CONTROLE BIOLÓGICO: BREVES CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS

Por Tarcísio Viana de Lima | 14/01/2025 | Ecologia

CONTROLE BIOLÓGICO: BREVES CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS

 

Tarcísio Viana de Lima[1]

RESUMO

O controle biológico é um dos mais importantes segmentos das áreas agrárias que lidam diretamente com observações e análises de campo, bem como coletas e avaliações laboratoriais, no intuito de desenvolver métodos simples e economicamente viáveis para combater e/ou debelar organismos potencialmente danosos para o crescimento e desenvolvimento de culturas agrícolas e silvestres destinadas            aos mais variados fins socioeconômicos. Portanto, o presente texto discorre sobre revisões de conceitos elementares e descrições sucintas de modalidades de biocontroles propostas para se combater pragas em unidades ecossistemáticas.

Palavras-chave: Bioproteção; Biocontrole; Endoparasitoidismo; Ectoparasitoidismo.

1.   INTRODUÇÃO

Embora, convencionalmente, a expressão controle biológico seja aplicada, no campo agrário, para explicitar práticas que visam conter pragas agrícolas por meio de manejo adequado; é notório uma maior abrangência desse processo, pois trata-se de um fenômeno espontâneo, dinâmico e efetivo que, naturalmente, ocorre nas estruturas bióticas dos mais simples aos mais complexos ecossistemas.

A evidência da amplitude do controle biológico natural pode ser constatada ao analisar-se o fluxo da matéria e energia no conjunto de cadeias alimentares formadoras das redes tróficas dos ecossistemas. Nesse contexto, parte-se do princípio de que a manutenção do equilíbrio das densidades populacionais dos diferentes níveis tróficos, além de considerar as taxas de natalidade/imigração e de mortalidade/emigração balanceadas, resulta das múltiplas interações verificadas entre os seres vivos de hábitos alimentares diversificados, sobressaindo-se a predação de presas por predadores, o que torna o controle biológico axiomático para a evolução ecologicamente estabilizada das unidades ecossistemáticas.

Com base nesses aspectos, compreender a dinâmica das múltiplas interações biológicas é fundamental para minimizar danos ocasionados por organismos que passam ao status de pragas, devido suas instabilidades populacionais, decorrentes do aumento substancial no número de indivíduos por unidade de área num determinado tempo; sendo, predominantemente, representados tanto por insetos quanto agentes transmissores de doenças causadoras de transtornos nos níveis econômicos, sociais e ambientais, respectivamente.

A partir da compreensão das redes interativas estabelecidas pelas múltiplas espécies dentro dos seus respectivos ecossistemas, torna-se mais fácil entendermos os princípios e as diferentes tipologias de controle biológico adotadas com a finalidade de proporcionar o equilíbrio dinâmico entre as distintas populações envolvidas na estrutura da comunidade.

Portanto, objetivou-se com esta produção textual simplificada apresentar, de forma clara, direta e sintetizada, informações relacionadas aos aspectos conceituais, dinâmicos e tipológicos do biocontrole ou bioproteção, para servir como base de consultas preliminares aos principiantes de uma importantíssima área relacionada à biologia aplicada.

2.   DESENVOLVIMENTO

2.1.  Origem do controle biológico

O biocontrole, bioproteção ou controle biológico é um mecanismo cuja evolução está vinculada diretamente aos processos autogênicos da sucessão ecológica, pois esse evento depende das interações estabelecidas em níveis intraespecíficos e interespecíficos, responsáveis pelas alternâncias de comunidades no espaço e tempo. Partindo-se desse princípio, fica explícita a natureza espontânea desse mecanismo, cuja função básica é regular as densidades populacionais das espécies de plantas, animais e outras formas biológicas dos diversos ecossistemas.

Essa estratégia natural foi crucial, pois despertou no homem, na medida em que esse estreitava suas ações com o ambiente, o interesse e a capacidade de usar representantes do patrimônio biológico para combater organismos enquadrados como plantas daninhas, pragas e patógenos, face às suas potencialidades em gerar prejuízos significativos em culturas destinadas à subsistência e outros fins.

Entretanto, para acumular experiências mínimas necessárias na arte de manejar o controle biológico, possibilitando ao homem adquirir um certo domínio desse processo a partir dos usos frequentes de inimigos naturais no combate particular de pragas, além de demandar bastante tempo, na ordem de séculos a milhares de anos (HUFFAKER e MESSENGER, 1976; FONTES E VALADARES-INGLIS, 2020); foi imprescindível aprofundar e aprimorar conhecimentos sobre o comportamento e a dinâmica de interações estabelecidas entre os seres vivos no contexto da sinecologia.

Conforme Gonçalves (1996), embasado em Huffaker e Messenger (1976), compreende-se que a sedimentação e o amadurecimento desses conhecimentos possibilitaram, no final do Século XIX, considerar o controle biológico um método científico respaldado por novas propostas conceituais aplicadas para nortear os estudos das relações interespecíficas, das conjunturas evolutivas e das pressões competitivas associadas à luta pela sobrevivência das populações envolvidas. Atrelado a esse aspecto, e não menos importante na eclosão científica do controle biológico, foi a indispensável demanda em solucionar graves problemas decorrentes das espécies enquadradas como pragas. Nesse contexto, assumiram papel relevante como inimigos naturais no controle dessas espécies grupos específicos de predadores, parasitas e patógenos, sobretudo, em decorrência da crescente projeção da entomologia naquela ocasião.

2.2.  Conceito

Apesar da longa trajetória histórica, onde várias ações em diferentes sociedades ratificaram a eficiência do biocontrole, só em 1919, a expressão controle biológico foi proposta por Harry Scott Smith, entomologista da Universidade da Califórnia, no sentido de indicar “o processo de supressão de populações de insetos-praga específicos por meio do uso eficaz de seus inimigos naturais nativos ou introduzidos” (BERTI FILHO e MACEDO, 2011; FONTES e VALADARES-INGLIS, 2020; BARBOSA et al., 2021).

De acordo com Berti Filho e Macedo (2011), a definição inicial de controle biológico, na medida em que foi se consolidando, passou a designar múltiplas atividades, dentre as quais, destacam-se o uso e manejo de variedades resistentes, culturas rotacionadas, plantios e colheitas em épocas antecipadas ou retardadas, incinerações de restos de culturas, descarte e destruição de ramos e frutos atacados, indução e dispersão de machos estéreis, uso de componentes atrativos e repulsivos, além de feromônios e armadilhas como formas efetivas de biocontrole. Esses autores, entretanto, salientam que essas multiplicidades de ações não são aceitas integralmente pelos estudiosos da área, pois consideram o controle biológico uma ciência que busca regular densidades populacionais de insetos-praga, ácaros ou ervas daninhas, por meio do uso equilibrado de inimigos naturais.

  Para Parra et al. (2002), o controle biológico se destaca por ser um fenômeno natural responsável no processo de regulagem do número de plantas e animais por inimigos naturais, considerados agentes de mortalidade de natureza biótica. Dessa forma, assume-se que tanto vegetais quanto animais, em sua totalidade e em qualquer estágio dos seus ciclos de vida, apresentam densidades populacionais controladas indistintamente por esses agentes naturais de populações coexistentes na estrutura da comunidade.

Em síntese, o controle biológico deve ser compreendido como um segmento indispensável para o equilíbrio biótico dos ecossistemas, uma vez que seus princípios se baseiam no mecanismo da densidade recíproca ou dependente (PARRA et al., 2002), de tal forma que, o aumento ou declínio da população de presas ou hospedeiros implica na elevação ou redução populacional de inimigos naturais representados por predadores, parasitóides ou patógenos.

2.3.   Tipos de controle biológico

Na atualidade, são evidenciadas quatro modalidades mais comuns de controle biológico: o artificial ou indutivo, o clássico, o natural e o aplicado.

a.    O controle biológico artificial ou indutivo

Modelo caracterizado pela condução das atividades de bioproteção realizada pelo homem. Nesse sentido, observa-se uma interferência que visa o aumento de seres vivos predadores, patógenos e parasitos, representados por espécies de insetos, com efetiva capacidade de exercer controle biológico natural, bem como microrganismos dos diversos grupos, tais como: vírus, bactérias, fungos e nematóides, além de protozoários.

b.   O controle biológico clássico

Sua viabilização está condicionada à importação e colonização de organismos parasitóides ou predadores de outros países, que serão usados de forma significativa para o controle de pragas alóctones e, esporadicamente, as de origem nativa, Por se tratar de um modelo onde se verifica a introdução de organismos com o intuito de controlar, e até eliminar, pragas exóticas, sua aplicabilidade, ou condução, restringe-se  à liberação de número reduzido de insetos numa mesma localidade, pois se trata de um biocontrole de longo prazo, e que envolve riscos de favorecer a entrada de organismos indesejáveis mesclados com os benéficos.

c.    O controle biológico natural

Nesta modalidade de biocontrole fica implícita a ação das espécies de inimigos biológicos autóctones ou originários de uma dada unidade ecossistemática. Na realidade, essas populações, perfeitamente ajustadas às condições ecológicas típicas de seus biótopos, desempenham funções cruciais e indispensáveis, pois mantêm estabilizada a densidade de coortes que lhes servem de fontes alimentares. Dessa forma, esses “inimigos biológicos” promovem a conservação de suas presas e preservam as características naturais desses ecossistemas.

Essas estratégias estabelecidas pelos agentes biocontroladores em conservar as suas presas ou fontes alimentares, associadas às condições ambientais favoráveis ao seu crescimento e desenvolvimento, são determinantes para potencializar o aumento e diversificar as coortes de inimigos biológicos naturais, o que incide num biocontrole eficiente para a manutenção do equilíbrio do ecossistema.

d.   O controle biológico aplicado

Considerado um método de bioproteção similar ao controle realizado com o uso pontual de pesticidas, que se caracterizam por apresentar potencial letal mais incisivo e rápido no combate de incidência de pragas em comparação com as modalidades de controle biológico.  

Esta forma de biocontrole se baseia na prática de liberações inundativas de inimigos naturais, representados por parasitóides e predadores, gerados pelo método da criação massal em laboratório. Tem por objetivo primário acelerar a redução da densidade populacional de pragas para restabelecer o seu nível de equilíbrio dentro da comunidade.

2.4.  Organismos usados no biocontrole

Embora as literaturas especializadas e consagradas teçam comentários aprofundados sobre vários representantes do universo dos inimigos naturais, nunca é excesso pontuar algumas características que se sobressaem nos grupos mais expressivos dessas componentes biológicas imprescindíveis para a estabilidade do equilíbrio ecológico dos ecossistemas, sejam eles naturais ou antrópicos.

a.    Parasitóides

Resumidamente, trata-se de um grupo constituído por organismos que, em seu estágio inicial de vida, necessitam obter alimentos provenientes de fontes hospedeiras. Entretanto, diferentemente dos parasitas tradicionais, os parasitóides determinam a morte dessas fontes alimentares, pois, para completar seu desenvolvimento, atuam no estágio larval como ávidos parasitas e predadores, causando danos irreversíveis a essas fontes de alimentos.

Em suas investidas, as fêmeas de parasitóides podem ovipositar tanto no interior quanto na superfície corpórea dos organismos hospedeiros. Quando a oviposição se dá dentro do corpo da fonte de alimentos, tem-se o endoparasitoidismo. Já, na parte externa da estrutura corpórea, o ectoparasitoidismo. Em ambos os casos, as eclosões dos ovos geram larvas que se alimentarão da fonte energética. Esse abastecimento alimentar será viável para o parasitóide até se completar o ciclo que antecede o estágio adulto, momento em que se concretiza a prognose da morte do hospedeiro.

Dentre os parasitóides mais eficazes no combate de pragas, encontram-se as vespas da família Braconidae e Ichneumonidae; bem como, moscas da família Tachinidae.

b.   Predadores

Caracterizam os organismos que se enquadram como especialistas, quando selecionam suas presas para obtenção de alimentos; ou generalistas, nesse caso, apresentam uma dieta alimentar bastante diversificada.

É importante salientar que, na condição de inimigos naturais, os predadores são excepcionais para controlar ou debelar pragas específicas. Entretanto, não se deve descartar a possibilidade de certos predadores de hábitos específicos atacarem, de forma incisiva, organismos benéficos para a manutenção do equilíbrio do ecossistema.

Diferentemente dos parasitóides, cuja vida livre só é alcançada quando atingem a fase adulta, os predadores são enquadrados nessa condição em todo seu ciclo de vida. Logo, para crescerem e desenvolverem, necessitam consumir presas em larga escala. Por apresentarem dimensão maior que as pragas, os predadores têm uma grande facilidade e flexibilidade para abatê-las e predá-las. Dentre os predadores mais usados em práticas de controle biológico, encontra-se a joaninha – coleóptero da família das Coccinellidae).

c.    Entomopatógenos

Conhecidos por inseticidas microbianos ou bioinseticidas, correspondem ao uso de grupos de microrganismos, cujos representantes são vírus, bactérias, fungos, nematóides e protozoários, que são adotados no controle de insetos-praga. Por serem produzidos em larga escala, são disponibilizados em formulações comerciais visando aplicações por meio da utilização de pulverizadores padrões.

       Uma das grandes vantagens da adoção de entomopatógenos é sua especificidade de uso, pois são direcionados para determinadas pragas, segundo suas fases de vida. Portanto, não há riscos consideráveis em causarem efeitos negativos em insetos benéficos, além de não apresentarem toxidades para a os organismos dos ecossistemas e para o homem, ao adotá-los como estratégia de combate de insetos-praga.

3.   CONSIDERAÇÕES FINAIS       

Apesar dos estudos sobre controle biológico terem evoluídos substancialmente com adoções de novas metodologias nas últimas décadas, baseadas em experiências historicamente consagradas, é fato que, em decorrência do dinamismo dos processos interativos bióticos, sempre haverá uma crescente demanda de conhecimentos ecológicos para preencher as lacunas emergentes oriundas das mudanças comportamentais de determinadas espécies tróficas, tendo em vista as profundas alterações estruturais induzidas pelo homem que, a partir do uso exacerbado de práticas não condizentes com modelos adequados de manejo de recursos naturais, potencializam os desequilíbrios ambientais, cujos reflexos são evidentes nas oscilações bruscas de densidades populacionais de espécies biológicas, induzindo-as ao nível de pragas. Portanto, o domínio do uso de práticas de controle biológico é fundamental para a manutenção da estabilidade ecossistemática.

4.   REFERÊNCIAS

BARBOSA, L. R.; CASTRO e CASTRO, B. M.; SOLIMAN, E. P.; WILCKEN, C. F.; IEDE, E.T.; ZANUNCIO, J. C. Controle biológico no MIP florestal. In: LEMES, P. G.; ZANUNCIO, J. C. Novo manual de pragas florestais brasileiras. Montes Claros: ICA/UFMG. 2021. p. 147 – 163.

BERTI FILHO, E.; MACEDO, L. P. M. Fundamentos de controle biológico de insetos-praga. IFRN. 2011.108 p.

FONTES, E. M.; VALADARES-INGLIS, M. C. Controle biológico de pragas da agricultura. Brasília: Editoras Técnicas/Embrapa. 2020. 510 p.

GONÇALVES, L. Fatos históricos do controle biológico. Floresta e Ambiente. N.3. p. 96 – 101. 1996.

HUFFAKER, C. B.; MESSENGER, P. S. Theory and Practice of Biological Control. California, Academic Press, 1976. 788 p.

PARRA, J. R. P.; BOTELHO, P. S. M.; CORRÊA-FERREIRA, B. S.; BENTO, J. M. S. Controle biológico: terminologia. In: PARRA, J.R.P; BOTELHO, P.S.M.; CORRÊA-FERREIRA, B.S.; BENTO, J.M.S. (Ed.). Controle biológico no Brasil: parasitoides e predadores. São Paulo: Manole, 2002. p. 1-16.


 


[1] Professor do Departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

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