CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO E A ARBITRAGEM
Por MARIA ROSA DE OLIVEIRA NETA | 10/04/2013 | DireitoCONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO E A ARBITRAGEM
Maria Rosa de Oliveira Neta[1]
Resumo:
Com a finalidade de formalizar compromissos recíprocos entre a Administração Pública e terceiros é oficializada a relação contratual por meio dos contratos da administração. Tais instrumentos poderão ser regidos pelo direito privado ou público, sendo neste segundo caso denominado contrato administrativo. Em comparação aos contratos exclusivamente privados, importante salientar sobre a existência de diferenciação quanto a certas regras disciplinadoras da contratação, inclusive, referente ao modo de rescisão quando esta se dá de maneira conflituosa. Relativo a esta menção há um ponto ainda bastante controvertido respeitante a aplicação da arbitragem para solucionar disputas envolvendo o Poder Público. Justamente em decorrência disso é o presente para abordar a questão, todavia, sem a pretensão de esgotar argumentos.
Palavras-chave: Arbitragem; Contratos da administração; Rescisão.
1. Introdução
Ao renunciarem o direito constitucional de levar ao judiciário uma controvérsia a ser apaziguada, as partes contratantes utilizam-se do princípio da autonomia de vontade para substituírem a jurisdição estatal pela arbitral. Respeitando as disposições legais, a ordem pública e os bons costumes, poderá ser elaborado um compromisso, o qual ditará os caminhos para a solução de conflitos.
Conquanto o instituto da arbitragem seja uma prática datada do período imperialem nosso País, somente ganhou contornos mais específicos e notoriedade com o advento da Lei 9.307/96. Até então em decorrência do Decreto nº 3.900/1867, regulador do juízo arbitral facultativo, apontado instituto não apresentou desenvolvimento, vez que, tal decreto trazia por exigência de eficácia da arbitragem, que houvesse a assinatura posterior ao compromisso arbitral. Obviamente mencionada imposição tirava a força obrigacional deste o que certamente gerava insegurança entre os contratantes.
Hodiernamente, concernente aos contratos privados é habitual a pactuação estabelecendo a arbitragem como meio de suprimir contendas relativas a direitos patrimoniais disponíveis. No cenário público internacional também se tornou prática usual dispor dos bons ofícios como forma amistosa de os Estados litigantes e ou terceiros chegarem a um denominador comum.
Todavia, no Brasil ainda que transcorridos mais de dezesseis anos desde a entrada em vigor da Lei 9.307/96, a despeito dos entes públicos não existe um entendimento plenamente pacificado sobre a sujeição destes ao juízo arbitral. Alguns doutrinadores na seara do direito administrativo sequer dispõem como modalidade de rescisão a por arbitragem.
A impressão que se tem é a de que o Estado sente-se temeroso em ser tolhido de parte do seu poder de julgar. Mesmo que a arbitragem e a justiça pública almejem afiançar a pacificação social, há cogitações contraditórias pertinentes à possibilidade ou não de contratos firmados pela Administração e ou empresas públicas serem submetidos a um procedimento arbitral.
2. Arbitragem
Conforme destacado alhures a figura da arbitrabilidade não é nenhuma inovação. Em decorrência de o seu procedimento significar a resolução mais célere e amigável de desentendimentos, tornou-se um método bem eficiente para descongestionar o poder judiciário.
Fulcrada no princípio da boa-fé a arbitragem conduz os litigantes a um comportamento mais leal e correto, numa demonstração de confiança mútua. Em face destas peculiaridades o legislador sentiu-se confortável para outorgar um caráter obrigatório e vinculante à convenção de arbitragem. Isso significa que não é simples se furtar aos efeitos desta, pois livremente pactuada.
Em palavras claras e objetivas a arbitragem representa uma alternativa para que desavenças atinentes a direitos patrimoniais disponíveis, ou seja, que versem sobre bens que trazem em si um valor agregado sendo passíveis de negociação, possam ser resolvidas por terceiro independente de ser este juiz de direito, por exemplo. Contudo, mister salientar que o árbitro escolhido pelas partes deverá ser maior, capaz, idôneo e que tenha conhecimento sobre o que decidirá.
As maneiras de se firmar a arbitragem desnudam através da cláusula compromissória ou arbitral, a qual é estabelecida de forma independente ao contrato, porém, juntamente ao mesmo, ou já tendo efetivada a controvérsia, pelo compromisso arbitral. É interessante dispor que anteriormente a Lei nº 9.307/96 existia uma conceituação diferente envolvendo a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Até então, a cláusula ainda que antecipando a subordinação do litígio à arbitragem não trazia a certeza da instauração do juízo arbitral, isso somente acontecia com a obrigatória realização do compromisso revelando a intenção dos envolvidos pelo efetivo desfecho da contenda pela arbitragem. Entretanto, com a publicação da referida lei a convenção de arbitragem pela força que possui já se tornara suficiente para impor as partes a instauração do juízo arbitral.
Continuando, além da escolha do ábitro, deverão estar expressos na cláusula ou compromisso o procedimento a ser seguido e a detrminação do lapso temporal para o encerramento da arbitragem. A sentença a priori deverá ser proferida no prazo de seis meses a partir da instituição da arbitragem, podendo, entretanto, ser prorrogado conforme a conveniência das partes, do árbitro ou tribunal arbitral.
A decisão da contenda poderá ser fundamentada no ordenamento jurídico ou utilizando o julgador da equidade em consonância com seu saber técnico. Porém, o que realmente interessa é que a sentença arbitral esteja em alinho com a Lei da Arbitragem, vez que, possui efeito convencional e obrigacional entre as partes e fora equiparada a título executivo.
Sobre as sentenças arbitrais estrangeiras, a princípio o art. 35 da Lei da Arbitragem determinava que somente o Superior Tribunal Federal – STF poderia homologá-las. Todavia, a Emenda Constitucional nº 45/04, modificou esta norma retirando do STF a competência e transferindo-a para o Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Outra relevante informação sobre a convenção de arbitragem, é que na existência desta sendo a controvérsia levada ao judiciário, deverá o juiz extinguir o feito sem o julgamento do mérito. O magistrado não poderá conhecer do pleito devendo ser instaurado o competente juízo arbitral, segundo a estipulação anterior das partes.
Finalizando estas breves noções sobre a arbitragem, é merecedor de destaque que qualquer pessoa física ou jurídica poderá compor este procedimento, todavia, a controvérisa está justamente em relação ao Pode Público, o que será apreciado oportunamente. Ademais, se trata de um procedimento regido pela economicidade e celeridade, sendo esta última representada especialmente pela impossibilidade de recursos. Pois, a parte somente poderá requerer uma correção em caso de erro material da sentença e ou esclarecimento de obscuridade, dúvida ou contradição.
2.1 Ordenamento jurídico
Em um superficial passeio épico, interessante apontar que o Brasil firmou diversos tratados conjeturando sobre a arbitragem. Dentre os quais, a título de mera exemplificação, tem-se a Convenção de Nova York - 1958/2002, a Convenção de Montevidéu - 1979/1997 e o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL - 1998/2003.
Ademais, em nosso ordenamento jurídico mais precisamente no Código Civil de 1916 e no Código de Processo Civil de 1973, já havia referência ao instituto da arbitragem nos artigos1.037 a1.048 do primeiro codex e 101, e1.072 a1.102 do segundo. Entretanto, a Lei 9.037/96 revogou-os.
Com relação ainda ao Código de Processo Civil, igualmente, os artigos 267, inciso VII, 301, inciso IX, 584, inciso III, previam o famigerado instituto, todavia, foram alterados pela Lei da Arbitragem, sendo, inclusive, adicionado o artigo 475-N, inciso IV, versando a respeito dos títulos executivos judiciais.
Nesse diapasão, o Código Civil de 2002 de modo proclamado incorporou a arbitragem ao admitir a cláusula compromissória, no entanto, faz remissão a Lei nº 9.307/96. A assertiva retro está normatizada no art. 853 daquele. A existência da faculdade a despeito da introdução nos contratos da cláusula possui uma restrição relativa às relações jurídicas indisponíveis, que apesar de não trazer fundamento doutrinário nem legal é respeitada.
Concluindo, a Lei nº 9.307/96 é a principal fonte legal a ser analisada respeitante a arbitragem como sendo um recurso opcional para resolução rápida dos conflitos de interesses entre as partes contratantes. Contendo quarenta e quatro artigos regulamentou o procedimento e trouxe inovações consideráveis como a desnecessidade da homologação do laudo arbitral. Compulsando a redação daquela infere-se que é objetiva tornando a arbitrabilidade uma aliada para ao desafogamento do judiciário.
3. Contratos da administração
A vontade de estabelecer responsabilidades e obrigações recíprocas entre pessoas seja física e ou jurídica, envolvendo determinado objeto, pode resultar na formalização de um contrato. Tal instrumento é a oficialização da pactuação através de cláusulas e termos a serem respeitados.
Com relação ao Poder Público, estando em um dos extremos da negociação haverá o que se é definido por “contratos da administração”. Segundo bem define MARINELA (2012, p.449), “essa expressão em sentido amplo, visa alcançar todos os ajustes bilaterais firmados pela Administração, correspondendo a um gênero”.
Advindos de tal definição têm-se os contratos privados da administração e os contratos administrativos. A diferenciação entre ambos está na regência normativa, vez que, os primeiros são alcançados pelo direito privado e os segundos pelo direito público, embora ambos tenham que primar por um objetivo que revele desvelo coletivo.
Conceitualmente os contratos administrativos são considerados como aqueles em que a Administração Pública convenciona ajustes bilaterais com terceiros particulares ou outro ente do Poder Público, preponderando pelo interesse da coletividade e impondo às regras da contratação as normas do direito público. Contudo, merece um parêntese que de forma complementar poder-se-á utilizar dos princípios dispostos pela teoria geral dos contratos e as determinações do direito privado.
Na lição de MELLO (2012) contrato administrativo é:
“um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado.” (MELLO, 2012, p.632/633)
Com relação aos contratos privados da administração são aqueles regulados pelo Direito Civil ou Empresarial. Nesse tipo de contratação não existe em regra regalias diferenciadas para a Administração, o delinear jurídico da negociação se aproxima consideravelmente da sistemática contratual comum.
Nessa mesma linha de pensamento DI PIETRO institui:
“Costuma-se dizer que, nos contratos de direito privado, a Administração se nivela ao particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da horizontalidade e que, nos contratos administrativos, a Administração age como poder público, com todo o seu poder de império sobre o particular, caracterizando-se a relação jurídica pelo traço da verticalidade.” (DI PIETRO, 2012, p.259)
Conquanto a distinção dos regimes administrativos, acertadamente destaca MARINELA (2012) que:
“Para a doutrina, esses contratos, apesar dos regimes administrativos distintos, recebem o mesmo tratamento quanto às condições e formalidades para estipulação e aprovação, seguindo regras do Direito Administrativo, isso porque a pessoa ou autoridade, investida do poder de contratar, dispõe de tal competência, conforme regras desse ramo do Direito. As formalidades que precedem o contrato, condições indispensáveis para sua realização, como a autorização para contratar, a exigência de licitação e os eventuais requisitos a serem atendidos, também se disciplinam pelo Direito administrativo. Os contratos da Administração, sejam regidos ou não pelo direito público, também estão sujeitos a controle pelo Tribunal de Contas, com todas as suas consequências, exigindo-se, assim, a observância às regras dessa disciplina”. MARINELA (2012, P.449/450)
Atinente a competência para legislar, em conformidade com a Carta Magna por seu art. 22, XXVII, com redação da Emenda Constitucional nº 19/98, sabe-se ser privativa da União Federal, podendo esta estabelecer sobre:
“normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecendo o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mistas, nos termos do art. 173, § 1º, III” (BRASIL, 2005).
Desse modo, exercendo a competência que lhe fora atribuída em 21 de junho de1993, aUnião editou a Lei nº 8.666, com o fim de regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e instituir normas para licitações e contratos da Administração Pública. É fato que a referida lei fora alterada incontáveis vezes desde sua publicação, entretanto, ainda é conhecida como o Estatuto dos Contratos e Licitações Públicas.
Apenas a título de informação, após a lei acima apresentada foram editadas as Lei nº 8.883/94 (altera a Lei 8.666/93), a Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), a Lei nº 12.232/2010 (Dispõe sobre as normas gerais para licitação e contratação pela administração pública de serviços de publicidade prestados por intermédio de agências de propaganda e dá outras providências), a Lei 12.462/2011 (Instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC), dentre outras normatizações promulgadas por Estados e Municípios com a finalidade de dispor sobre regras específicas a serem aplicadas nos respectivos territórios.
Prosseguindo estas breves considerações sobre os contratos da administração, mister destacar as peculiaridades inerentes a natureza destes. Ou seja, aqueles deverão ter por características o formalismo (obediência as normas), ser personalíssimo (confiança recíproca), sinalagmático (reciprocidade de obrigações), comutativo (equivalência de obrigações), oneroso (valor econômico considerável) e ser consensual (manifestação de vontade).
Relativos ao sujeito administrativo e ao objeto, quanto ao primeiro é fundamental obviamente que sempre figure como sendo uma das partes o Poder Público. Sobre o objeto contratual, é imprescindível que represente benefício para a coletividade, revestindo-se, assim, de interesse público.
Atinente às espécies de contratos, apesar de não haver na legislação pertinente um rol taxativo, parece oportuna a redação exposta por MARINELA (2012):
“Em resumo, eis os principais contratos administrativos:
Contratos propriamente ditos (Lei nº 8.666/93, art. 6º): a) contrato de prestação de serviço; b) contrato de obra; c) contrato de fornecimento.
Contratos de Concessão: - de serviço público: a) concessão comum de serviço e concessão comum de serviço precedida de obra pública (Lei nº8.987/95); b) concessão especial – a PPP, que pode ser: patrocinada ou administrativa (Lei nº 11.079/04). – de serviço público precedida de obra pública (Lei nº 8.987/95, art. 2º).
Contrato de permissão de serviço público – Lei nº 8.987/95 e art. 40.
Contrato de gestão – art. 37, § 8º, CF; Lei nº 9.649/98 e Lei nº 9.637/98.
Além dos contratos administrativos acima mencionados, dois outros novos contratos foram criados pela Lei nº 11.107/05: o contrato que institui o próprio consórcio público, instrumento definido por esse novo diploma legal, e o contrato de programa. (MARINELA, 2012, P.482)
Vencida as exortações alhures respectivas aos contratos da administração e por não ser o foco do presente aprofundar em questões tais como: as cláusulas necessárias, a duração, as cláusulas exorbitantes, alteração contratual e penalidades; o que tornaria extensa a redação passar-se-á para as modalidades de rescisão, mais especificamente, aquela por arbitragem.
3.1 Rescisão do contrato e juízo arbitral
A rescisão é uma das formas de extinção do contrato sendo as outras duas em decorrência da conclusão ou por encerramento do prazo e anulação. Dentre as maneiras de rescisão tem-se: a amigável, que emana da vontade recíproca das partes; a judicial, representada pela interferência de uma autoridade investida na função jurisdicional (vide art. 78, incisos XIII a XVI do Estatuto dos Contratos e Licitações Públicas); a administrativa, resultante de um ato unilateral da Administração (vide art. 78, incisos I a XII e XVII, da Lei 8.666/93); a de pleno direito, oriunda de ocorrências que fogem ao controle das partes; e por fim, a modalidade geradora de discussões, por arbitragem.
Tal instituto já fora exposto em item próprio, razão pela qual não merece maiores delongas para novamente descrevê-lo. Diante de toda a assertiva a respeito da arbitragem infere-se que não deveriam existir dúvidas a respeito da conveniência da utilização do juízo arbitral para solução de litígios envolvendo o Poder Público e o particular. Entretanto, alguns estudiosos se mostram reticentes. Porém, esse não é o posicionamento que será adotado no transcorrer das arguições seguintes.
Acreditando na celeridade e eficiência do procedimento, vislumbra-se que o interesse público pode ser alcançado com maior praticidade pela arbitrabilidade. A justiça tradicional não tem sido um primor de rapidez, demandas aparentemente simples podem levar meses quiçá anos para serem resolvidas.
Desta feita, a submissão ao juízo arbitral é uma opção considerável e que ganhara adeptos. Conforme elucida CARVALHO FILHO (2012):
“A respeito do tema, tem dominado o entendimento de que a adoção desse instrumento não ofende os princípios da legalidade e da indisponibilidade dos bens púbicos, desde que, é óbvio, procure a Administração alcançar providência de interesse público e que seus agentes não atuem com improbidade administrativa ou desvio de finalidade. Além do mais, a questão a ser deduzida no juízo arbitral deve ter como preponderante o aspecto de patrimonialidade, não incidindo sobre atos decorrentes do exercício de autoridade.” (CARVALHO, FILHO, 2012, P.218)
Com fulcro na citação acima percebe-se que agindo a Administração por seus agentes com a lisura e probidade esperadas de seus atos, principalmente resguardando o interesse coletivo, não haveria motivo para oposição à arbitragem. Os benefícios alcançados pela agilidade na resolução dos impasses através da arbitrabilidade, com certeza representam um bônus para a sociedade tão sofregada.
Ademais, nas contratações realizadas entre a Administração Pública e o particular deverão ser respeitados os princípios constitucionais de maneira harmônica, ou seja, não existe hierarquia a Constituição Federal ampara tanto os interesses públicos quanto privados. Assim, não merece guarida cogitar a agressão a quaisquer daqueles quando o procedimento arbitral adotado visa principalmente apaziguar de maneira rápida e eficaz um conflito em prol do bem estar social.
Ainda que o inciso XXXV do art. 5º da Carta Magna preceitue não “excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito” (CAHALI, 2005, p. 25), não houve abdução deliberada da utilização da arbitragem para equacionar discórdias entre as pessoas físicas e ou jurídicas enquanto partes em um contrato. Aliás, mesmo não existindo disposição legal objetiva consoante ao assunto, lembra CARVALHO FILHO (2012) que:
“Ressalve-se que, a respeito de não haver a regulação minudente de caráter geral, começam a surgir disposições pontuais sobre o tema. Assim, a Lei nº 11.079/2004, que regula as parcerias público-privadas, prevê expressamente o recurso à arbitragem para dirimir conflitos entre a Administração e o parceiro privado, relacionados com a execução do contrato (art. 11, III). O mesmo ocorre em relação à Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre as concessões e permissões de serviços públicos (art. 23-A). Verifica-se, por conseguinte, que a aceitação do instituto no direito público ganha espaço na própria legislação.” (CARVALHO FILHO, 2012, p.218)
Torna-se, portanto, enfraquecida a corrente amparada pela justificativa de que não poderia o Poder Público aplicar a arbitragem em decorrência da inexistência de norma legal estando, assim, ferindo o princípio da legalidade. Nos casos exemplificados na transcrição retro há previsão na legislação, o que não deixa de abrir precedente.
As partes apoiadas na declaração de vontade encontram supedâneo no art. 23, XV, da Lei nº 8.987/95, para estabelecerem a cláusula arbitral nos contratos administrativos de concessão e permissão dos serviços públicos. No mais o art. 1º da Lei da Arbitragem não veda o Poder Público de utilizar-se da arbitragem, partindo dessa premissa, o princípio da legalidade é respeitado.
A aceitação notória revela-se no sentido de que apenas a Administração Pública indireta poderia se valer da arbitragem. Isso significa a concordância relativa às Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista ou nas Parcerias Público-privadas, ressalvada a execução de algum serviço público, poderem dispor do juízo arbitral para resolver questões inerentes aos contratos cujo objeto sejam direitos disponíveis. Trocando em miúdos, há limitação simplesmente quanto à convenção de arbitragem atinente a direito indisponível.
Em suma, a garantia de um julgamento mais rápido, harmônico e respeitando o interesse coletivo, é um bom atrativo para que cada vez mais a utilização da arbitragem ganhe partidários. Não se trata de suprimir do Poder Judiciário sua competência, mas tão somente, de facultar a Administração Pública e ao particular a adoção de um procedimento que pode ser vantajoso para ambas as partes e a sociedade, pois tudo que concerne àquela refletirá na coletividade.
3.3 Entendimentos jurisprudenciais
Mesmo não existindo um consenso entre os doutrinadores e operadores do direito a despeito da aplicação da arbitragem para resolução dos conflitos oriundos de contratos da administração, muitos julgados pendem pela permissividade.
EMENTA: EMBARGOS DECLARATÓRIOS - PREQUESTIONAMENTO - REJEIÇÃO. - Cabem embargos declaratórios nas hipóteses de omissão, contradição ou obscuridade do acórdão, não sendo admitidos para mero fim de prequestionamento.
- A arbitragem não é incompatível com o exame das consequências patrimoniais do ato ou contrato administrativo. (Embargos de Declaração-Cv 1.0024.06.930972-2/003, Rel. Des.(a) Wander Marotta, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/04/2012, publicação da súmula em 04/05/2012).
AÇÃO DE PRECEITO COMINATÓRIO - CONTRATO ADMINISTRATIVO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - COMPROMISSO ARBITRAL - INTERESSE PÚBLICO INDISPONÍVEL - JUÍZO ARBITRAL. - Os contratos administrativos regem-se pelas cláusulas e normas de direito público, nos quais se aplicam, supletivamente e em certos casos, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições que regem o direito privado. - A Administração pode submeter-se a procedimento de arbitragem e é até recomendável que assim o faça, não para exame da legitimidade dos atos administrativos, mas o de suas consequências patrimoniais. (Apelação Cível 1.0024.06.930972-2/002, Rel. Des.(a) Wander Marotta, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/02/2012, publicação da súmula em 02/03/2012)
REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. PRELIMINARES. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA ARBITRAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL ATUALIZADA PARA EFETIVO PAGAMENTO DA CONTRAPRESTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DE CONTRATAR COM O PODER PÚBLICO. POSSIBILIDADE. Embora a doutrina defenda a possibilidade de submissão do Poder Público ao juízo arbitral com supedâneo em precedentes do Supremo Tribunal Federal - MS nº. 2.096, tal fato não obsta a impetração de mandado de segurança contra ato ilegal que não diga respeito aos termos pactuados no Contrato Administrativo. A Administração pode condicionar a participação em procedimento licitatório à comprovação de regularidade fiscal, com base no art. 195, §3º, da CR/88, bem como nos artigos 27, IV, c/c 29, IV, da Lei nº. 8.666/93. É obrigatória a manutenção da regularidade fiscal ao longo da execução do contrato (art.55, XII, da Lei nº. 8.666/93), sendo vedado, contudo, que o Poder Público condicione o pagamento pelos serviços já prestados à prévia quitação de débitos fiscais, sob pena de violação ao livre exercício das atividades do contribuinte. Em reexame necessário, confirmar a sentença. Recurso de apelação conhecido, mas improvido. (Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.09.535300-9/001, Rel. Des.(a) Albergaria Costa, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/04/2011, publicação da súmula em 03/05/2011)
SENTENÇA ARBITRAL. IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPUBLICA. ART. 41, PARÁGRAFO 26 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INDEFERIMENTO DO "WRIT".41PARÁGRAFO 26CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (2096 , Relator: OROSIMBO NONATO, Data de Julgamento: 31/12/1969, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: ADJ DATA 18-07-1956 PP-00911 DJ 16-12-1954 PP-15550 EMENT VOL-00198-01 PP-00246, undefined)
A sociedade de economia mista pode firmar cláusula compromissória (art. 4º da Lei n. 9.307/1996) quando celebrar contratos referentes a direitos ou obrigações de natureza disponível. No caso, cuidou-se de contrato de compra e venda de energia elétrica, atividade econômica de produção e comercialização de bens, em que constava cláusula de eleição de arbitragem em caso de descumprimento da avença, o que descarta a possibilidade de a sociedade de economia mista ora recorrida, companhia estadual de energia elétrica, unilateralmente, optar pela via judicial para solução do litígio. Então, resta somente extinguir o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VII, do CPC). Precedentes citados do STF: AgRg na SE 5.206, DJ 30/4/2004; do STJ: REsp 712.566-RJ, DJ 5/9/2005"
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/10942/a-possibilidade-de-aplicacao-de-juizo-arbitral-nos-contratos-firmados-por-sociedade-de-economia-mista/3#ixzz2KsWRteDE
Finalizando, os traslados das jurisprudências representam um forte embasamento sobre a possibilidade de o Poder Público quando contrata com o particular recorrer à arbitragem. Reiterados julgados acabam por pacificar a matéria, o que apesar de não ter ocorrido ainda é uma probabilidade manifesta.
4. Considerações Finais
Conforme orientação alhures o estudo em questão não vislumbra exaurir o tema. Seria demasiadamente pretensioso resumir uma discussão de anos em um só trabalho. No entanto, ainda que de maneira simplória a argumentação apresentada permite a conclusão de que não há proibição legal do uso da arbitragem pelo Poder Público, e mais, existem até circunstâncias permissivas.
A controvérsia surge então em decorrência da ausência de lei específica cuja finalidade esteja vertida em delinear as regras para utilização do juízo arbitral. Todavia, normas esparsas já prevêem a aplicação do instituto da arbitragem no caso de contratação entre a Administração Pública e o particular.
São referências que concedem à corrente favorável ao uso da arbitragem, e que ora está defendida, elementos para acastelar a viabilidade do juízo arbitral. A própria Lei nº 8.666/93 em seu art. 54 ao versar sobre a aplicação dos princípios norteadores da teoria geral dos contratos bem como as disposições de Direito Privado, aos contratos administrativos, deixou abertura para o emprego da arbitragem.
Por fim, uma vez reverenciados pelos árbitros o princípio da Supremacia do Interesse Público e os demais norteadores do direito, inclusive, administrativo, e sendo o objeto do contrato direito disponível, não há como duvidar ser de interesse coletivo a resolução célere dos impasses envolvendo contratações pela Administração Pública. A contrariedade a essa constatação se torna obsoleta e temerária, podendo-se até mesmo considerar como um incentivo a tão conhecida morosidade do Poder Judiciário.
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[1] Advogada graduada pelo Centro de Ensino Superior de Catalão – CESUC. Pós-Graduada Latu Sensu em Gestão e Educação Ambiental pela Fucamp. Chefe de Departamento da Assistência Judiciária Municipal de Monte Carmelo/MG de junho de2009 a outubro de 2012. Eleita vice-presidente da 88ª Subseção Monte Carmelo da OAB/MG, gestão2013 a 2015. E-mail: mardim_mr@yahoo.com.br.