CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NO PERÍODO PRÉ-ESCOLAR

Por Priscila Almeida Silva | 04/08/2013 | Educação

CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA NO PERÍODO PRÉ-ESCOLAR

 

Priscila Almeida Silva

RESUMO: Este trabalho tem o objetivo de analisar o modo como os jogos estimulam a criatividade e o pensar das crianças, proporcionando um contato indispensável com o mundo natural e social. Inúmeros aspectos podem ser trabalhados por meio dos jogos, de acordo com as intenções e objetivos a serem alcançados. Isso se deve à grande variedade de materiais e tipos de jogos disponíveis para serem usados como ferramentas pedagógicas. Ao assumir diferentes papéis no ato de brincar, a criança experimenta diversas possibilidades para a construção de sua própria identidade e para a compreensão do mundo, até mesmo para transformá-lo. O professor deve se encarregar de fazer as escolhas adequadas às metas estabelecidas, propondo trabalhos com jogos que melhor atendam as necessidades do grupo com o qual está lidando, respeitando as particularidades características de cada aluno, para que todos possam ser beneficiados com um desenvolvimento saudável e satisfatório.

 PALAVRAS-CHAVE: Criança, jogo, brincadeira, educação infantil, ludicidade, desenvolvimento infantil.

 

 1 Introdução

O jogo, para a criança em idade pré-escolar, é uma oportunidade de desenvolvimento extremamente significante, pois é nele que a criança, através de sua imaginação, estabelece contato com o mundo e consigo mesma, construindo percepções, organizando idéias sobre tudo o que a envolve.

 A grande vantagem de esse contato ocorrer através do jogo é a característica agradável e prazerosa que possui o brincar, embora Kishimoto (2009) esclareça que, de acordo com Vygotsky, muitas vezes o que torna o jogo interessante é justamente o desprazer e o desconforto que se sente até que seja atingido o objetivo.

O Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998) aponta que o ato de brincar tem grande importância por contribuir de forma bastante ampla para a construção da identidade e da autonomia da criança. A imaginação possui um papel determinante neste processo, que desenvolve, entre outras coisas, a atenção e a memória.

De acordo com o Referencial, é preciso também perceber que os jogos e as brincadeiras são poderosos instrumentos de interação social e através deles é possível transmitir regras e valores, assim como noções de papéis sociais. Essas são características muito presentes nas brincadeiras de faz de conta.

 Para compreender como conduzir e mediar apropriadamente o brincar e o desenvolvimento da criança, será apresentado um breve histórico sobre a educação infantil e pontos importantes a serem destacados na Lei de Diretrizes e Bases (1996) e no Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998), para melhor compreender a relação entre a criança e o brincar como um direito de todo cidadão. Serão apontadas, também, considerações acerca da criança e o jogo no seu desenvolvimento e na educação.

                       

 2 Educação Infantil – um breve histórico

Desde o descobrimento do Brasil até 1874 não havia um olhar de proteção e atendimento voltado às crianças, segundo Kramer, que também aponta que entre 1874 e 1889 a preocupação em relação à criança era, basicamente, focada na saúde, chegando a existir alguns projetos elaborados por médicos que não se tornaram realidade.

No Brasil, até 1874, as leis que citavam a criança se restringiam à tutoria, herança, doações, patrimônios e assuntos do gênero, aponta Kramer, que esclarece que o fator determinante para que as crianças passassem a receber mais atenção foi a alta mortalidade infantil, denunciada por higienicistas que deram origem a projetos que diferenciavam claramente os cuidados e direitos dos filhos de escravos e os dos filhos dos senhores.

Tais iniciativas vinham de grupos da sociedade, mas não recebiam grande atenção da administração pública. Embora houvesse instituições como o Asilo de Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro, Institutos de Menores Artífices, em Minas e as associações de assistência à infância, a demanda era altamente superior à capacidade de atendimento oferecida em relação à saúde e à educação.

De acordo com Kramer, a partir de 1889 a higiene, o atendimento médico e escolar da criança passam a receber cada vez mais atenção, dando origem até mesmo a leis que garantem tais atendimentos.

Kramer indica que um grande marco nesse percurso foi a criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil, em 1899, com sede no Rio de Janeiro. O Instituto possuía os seguintes objetivos:

(...) atender aos menores de oito anos; elaborar leis que regulassem a vida e a saúde dos recém-nascidos; regulamentar o serviço das amas de leite; velar pelos menores trabalhadores e criminosos; atender às crianças pobres, doentes, defeituosas, maltratadas e moralmente abandonadas; criar maternidades, creches e jardins de infância.” (KRAMER, 1992, p. 52)

No período em que o Instituto foi fundado, houve a criação de creches, jardins da infância e maternidades. Um grande movimento teve início, com encontros e publicações tratando de assuntos relacionados às necessidades infantis, segundo Kramer, que aponta o ano de 1908 como sendo o ano de surgimento da primeira creche popular, direcionada aos filhos de operários até os dois anos de idade.

 Kramer frisa que, embora na Europa as primeiras creches datem do século XVIII e os primeiros jardins da infância, do século XIX, no Brasil os dois tipos de instituição infantil surgem apenas no século XX.

Apesar de inúmeras iniciativas em relação ao atendimento às crianças, as autoridades governamentais permaneciam oferecendo pouco apoio, dificultando o desenvolvimento dos projetos. Uma mudança começa a surgir, segundo Kramer, em 1922, quando ocorre o 1° Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, que tratou de temas como os cuidados com a criança nos aspectos gerais (vida social, saúde, educação, higiene).

Deu-se origem, então, à busca pela democratização do ensino, dando lugar à Escola Nova no Brasil, que se baseava em preceitos da psicologia, embora ainda não se aplicasse à educação pré-escolar na década de 20.

Mesmo com diversos avanço, Kramer lembra que, naquele período, o atendimento à criança ainda possuía um forte caráter assistencialista, e instituições educacionais eram pouco numerosas por conta do pequeno apoio financeiro que recebiam.

Kramer coloca que após 1930 dá-se início a um novo momento na História da Educação Infantil, no qual transformações políticas, econômicas e sociais se fazem presentes, afetando diretamente na forma de atendimento às crianças, passando a assumir caráter de assistência médico-pedagógica, sendo introduzidos lactários, jardins de infância, consultórios, escolas infantis, entre outros.

Destes acontecimentos em diante, ocorreram cada vez mais iniciativas e discussões a respeito da Educação Infantil, que recebeu cada vez mais atenção do poder público, chegando a ser inserida no programa de Educação da nação.

Em 1996 a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 21º, prevê que a formação dos níveis escolares inclui a Educação Infantil: “I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”. (BRASIL, 1996).

Tal reconhecimento confere à Educação Infantil a ratificação da importância do reconhecimento das necessidades educacionais da criança, bem como seu preparo pré-escolar.

De acordo com o art. 11º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996), os municípios passam a ser incumbidos de:

 V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL,1996)

Na seção II da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ficam estabelecidas as características de atendimento da Educação Infantil no Brasil bem como sua finalidade e seu modo de avaliação, de acordo com seus objetivos:

 Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

Art. 30º. A educação infantil será oferecida em:

I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;

II - pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade.

Art. 31º. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. (BRASIL, 1996)

Para oficializar e normatizar a Educação Infantil no Brasil foi necessário um longo percurso que não termina na implantação de leis. As ações e ideias precisam ser constantemente aprimoradas e repensadas de acordo com a prática pedagógica, para que atendam às verdadeiras necessidades das crianças em idade pré-escolar.

 3 Concepção da criança em relação ao brincar

Ao brincar, segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998), a criança manifesta seu domínio sobra a linguagem simbólica, que lhe permite perceber as diferenças entre a realidade e a fantasia, por meio de recursos de interação entre imaginação e imitação da realidade. Essa possibilidade de transformar a realidade tem influência sobre aspectos emocionais da criança, pois para que a brincadeira ocorra, ela precisa recriar e reelaborar internamente situações que, de alguma forma, fazem parte de seu repertório de vida. Tais acontecimentos são reprocessados pela criança, dando origem à fantasia no ato da imitação, na qual ela pode fazer modificações de maneira livre, embora, em geral, exista uma preservação das características do fato real que está sendo imitado, pois ela assume o papel desempenhado na brincadeira ciente de que aquela realidade não é literal.

Ainda de acordo com o Referencial (1998), entre outros benefícios proporcionados pela brincadeira, estão a auto-estima, a interiorização de modelos e a construção da identidade e da autonomia, através da experimentação.

Para brincar, a criança utiliza referências e conhecimentos prévios que, exercendo sua independência, transporta para outros contextos, de acordo com suas idéias e visão de mundo. Assim, a criança se relaciona com o entorno a partir de suas percepções sobre ele, onde se inclui o espaço, as possibilidades de mobilidade, as mudanças no meio, os objetos, as formas de expressão e linguagem, que dão origem a diversas formas de organização, segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998).

A brincadeira favorece a internalização do conceito de regras necessárias para seu funcionamento. Este processo também beneficia, de acordo com o Referencial (1998), a socialização da criança, que aprende a interagir em meios e contextos diversos, lidando com emoções e sentimentos, além de variados significados aplicáveis às situações das brincadeiras.

O faz de conta se apresenta como uma brincadeira de grande potencial em relação ao desenvolvimento da criança em diversos aspectos, pois nele ela pode se expressar livremente ou reproduzir experiências utilizando sua imaginação e seus modos de significação. Este é um processo que contribui para a construção da identidade da criança, pois através dele ela pode fazer escolhas, solucionar conflitos, elaborar ideias, formulando e reformulando a todo momento sua visão de si, das outras pessoas e do mundo. A representação das regras de convivência é uma forte ferramenta de preparação e de adequação ao meio social, embora a motivação da brincadeira seja sempre individual. Essa interrelação potencializa as noções de moral e de justiça, além de contribuir para a construção humana. É o que deixa claro o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998).

  

4 A criança e os jogos

O jogo representa para a criança muito mais do que uma simples atividade recreativa com a única finalidade de proporcionar prazer por meio da ludicidade. Na verdade, o brincar é a forma que a criança tem de se comunicar com o mundo e de se expressar, afirma Friedmann. No jogo ela emprega e manifesta emoções, interage com os demais, desenvolve suas habilidades motoras e psíquicas, além de construir sua moral.

A autora destaca que é importante ter em mente que a criança se desenvolve e aprende em outros ambientes e em outras circunstâncias que não envolvam, necessariamente, o contexto escolar.

Outras crianças, adultos, e os meios de comunicação possuem uma influência direta e interferem no processo de desenvolvimento da criança.

Kishimoto explica que o faz-de-conta é imprescindível para possibilitar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social da criança. Para ela, a representação auxilia a criança na assimilação e no aprendizado.

Sobre Piaget, a autora escreve que “no jogo simbólico as crianças constroem uma ponte entre a fantasia e a realidade” (p. 67), e o jogo de regras:

 (...) marca a transição da atividade individual para a socializada. Este jogo não ocorre antes de 4 a 7 anos e predomina de 7 a 11 anos. (...) a regra supõe a interação de dois indivíduos e sua função é regular e integrar o grupo social. Piaget distingue dois tipos de regras: as que vêm de fora e as que são construídas espontaneamente. (KISHIMOTO, 1994, p. 40)

Kishimoto também aborda ideias de Vygotsky sobre as relações entre a criança e o ato de brincar:

 Vygotsky dá ênfase à ação e ao significado no brincar. Para ele é praticamente impossível a uma criança com menos de 3 anos envolver-se em uma situação imaginária, porque ao passar do concreto para o abstrato não há continuidade, mas uma descontinuidade. Só brincando é que ela vai começar a perceber o objeto não da maneira que ele é, mas como desejaria que fosse. Na aprendizagem formal isso não é possível, mas no brinquedo isso acontece, porque é onde os objetos perdem a sua força dominadora. (KISHIMOTO, 2009, p. 61)

 A significação e a compreensão de mundo e de si mesmo são contribuições do jogo no processo de desenvolvimento infantil.

  

5 Conclusão

Por meio dessa pesquisa, foi possível conhecer alguns aspectos históricos importantes para a compreensão do papel da educação infantil através dos anos.

A assistência prestada às crianças partiu do mero cuidado à preocupação com as necessidades de cada uma num sentido não mais restrito ao fisiológico, mas também ao afetivo, ao social e ao desenvolvimento cognitivo.

Ao se tomar consciência da necessidade dessa nova abordagem em relação à educação infantil, foram implantadas leis e diretrizes que norteiam os parâmetros dentro dos quais os profissionais devem atuar para atender aos inúmeros aspectos a serem considerados para o bom desenvolvimento da criança.

O brincar está entre os itens mais significativos nesse processo, uma vez que é por meio dele que a criança estabelece relação com tudo que a cerca, aprendendo a lidar com as diferenças, as regras e os papéis através da linguagem simbólica e da fantasia.

A realidade pode ser melhor compreendida quando levada para o campo da brincadeira, no qual a criança pode estabelecer seus primeiros contatos com diversas situações de forma livre e prazerosa.

A contribuição dos jogos e das brincadeiras, no que diz tange ao desenvolvimento infantil, ocorre em diversas áreas.

Ao se relacionar com o outro, a criança aprende a respeitar as regras que são, a princípio, impostas. Ao longo de seu desenvolvimento, tais regras, gradualmente, ganham significado e sentido, provando sua relevância e aplicabilidade, e se mostrando necessárias para a organização das relações sociais.

O jogo proporciona tal aprendizado de maneira natural e lúdica, favorecendo a internalização de conteúdos de forma significativa.

Conclui-se que os jogos e as brincadeiras possuem extrema importância tanto para a construção da identidade do sujeito, quanto para sua melhor adequação e atuação no meio. Além disso, o desenvolvimento cognitivo também pode ser altamente beneficiado, uma vez que ocorra a correta mediação oferecida pelo educador.

6 Referências

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. LEI 9394/96. Setembro de 1996.

___________. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Características do Referencial Nacional para a Educação Infantil. Vol. 01. Brasília: MEC/SEF, 1998.

___________. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Características do Referencial Nacional para a Educação Infantil. Vol. 02. Brasília: MEC/SEF, 1998.

___________. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria da Educação Fundamental. Características do Referencial Nacional para a Educação Infantil. Vol. 03. Brasília: MEC/SEF, 1998.

FRIEDMANN, Adriana. Brincar, crescer e aprender – O resgate do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996.

FURTH, Hans. G. Piaget na sala de aula. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1994.

________________________ (org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 6. ed. São Paulo, Cortez, 1992.

TAILLE, Yves De LA; OLIVEIRA, Marta Kohl de; DANTAS, Heloysa. Piaget, Vigotsky, Wallon. Teorias Psicogenéticas em Discussão. São Paulo: Summus, 1992.

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