional do artigo 102, § 2º, alude que, apesar de servir como leading case que deve ser observado pelos relatores e turmas do STF, as decisões proferidas não vinculam o plenário da própria Corte (NOVELINO, p. 287). O Supremo, desde que devidamente provocado, poderá reapreciar a questão julgada, e alterar formalmente o seu posicionamento, em casos que a ordem jurídica, social ou econômica foi significativamente alterada. Ou ainda mediante o surgimento de argumento mais relevante que aqueles que prevaleceram anteriormente (NOVELINO, 2014, p. 287). De modo a ratificar a prática de reapreciação de questão julgada é válido transcrever o informativo n. 331, publicado no site do STF, relativo a ADI 2675/PE e 2777/SP, que tratou sobre substituição tributária e restituição. O teor do trecho a ser transcrito busca demonstrar tão somente o efeito não vinculante de decisões proferidas pelo STF quando se tratando da própria Corte, não interessando, neste momento, a matéria concreta de que tratam as ADI´s.
“No mesmo julgamento [...], em virtude da ponderação feita pelo Min. Presidente, no sentido de que os votos então proferidos contrariam a validade da norma declarada constitucional, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, nos autos da ADI 1851/AL, submeteu-se ao Plenário nova questão de ordem sobre a admissibilidade, ou não, do julgamento das ações diretas em causa, haja vista a possibilidade de que seja dada nova interpretação ao mesmo tema pela Corte. O Tribunal, embora salientando a necessidade de motivação idônea, crítica e consciente para justificar eventual reapreciação de uma questão já tratada pela Corte, concluiu no sentido de admitir o julgamento das ações diretas, por considerar que o efeito vinculante previsto no § 2º, do art. 102 da CF não condiciona o próprio STF, limitando-se aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo [...]”. (ADI 2675/PE, rel. Min. Carlos Velloso e ADI 2777/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 26 e 27.11.2003. ADI-2675; ADI-2777).
A decisão proferida pelo STF também não produz efeitos vinculantes junto ao Poder Legislativo em sua função típica de legislar, razão pela qual o legislador poderá elaborar uma nova lei contrariando a tese jurídica considerada inconstitucional pelo Tribunal (NOVELINO, 2014, p. 288). Nesse mesmo sentido se posicionou o STF através do Agravo Regimental na RCL 2617-5/MG, em que o Ministro Relator Cezar Peluso assertivamente declara:
Está visto, pois, que nosso ordenamento não se estendeu ao legislador os efeitos vinculantes da decisão de inconstitucionalidade. Nem se pode tirar coisa diversa à só previsão da eficácia erga omnes. Já se demonstrou alhures, com abundancia de argumentos, que, como fruto de exegese de textos similares ou análogos, a proibição de reprodução de norma idêntica à que foi declarada inconstitucional não pode inspirar-se nalgum principio processual geral que iniba a renovação do comportamento subjacente a ato concreto anulado ou tido por ilegal, o que, sob a autoridade da res iudicata, conviria apenas a processos de índole subjetiva. Ademais, o postulado da segurança jurídica acabaria, contra uma correta interpretação constitucional sistemático-teleológica, sacrificando, em relação às leis futuras, a própria justiça da decisão. Por outro lado, tal concepção comprometeria a relação de equilíbrio entre o tribunal constitucional e o legislador, reduzindo este a papel subalterno perante o poder incontrolável daquele, com evidente prejuízo do espaço democrático-representativo da legitimidade política do órgão legislativo. E, como razão de não menor tomo, a proibição erigiria mais um fator de resistência conducente ao inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição: [...] Também o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a declaração de inconstitucionalidade não impede o legislador de promulgar lei de conteúdo idêntico ao texto anteriormente censurado [...]”. (Reclamação n. 2617-5/MG. Relator: Min Cezar Peluso. Minas Gerais, 26 de abr. 2004. Diário da Justiça, Brasilia, 26 fev. 2005).
A afirmação do Ministro Relator Cezar Peluso de que entendimento diverso ao que atesta o seu voto comprometeria a relação de equilíbrio existente entre os poderes, e reduziria o legislador a um papel subalterno, corrobora com os ensinamentos do oráculo Montesquieu. Ora, qualquer ser humano é passível a erros e:
“[...] todo homem que tem o poder é levado a abusar dele [...]. Tudo se perderia caso a mesma pessoa ou os mesmos governantes, ou grupo dos governados, exercessem simultaneamente os três poderes: criar leis, executá-las e julgar crimes e litígios dos cidadãos. A fim de que não houvesse abusos, é imprescindível que o poder contenha a ele próprio; por isso, a divisão é fundamental”. (MONTESQUIEU, p. 23, 34 – 35 e 64 – 65)
Se, como afirma Montesquieu, o poder deve conter-se a si próprio, a visão convencional sobre interpretação constitucional no sentido de que cabe ao STF proferir “a última palavra” sobre a Constituição é no mínimo equivocada. Em verdade, a suposta última palavra por parte do STF não existe, isso porque as decisões desta Corte podem provocar reações contrárias junto à sociedade e perante os outros poderes, o que inclusive leva o próprio STF a rever a sua posição inicial sobre determinada matéria em controle de constitucionalidade.
Os mecanismos para revidar decisões de Cortes Constitucionais são diversos, e abrange, por exemplo, a aprovação de emenda constitucional em sentido contrário a decisão proferida pelo Supremo – vide a PEC n. 123/2014 proposta por Deputado Federal no âmbito do caso analisado por este trabalho –, já que, nada impede que seja editada uma nova lei com conteúdo similar àquela que foi declarada inconstitucional. O Supremo, por sua vez, não deve entender tal prerrogativa como afronta à sua autoridade, e deve sim refletir sobre argumentos adicionais fornecidos pelo Parlamento.
Por se valer de mecanismo legal presente no ordenamento brasileiro, não é incomum que o Congresso aprove emenda constitucional em desacordo com decisão proferida pelo STF no controle de constitucionalidade, nos casos em que tal decisão não está em alinhamento com a realidade político-social do país. Nesses casos, não confundir com a prerrogativa de supremacia judicial sobre interpretação da Constituição, já que, reforma Constitucional se revela quando da alteração do próprio texto normativo interpretado.
As emendas constitucionais, por sua vez, estão sujeitas a limites materiais, isto é, clausulas pétrea, cuja observância pode e deve ser fiscalizada pela jurisdição constitucional. Todavia, em se tratando de PEC submetida à votação na Câmara de Deputados, para posterior aprovação do Congresso Nacional, a posição do STF deve ser de atenção e deferência à interpretação constitucional adotada pelo Congresso. Assim como o direito não se confunde com a política, mas, ao contrário, lhe impõe limites (STRECK, 2012, p.186), também o STF, órgão pertencente a cúpula do Poder Judiciário, não se confunde com o Congresso Nacional, órgão constitucionalmente competente para o exercício do Poder Legislativo.
Não há que se falar em proibição no que concerne trâmite de matéria legislativa declarada inconstitucional anteriormente pela Suprema Corte. Ao inferir que o Poder Legislativo se vê impedido de legislar acerca de qualquer matéria declarada via controle de constitucionalidade, inconstitucional por parte do STF, estar-se a exercer a libertação desta Corte da função de guardião da Constituição, transformando-a em proprietária da Carta Magna, ou um verdadeiro poder constituinte permanente. A intenção de judicializar decisões políticas extrapola os limites da separação de poderes, e permite a possibilidade de bypassar o principio de que o STF deve atuar como freio, ou contrapeso. A partir desta premissa, entra-se em seara perigosa, onde o poder da Corte poderá configurar tirania, e o Supremo, em seu status político de “supremacia” (perdoando-se a redundância dos termos), se torna corruptor da democracia – e sem democracia não há Estado de Direito, e sem Estado de Direito, não há liberdade. (LAGES, 2008). Aqui, faz-se necessário o esclarecimento acerca do termo “judicialização” da política. A expressão indica a ação de tribunais no que concerne à análise e ao julgamento, com apoio na legislação e no sistema de “freios e contrapesos”, dos atos do Executivo e do Legislativo. Nesse contexto, ocorre a disseminação do poder judicial com a inequívoca relação entre política e direito. O que existe então é a transferência de competência sobre decisões legislativas para juízes e ministros (ARAGÃO, 2013, p. 126).
Ademais, ao contrário de juízes e cortes, os legisladores e parlamentares se relacionam com a democracia de forma óbvia e natural. A supremacia legislativa no que concerne renovação de matéria declarada inconstitucional pela Corte Suprema é pautada em pelo menos dois juízos de valores: (a) representação eleitoral – recurso utilizado para replicar a opinião do povo – e (b) a regra da maioria, isto é, recurso procedimental que promove a igualdade (MENDES, p. 81).
O que se pode vislumbrar é que a noção mais correta para atuação em controle de constitucionalidade se faz através da premissa de que o parlamento representativo é o mais próximo que se pode chegar do ideal de democracia. Em regra, é a manifestação do povo, ainda que de forma indireta. Se faz mister citar, que a complexidade e dimensão das sociedades modernas exigem que a sua participação se dê de forma limitada e periódica. Dada a inviabilidade de implementar o modelo ideal que represente literalmente a vontade do povo, o mesmo se faz presente por meio de eleições, e governa, ainda que indiretamente, por intermédio de seus representantes. É sabido que a ideia de “vontade da maioria” é problemática, mas, o é parlamento representativo, e isso se faz suficiente para rejeitar uma instituição judicial que, se não necessariamente contra-majoritária, é contra-representativa (MENDES, p. 82).
A corte, como já se falou no decorrer desta pesquisa, poderá sim ter a sua decisão rejeitada, ao final, pelo poder de emenda ou por uma nova constituição. Possível revisão judicial não é decorrência necessária do estado de direito, e esta premissa não deve ter exclusividade na interpretação da constituição. Interpretações do parlamento podem e deve prevalecer, isso porque, se faz equivocado a inferência segundo a qual a Constituição, para ser suprema, precisa, por imposição lógica, ser resguardada por revisão judicial, e são especialmente por não ser a corte um agente externo, que julga com imparcialidade. O STF não promove uma representação deliberativa ou argumentativa, e juízes não representam, não são eleitos, e tão somente são formados por uma elite profissional, que apesar de possuir alguma conexão com as autoridades democraticamente eleitas, do ponto de vista comparativo, não há como justificar que a corte prevaleça sobre o legislador. Legitimidade se mede por comparação: é preciso demonstrar que a autoridade dotada da última palavra é mais democrática que as alternativas. Sendo o parlamento a autoridade escolhida pelo povo, e todo poder emana do povo, o parlamento há de ser considerada instituição valiosa; tanto por representar o povo (e potencializar a dinâmica deliberativa que o distanciamento representativo permite), quanto por garantir que as pré-condições da Democracia não se realizam se não pela estratégia institucional de representação da maioria (MENDES, p. 95).
Mediante todo o esclarecimento discorrido ao longo deste trabalho, ainda faz-se mister enfrentar, em via do caso concreto em análise, o Mandado de Segurança (MS. N. 12.345) impetrado por Deputado Federal do PSOL, com o objetivo de trancamento da PEC 123/2014, sob o argumento de ser a proposta flagrantemente inconstitucional, eis que o STF já declarou inconstitucionalidade do financiamento de campanhas políticas por empresas privadas e pessoa física, o que impediria o Congresso Nacional de aprovar qualquer proposta legislativa contrária a decisão proferida pela Corte. O Deputado argumenta ainda, que possui direito liquido e certo de não votar proposta tida como inconstitucional, e mais, afirma o Parlamentar ainda que a PEC 123/2014 viola o princípio da separação de poderes, o que findaria a justificativa para impedir a tramitação da proposta de emenda constitucional.
Para melhor compreensão da legitimidade para impetração de mandado de segurança que obste o trâmite e a deliberação de PEC na Câmara dos Deputados, o que, vai de encontro ao papel constitucional do Poder Legislativo, este trabalho irá se valer de menção ao Mandado de Segurança 32.036 – DF, através de parecer proferido pela Procuradoria-Geral da República no que concerne este mandado, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, com impetração por parte de Carlos Sampaio, Deputado Federal contra ato atribuído à Mesa da Câmara dos Deputados.
Afirma o impetrante do mandado de segurança do caso em análise deter direito líquido e certo, enquanto parlamentar, a não deliberar sobre propostas de emendas à Constituição tendentes a violar decisão declaradamente inconstitucional pela Suprema Corte, determinando-se o arquivamento da PEC 123/2014. Entende a PGR, em parecer proferido em 18 de Setembro de 2014 acerca do Mandado de Segurança 32.036 – DF que:
[...] resulta inviável a essa Corte Suprema apreciar mérito do pedido do impetrante, direcionado ao exame da existência de suposto vício material, e não formal, de inconstitucionalidade por ofensa a cláusula pétrea no bojo da PEC [...], tendo em conta:
- Inexistir direito liquido e certo a ser tutelado porquanto não se encontra o impetrante obrigado a deliberar sobre a matéria, podendo se abster ou votar contra a proposição supostamente eivada de vício material de inconstitucionalidade; e
- Ser inviável a utilização da presente via como sucedâneo de controle preventivo de constitucionalidade, sob pena de criar mecanismo de controle abstrato não previsto na Constituição, de estender aos parlamentares prerrogativa não concedida nem mesmo aos legitimados para controle repressivo de constitucionalidade (art. 103 da CF/1988), e de atribuir ao mandado de segurança finalidades distintas das quais constitucionalmente definidas para intervir nas atribuições de defesa constitucional e de Poder Constituinte Derivados conferidas ao Poder Legislativo, em ofensa ao principio da separação dos Poderes.
Destaque-se, por fim, que o exame do mérito pelo Supremo Tribunal Federal quanto à suposta inconstitucionalidade da PEC [...] resultaria em prematura intervenção do Poder Judiciário em proposição legislativa a qual se encontra atualmente, [...] em fase inicial de tramitação”.
Apesar da tentativa por parte do Deputado Federal em trancar o trâmite da PEC 123/2014 por instrumento de Mandado de Segurança, o que se nota é o esforço descomedido do congressista em vedar papel constitucional atribuído ao Poder Legislativo enquanto instituição. De modo a ratificar a importância da participação do Poder Legislativo, assim como a constitucionalidade quando da renovação de matéria legislativa (tendo ela sido declarada inconstitucional via controle de constitucionalidade através do STF), é possível concluir pacificamente através de entendimentos da própria Suprema Corte, que o mandado de segurança impetrado contra a tramitação de proposições legislativas detém nítido caráter de controle preventivo de constitucionalidade, e a sua admissão resulta em três inconsistências:
- Permitir controle prévio de constitucionalidade em sistema de jurisdição que o inadmite;
- Conferir aos parlamentares prerrogativa não concedida pela Constituição Federal nem mesmo aos legitimados para controle repressivo de constitucionalidade (art. 103, CF/88); e
- Utilizar a via do mandado de segurança para fins distintos de seus objetivos constitucionais, pois, ao invés de se buscar a tutela de direito especifico, passa a ser empregado como mecanismo de controle abstrato de constitucionalidade.
Ademais, ao se autorizar a intervenção do Poder Judiciário no sentido de determinar o arquivamento da PEC, supostamente ofensiva a clausula pétrea, o que estará sendo tutelado não é o direito subjetivo individual do parlamentar impetrante, mas, ao contrário, haverá violação ao direito liquido e certo dos demais congressistas de deliberarem sobre a proposição legislativa e, inclusive, de se sanar eventuais vícios de inconstitucionalidade nela existentes. (PGR - MS 32.036 – DF)
Para assertividade do que se afirma ao longo deste trabalho, é de suma importância o entendimento, de forma clara, da legitimidade do parlamentar para impetração do mandado de segurança. O STF, em sua jurisprudência, afirma e reafirma que o controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo é medida excepcional, cabível apenas para o controle de PEC que não observe o devido processo legislativo assegurado pelos §§ 1º e 4º do artigo 60 da Constituição Federal. No caso concreto analisado, o que se percebe, é que, a função legislativa simplesmente foi cumprida quando da proposta de emenda constitucional, e que, o argumento utilizado pelo impetrante do mandado de segurança acerca de violação da teoria de divisão dos poderes não se faz pertinente, uma vez que, é perfeitamente constitucional a atribuição do Poder Legislativo de legislar; mesmo que se trate de matéria declarada inconstitucional pela Suprema Corte.
A Supremacia Legislativa é provada, por exemplo, através PEC 33/11 (Autoria: Nazareno Fonteneles, PT/PI), cuja admissibilidade foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. A justificativa para a proposição da PEC 33/11 consiste em contraposição ao ativismo judicial decorrente da atuação do STF. O que se nota é que a criação de certas normas, súmulas, e decisões, fere a tripartição dos poderes, de modo que a Suprema Corte torna-se invasora de espaço reservado ao Congresso Nacional, ao qual cabe a promulgação de leis, premissa esta legitimada por voto popular, o qual elege os seus representantes, que por sua vez, detêm o dever de cumprimento legislativo acima de tudo.
2.2.2 Matéria decidida inconstitucional pelo STF não poderá ser renovada por meio de proposta legislativa no âmbito do Congresso Nacional (Supremacia do Poder Judiciário)
O Supremo Tribunal Federal, provocado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta, com a devida legitimidade, por Partido Político declarou inconstitucional dispositivos de Lei que tratam do financiamento de campanhas políticas por empresas privadas. O STF, em suma, realizou o seu papel em via de controle de constitucionalidade. O Congresso Nacional, por sua vez, insatisfeito com a decisão proferida pela Suprema Corte, promoveu PEC com conteúdo legislativo que vislumbra a matéria já declarada inconstitucional pelo Supremo.
O que se nota é que a harmonia que deveria pairar entre os Poderes Legislativo e Judiciário cede à tensão decorrente tanto de uma interpretação quanto de uma aplicação equivocada da teoria dos freios e contrapesos. Ora, se após aprovar lei, que percorreu todos os trâmites do processo, o Senado Federal executa lei declarada inconstitucional pelo STF, acaba por interferir diretamente em atribuição de competência do Poder Judiciário.
Gilmar Mendes afirma que a manutenção da atuação senatorial nos dias de hoje, somente se justifica pela existência de raízes históricas, da qual devemos nos desentranhar, para então alcançar, de maneira satisfatória o almejado objetivo de celeridade processual. Em suas palavras: “a única resposta plausível nos leva a acreditar que o instituto da suspensão pelo Senado assenta-se hoje em razão de índole exclusivamente histórica”. (MENDES, 2006, p. 266).
Kildare Gonçalves, por sua vez, disserta que aceitar a discricionariedade do Senado Federal para suspender, ou não, a execução de ato declarado inconstitucional pelo STF consiste em admitir que uma consideração política sobrepõe-se a um exame jurídico acerca da inconstitucionalidade, o que certamente acarretará em insegurança jurídica. Em sua obra, o autor pondera:
“Pondere-se, todavia, que, admitindo ser discricionária a suspensão, pelo Senado, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, estaria o Senado fazendo um novo juízo sobre a inconstitucionalidade, o que significa que considerações políticas sobreporiam a uma verificação jurídica e também política, comprometendo, com isso, o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição”. (CARVALHO, 2004, p. 258).
Em análise ao caso concreto exposto, verifica-se o comportamento de um Legislativo parcial, que desconsidera a separação de poderes e legisla acerca de matéria provadamente inconstitucional. Note-se que ao mencionar “provadamente” se quer dizer que a Suprema Corte se valeu de todos os institutos jurídicos, políticos e sociais para garantir decisão coesa e democrática acerca da inconstitucionalidade dos dispositivos de Lei.
Dessa forma, acerca do financiamento de campanhas eleitorais, o Supremo Tribunal entendeu não possui subsídios suficientes para o julgamento de matéria tão polêmica e relevante à conjuntura político-social do país. Então, a Corte maior se valeu de instituto novo no Direito Brasileiro, que trás para o julgamento de ADI a sociedade civil com devido expertise em áreas especificas, com o objetivo de auxiliar os nobres juízes na busca da decisão mais democrática possível.
O amicus curiae ("amigo da Corte") é um instituto novo no cenário jurídico brasileiro, notadamente no âmbito da jurisdição constitucional, e foi introduzido formalmente no direito positivo brasileiro com a edição da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, para dispor sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade. (CANOTILHO, 2000, p. 904-905).
A expressão amicus curiae não está expressa no texto legal, no entanto, a sua instituição é sugerida pela expressão “outros órgãos ou entidades”. É válido a nota de que esta figura não é caracterizada como parte ou mesmo modalidade de intervenção de terceiros quando do processo constitucional. Nesse sentido, o § 2º, do artigo 7 da Lei 9.868/99 enuncia que: “O relator, admitir, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades”.
Em resumo, o amicus curiae ou “amigos da corte” se dá por intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Aqui, vale a pena a repetição: não configuram os amicus curiae partes no processo; atuam sim apenas como interessados na causa.
A ADI 4.650 que tratou sobre o Financiamento de Campanhas Eleitorais (objeto de análise também no caso a que este trabalho se refere) contou com a participação de diversos “amigos da corte”, e, em 17/06/2013 se deu o primeiro dia de Audiência Pública, onde estiveram presentes os ministros do STF, e àqueles que, ao representar a coletividade, buscaram auxiliar de maneira parcial e representativa a decisão final proferida pela Corte maior.
O Ministro Luis Fux, presidente e relator da ADI 4.650, com muito categoria, durante a abertura da audiência publica, ressaltou:
“O objetivo da Audiência Pública, como já foi anunciado, visa exatamente a que o Supremo Tribunal Federal possa auferir, junto a coletividade, a s sua colaboração nesse novo processo democrático participativo. A postura do magistrado é muito diferente quando ele aprecia um processo subjetivo daquela postura que adota quando analisa um processo objetivo, onde há opções políticas adotadas pela Constituição Federal, onde há valores. E nós temos sempre o vezo de entendermos que a grande legitimação das decisões da Suprema Corte nesse processo objetivo é alcançada exatamente por meio da voz da sociedade. Por isso é que, sempre que possível, convocamos audiências publicas em temas interdisciplinares e, também, gostamos de ouvir amicus curiae, que tem aquele entendimento técnico especializado. De sorte que será de muita valia para todos nós um tema tão central para a democracia brasileira, como sói ser o financiamento das eleições, a melhor forma, evitando cooptações, que têm causado severos danos à higidez do sistema político-eleitoral brasileiro. Exatamente na ânsia de nós obtermos a melhor solução possível é que eu queria reiterar o meu agradecimento aos Expositores que se inscreveram, que têm conhecimento técnico cientifico e muitíssimo a colaborar com a solução do Supremo Tribunal Federal”
Daniel Sarmento, por sua vez, ao expor parecer técnico durante a Audiência Pública em questão atenta para a teoria da supremacia do judiciário. Transcreve-se aqui o que o ilustre Professor Doutor de Direito Constitucional da UERJ afirmou:
“[,,,] Podemos discutir também se o Supremo Tribunal Federal é o foro adequado para esse tipo de debate. No Brasil de hoje, cada vez mais, discute-se a judicialização da política e muita gente critica o Supremo Tribunal Federal, dizendo que, em determinada decisões, o STF iria além do que é legitimo que faça numa democracia. Fala-se que, como os juízes não são eleitos, seria, enfim algo muito excepcional a possibilidade de que derrubem decisões adotadas pelo legislador eleito pelo povo. Pois bem, é absolutamente descabida a crítica antidemocrática nesse caso, porque o que se busca no Supremo Tribunal Federal é exatamente a garantia dos pressupostos do funcionamento da democracia. Então, essa é uma Ação, talvez, como nenhuma outra, na historia do STF, em que o que se busca é o fortalecimento da democracia. É viabilizar que a democracia brasileira possa ser uma democracia de direitos iguais para todos os cidadãos, e não uma plutocracia. Em um cenário como esse, não faz sentido a critica de que o Supremo iria longe demais se interviesse nesse seara. [...] Nós temos avançado muito na democracia brasileira, mas é preciso torná-la cada vez mais inclusiva, cada vez mais republicana. E o tema do Financiamento de Campanhas é absolutamente essencial nesse contexto”.
Remetendo-se ao caso hora analisado tem-se como fato, após a declaração de inconstitucionalidade por parte do STF, a tramitação de PEC no Congresso Nacional dissertando sobre o mesmo tema, isto é, financiamento de campanhas políticas. A PEC busca re-legislar matéria declarada inconstitucional por mero desconforto dos parlamentares. Parlamentares estes, que subsidiaram a justificativa para propositura da PEC, nos malefícios (que superariam os efeitos positivos) advindos de tal declaração de inconstitucionalidade. O Poder Legislativo, dessa forma, possui a audácia de afirmar que a inconstitucionalidade dos dispositivos de Lei acarretaria em meios alternativos de financiamento de campanha, a exemplo do “caixa 2”. Ora, nada impede que o Poder Público tome medidas para evitar o financiamento eleitoral por meio de “caixa 2”, através, por exemplo, do aperfeiçoamento dos mecanismos existentes para a fiscalização de gastos de campanha por parte da Justiça e do Ministério Publico Eleitoral. Trata-se, deste modo, de soluções sinérgicas e complementares entre Poder Legislativo e STF, e nunca excludentes. O que não se pode conceber, e aí vale aplausos para a Suprema Corte, é a permissividade que a própria lei eleitoral possui, na medida em que fomenta vícios antirrepublicanos, como ocorrera até a declaração de inconstitucionalidade por meio da ADI estudada no caso objeto de análise deste trabalho (e possivelmente voltará a ocorrer caso a PEC em trâmite seja admitida).
Cabe neste momento, observação acerca da ADI 4.560 e o seu atual status. Segundo o informativo “Noticias STF”, publicado em 02 de Abril de 2014, novo pedido de vista suspendeu o julgamento de ADI sobre financiamento de campanhas:
Pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu, nesta quarta-feira (2), o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650, em que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questiona dispositivos da atual legislação que disciplina o financiamento de partidos políticos e campanhas eleitorais (Leis 9.096/1995 e 9.504/1997). Iniciado em dezembro de 2013, o julgamento foi retomado hoje com voto-vista do ministro Teori Zavascki, que abriu divergência em relação aos votos anteriormente proferidos pelos ministros Luiz Fux (relator), Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa (presidente da Corte) no sentido da procedência do pedido formulado na ação, por entenderem inconstitucional o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas, e também a forma como está regulamentado o financiamento por parte de pessoas físicas. Ainda na sessão de hoje, os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski anteciparam voto, posicionando-se respectivamente pela procedência parcial e total do pedido.
No que concerne à teoria da Supremacia do Poder Judiciário, é entendido que cabe aos três poderes interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela. Mas, em caso de divergência a ultima palavra é a do Judiciário. (BARROSO, [20-?], p.13). Na realidade, A maior parte dos Estados democráticos do mundo reserva uma parcela de poder político para ser exercido pelo Judiciário, isto é, por agentes públicos que não são eleitos. Quando os órgãos judiciais resolvem disputas entre particulares, determinando, por exemplo, o pagamento de uma indenização por quem causou um acidente, decretando um divórcio ou o despejo de um imóvel, não há muita polêmica sobre a legitimidade do poder que exerce. (BARROSO, [20-?] p. 19).
A Constituição confere a ele competência para solucionar os litígios em geral e é disso que se trata. A questão ganha em complexidade, todavia, quando o Judiciário atua em disputas que envolvem a validade de atos estatais ou nas quais o Estado – isto é, outros órgãos de Poder – seja parte. É o que ocorre quando declara inconstitucional a cobrança de um tributo, por exemplo. Nesses casos, juízes e tribunais sobrepõem sua vontade à de agentes públicos de outros Poderes, eleitos ou nomeados para o fim específico de fazerem leis. (BARROSO, [20-?] p. 20).
Luis Roberto Barroso afere com muita precisão o real papel do Judiciário perante a sociedade, e coloca uma pá de cal em discussões acerca da falta de legitimidade deste mesmo papel Judiciário para exercer função que lhe é competida constitucionalmente:
“Para blindar a atuação judicial da influência imprópria da política, a cultura jurídica tradicional sempre se utilizou de dois grandes instrumentos: a independência do Judiciário em relação aos órgãos propriamente políticos de governo; e a vinculação ao direito, pela qual juízes e tribunais têm sua atuação determinada pela Constituição e pelas leis. Órgãos judiciais, ensina o conhecimento convencional, não exercem vontade própria, mas concretizam a vontade política majoritária manifestada pelo constituinte ou pelo legislador. A atividade de interpretar e aplicar normas jurídicas é regida por um conjunto de princípios, regras, convenções, conceitos e práticas que dão especificidade à ciência do direito ou dogmática jurídica. Este, portanto, o discurso padrão: juízes são independentes da política e limita-se a aplicar o direito vigente, de acordo com critérios aceitos pela comunidade jurídica.” (BARROSO, [20-?], p. 20)
A independência do Judiciário é um dos dogmas das democracias contemporâneas. A receita para os quase todos os países que emergiram de regimes autoritários e a organização de um Judiciário que esteja protegido de pressões políticas e que possa interpretar e aplicar a lei com isenção, baseado em técnicas e princípios aceitos pela comunidade jurídica. (BARROSO, [20-?], p. 20).
O que se busca, de forma ultimada é independência e imparcialidade como pressupostos “para um governo de leis, e não de homens. De leis, e não de juízes, fique bem entendido”. (BARROSO, [20-?], p. 20). Para assegurar que assim seja, a Constituição confere à magistratura garantias institucionais – que incluem autonomia administrativa e financeira – e funcionais, como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de remuneração.
Mediante o exposto acima, Luis Roberto Barroso lembra:
Naturalmente, para resguardar a harmonia com outros Poderes, o Judiciário está sujeito a checks and balances e, desde a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, ao controle administrativo, financeiro e disciplinar do Conselho Nacional de Justiça. Em uma democracia, todo poder é representativo, o que significa que deve ser transparente e prestar contas à sociedade. Nenhum poder pode estar fora do controle social, sob pena de se tornar um fim em si mesmo, prestando-se ao abuso e a distorções diversas. (BARROSO, [20-?], p. 21-22)
Embora não possa oferecer soluções prontas em muitas situações, o direito limita as possibilidades legítimas de possíveis desfechos que podem ser construídos pelos intérpretes judiciais. Com isso, o exercício de escolhas voluntaristas e arbitrárias é contido de forma parcial. Como não poderia deixar de ser, inúmeros outros fatores influenciam a atuação de juízes e tribunais, “como a interação com outros atores políticos e institucionais, preocupações com o cumprimento das decisões judiciais, circunstâncias internas dos órgãos colegiados e a opinião pública, dentre outros”. (BARROSO, [20-?], p. 46). Em resumo, o direito pode e deve ter uma vigorosa pretensão de autonomia em relação à política. Isso é vital para a subsistência do conceito de Estado de direito e para a consequente confiança da sociedade nas instituições judiciais.
2.2.3 A matéria, para ser decidida inconstitucional, se valeria de diálogos institucionais, que envolvem não a sobreposição de poderes, mas a coordenação entre eles.
O que se viu nos pontos abordados ao longo deste trabalho foi a existência de uma dicotomia entre o real legitimado para “guardar a Constituição Federal”. Há os que são adeptos a teoria da Supremacia Legislativa, e o item 2.2.1 do trabalho em curso demonstra diversos argumentos, inclusive pautados em jurisprudência proferida pelo STF, que justificam e mesmo defendem que a última palavra em controle de constitucionalidade deve ser do Poder Legislativo, já que este, é o legitimado maior via o processo eleitoral instituído no Brasil – a partir do Legislativo como “guardião da CF” o que se nota é que o próprio povo faz-se responsável por salvaguardar o texto do constituinte.
Antagonicamente, o item 2.2.2 do presente trabalho, discorre acerca da Supremacia do Poder Judiciário; a sua feição técnico-jurídica é enaltecida, e mais ainda, o próprio texto constitucional estabelece o Poder Judiciário como guardião mor da Constituição Federal, o que, em si só, já é argumento suficiente para muitos. É claro, que, para os estudiosos, doutrinadores, e respeitados juristas, os argumentos que defendem a supremacia do judiciário vão muito alem daqueles elencados pelos artigos da Carta Magna. O que se conclui é que a ideia de supremacia deste poder está intrinsecamente conectada com o conceito de “quem está melhor preparado” para proferir decisões em ultima instancia que afetarão a toda uma sociedade. O poder judiciário julga, porque este é o seu papel, e mediante o seu julgamento, cabe ao legislador acatar a palavra proferida. A Suprema Corte tem o dever e papel de limitar a arbitrariedade do Poder Legislativo (muitas vezes corrupto), e isso se dá através do controle de constitucionalidade, que só terá a sua eficácia aferida, se as decisões do Supremo não forem passiveis de reexame ou mesmo questionamento, por parte do Legislativo.
Abordado as duas formas de supremacia existentes no atual ordenamento político-jurídico brasileiro, faz-se mister a inserção, no âmbito de discussão deste trabalho, da chamada Teoria Institucional e os Diálogos Institucionais. A reflexão acerca do tema iniciou-se no Canadá (e esta origem não será aprofundada neste momento), onde foi sustentado um novo modelo de proteção de direitos constitucionais, contraditando o judicial review existente. O se percebeu foi a discussão do redimensionamento do papel do Poder Judiciário e da legitimidade das instituições democráticas de revisar deliberações através de interpretações do texto constitucional. (ARAUJO, [20-?], p. 17)
Luis Claudio Martins Araujo, Advogado da União, Professor do IBMEC, Doutourando em Direito pela UERJ, Mestre em Direito pela UFRJ, e Pós Graduado em Processo Constitucional pela UERJ, pondera em magnífico artigo que:
“[...] o debate sobre as Teorias Institucionais, pautado na ideia de que no âmbito das atividades institucionais as controvérsias devem ser resolvidas por meio de uma atividade dialógica, acaba por problematizar o tradicional comportamento isolacionista das instituições, dentro do parâmetro central de cooperação em uma ordem constitucional, de modo a lhe proporcionar maior coesão e estabilidade. Ou seja, a partir da preocupação doutrinária iniciada principalmente na última década, passa-se a dedicar ao tema das instituições no plano jurídico-político, e, da necessidade de releitura do papel das instituições na atuação constitucional. Neste sentido, diante desta leitura, deve-se aperfeiçoar um sistema cooperativo e progressivo, a partir das relações entre instituições, em uma comunidade dialógica e convergente.” (ARAUJO, [20-?], p. 17)
Jeremy Waldron, tido como pensador antagônico às teorias dworkianas, concebe o entendimento do “meio termo” ao destacar a possibilidade de uma rede de reciprocidade, erguida sobre os pilares de um procedimento democrático de decisão coletiva compatível com concepções diferentes de justiça de uma sociedade pluralista, isto é, uma sociedade pluri-institucional. (WALDRON, 1993, p. 18-51). O presente trabalho comunga do que afirma o respeitado autor; a transformação do discurso dos direitos constitucionais de um monólogo seja por parte do Legislativo, ou Judiciário, em um diálogo rico, equilibrado e interinstitucional, reduz (com o objetivo precípuo de eliminar), a tensão entre a proteção judicial dos direitos fundamentais e a tomada decisão democrática.
A integração estável das instituições no plano cooperativo deve ser o resultado da atividade constitucional-democrática, assim, o contínuo diálogo permite a participação das instituições na determinação do equilíbrio que se almeja, onde a proteção de direitos deve envolver a atuação conjunta dos Poderes Legislativos e Judiciário, a partir da percepção de que todos são responsáveis por uma dimensão da tarefa de guarda da Constituição, sobretudo no contexto da sociedade brasileira, marcada por desacordos persistentes concernindo as mais variadas questões.
“Neste sentido, as instituições devem atuar dialogicamente, buscando alcançar uma deliberação que atenda aos interesses e valores da coletividade, resultados de uma prática discursiva racional e verificando o respeito empenhado aos fundamentos constitucionais e da razão pública. Desta forma, é certo que a atuação das instituições é guiada pelos valores constitucionais conforme os fundamentos da ordem democrática, e que, portanto, esta dinâmica de condutas institucionais se fundamenta na necessidade de se firmar tanto um equilíbrio entre o Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Legislativo, quanto de se ressaltar a importância das instituições frente ao Estado” (ARAUJO, [20-?], p. 19)
O rompimento com a concepção tradicional de tripartição dos poderes sob o modelo federalista como marco para a organização institucional é o primeiro passo para adoção de um neo-modelo de pensamento decisório na esfera pública. A partir destas premissas, vinculado à noção de Teoria das Instituições pode-se instaurar a análise das capacidades institucionais e os efeitos sistêmicos, e enaltecer a ideia de que a legislação deve ser legitimamente exercida levando em conta quem a concretiza.
A conclusão acima é uma nova maneira de tornar existentes na prática os valores que aparentam só existir se expressos formalmente na Constituição Federal. Sob este prisma, concebe-se que a legitimidade das decisões no plano nacional depende do grau de diálogo e consenso entre as partes envolvidas, e isto é organizado através de uma cadeia de reconhecimento da identidade de cada Poder em relação à decisão. A partir da concepção de que o comprometimento de cada componente é base de sustentação para criação de uma sociedade cooperativa, o novo modelo da Teoria das Instituições é o que realmente permite a transformação da sociedade brasileira em um verdadeiro projeto democrático.
2.2 Descrição dos critérios e Valores Contidos nas Decisões Analisadas
2.2.1 Critérios adotados para subsidiar as decisões contidas neste trabalho
a – Legitimidade de Partido Político para intervenção em controle de constitucionalidade através de propositura de ADI;
b – Legitimidade legislativa salvaguardada pela CF Vs. Legitimidade Judiciária;
c – Amicus Curiae como critério auxiliador de decisões do STF;
d – Mandando de Segurança como instrumento obstar trâmite de PEC, assim como legitimados para a sua propositura;
e – Teoria dos Dialógos Institucionais;
2.2.2 Valores adotados para subsidiar, bem como justificar, as decisões contidas ao longo do trabalho
a – Guardião da Constituição; valores ligados a responsabilidade pela guarda da Carta Magna;
b – Supremacia do Poder Legislativo;
c – Supremacia do Poder Judiciário;
d – A democracia como principio final do controle de constitucionalidade;
e – O povo como legitimado para governar de forma indireta;
f – O Poder Judiciário como instituto confiável capaz de garantir segurança jurídica.
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_____.______. Reclamação n. 2617-5/MG. Relator: Min Cezar Peluso. Minas Gerais, 26 de abr. 2004. Diário da Justiça, Brasilia, 26 fev. 2005
[1] Case apresentado à disciplina de Processo Constitucional, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
[2] Aluna do 5º período, do Curso de Direito, da UNDB.
[3] Aluno do 5º período, do Curso de Direito, da UNDB.