CONTRASTES ENTRE FICÇÃO E HISTÓRIA E A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS EM O LIVRO DA GUERRA GRANDE

Por simone valentim | 26/06/2011 | História

CONTRASTES ENTRE FICÇÃO E HISTÓRIA E A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS EM O LIVRO DA GUERRA GRANDE

Simone Valentim Machado (G-UEMS)
Resumo

Desde a Antiguidade a questão dos gêneros literários tem causado muitas discussões: para muitos teóricos os gêneros eram considerados puros, sendo classificados em dramático, lírico e épico; houve época em que um gênero foi considerado mais relevante que outros; com a evolução das discussões acerca dos gêneros surgiu a perspectiva de se considerar os gêneros impuros e comunicantes entre si. Nossa proposta de trabalho teve como objetivo principal analisar a obra O livro da guerra grande escrita por escritores dos quatro países envolvidos na Guerra do Paraguai, apontando os aspectos históricos presentes na obra ficcional. Nessa pesquisa, de revisão bibliográfica, partimos das questões relativas aos limites entre os gêneros literários, perpassando ainda o limite entre ficção e história presentes no texto literário. A análise da obra demonstrou que sua leitura poderia se dar de formas distintas, seja considerando-a como um livro de contos ou como um romance; além desse aspecto, destacamos os elementos históricos presentes no texto literário que caracterizam a mescla entre história e ficção. Em versões que dialogam entre si, os relatos de Augusto Roa Bastos, Alejandro Maciel, Omar Prego Gadea e Eric Nepomuceno enriquecem as discussões acerca das fronteiras entre a ficção e a realidade, bem como proporcionam o questionamento acerca da filiação da obra a um gênero específico.

Palavras chaves: Literatura. Guerra do Paraguai. Gêneros Literários.


Contrastes entre ficção e história e a questão dos gêneros literários em o livro da Guerra Grande

Introdução
Em 1864 o Brasil interveio militarmente no Uruguai para derrubar seu presidente, Atanásio Cruz Aguirre, em apoio a Venâncio Flores. O Brasil ocupou Montevidéu com a cumplicidade da Argentina e da Inglaterra, atingindo diretamente o Paraguai, pelo fechamento dos rios da Bacia Platina.
CHIAVENATO (1996) esclarece que o navio brasileiro Marquês de Olinda que transportava o futuro governador da província brasileira de Mato Grosso, Frederico Carneiro de Campos, e várias autoridade que o acompanhavam para posse, foi seqüestrado pelo dirigente paraguaio Solano López dando inicio à Guerra do Paraguai. Em seguida, o exército paraguaio invadiu a província de Mato Grosso, ocupando boa parte da região que hoje é Mato Grosso do Sul.
Durante o governo de López o Paraguai, conforme salientam GRESSLER E VASCONCELOS (2005) apresentava um desenvolvimento superior, se comparado aos países vizinhos, em alguns setores e dependia cada vez menos do fornecimento das companhias marítimas inglesas, que dominavam o comércio internacional. Isso fez com que a Inglaterra apoiasse os aliados na guerra contra López.
Esperando contar com o apoio da Argentina Solano López enviou suas forças para invadir o Brasil através da província argentina de Corrientes. No entanto, a Argentina assinou o Tratado da Tríplice Aliança, em 1865, compondo com Brasil e Uruguai a força que iria combater os ataques paraguaios. Em junho de 1865 as forças paraguaias são derrotadas na Batalha do Riachuelo, com a destruição completa de sua marinha, o Paraguai então concentra seus ataques por terra. Em Março de 1870, acaba finalmente a Guerra, com a morte de Francisco Solano López, em Cerro Corá, nas proximidades da atual cidade de Ponta Porã.
A Grande Guerra, de acordo com DORATIOTO (2007), foi a maior intervenção militar brasileira em solo estrangeiro, o mais longo conflito armado da América do Sul e uma das mais bárbaras do mundo. Fugitivos fartos de combates viviam em harmonia em um esconderijo que recebeu o nome de Quilombo do Gran Chaco, que foi citado por Richard Francis Burton, nas cartas que enviou à rainha da Inglaterra, nos relatos detalhando a Guerra do Paraguai. A invasão da província de Mato Grosso serviu para demonstrar o erro do governo imperial ao deixar em completo isolamento uma província de fronteiras tão extensas e acessíveis.
O Paraguai ocupou o território sul-mato-grossense por cerca de dois anos, ocupando Corumbá e dominando a navegação no rio Paraguai, do rio São Lourenço ao rio Apa, de Janeiro de 1865 a Junho de 1867, impedindo o acesso a Cuiabá por via fluvial. O domínio paraguaio estendia-se, ainda, às regiões das Colônias Militares de Nioac, Miranda, Dourados, Bela Vista e Coxim.
Alguns conflitos registrados no território que hoje é sul-mato-grossense merecem destaque: Tomada do Forte Coimbra, Tomada da Colônia do Dourados e A Retomada de Corumbá. O mais conhecido deles teve seu registro já em 1871, quando Taunay publicou A retirada da Laguna, primeira obra literária a retratar a participação brasileira na Guerra.
Conforme POMER (2001), O efeito da Guerra Grande foi devastador para o Paraguai, o país esteve a ponto de desaparecer em 1870 e pelo menos duas gerações de homens foram arrasadas.
Já o Brasil ganhou a guerra e garantiu seus direitos com relação aos territórios disputados, entretanto com a economia abalada e o aumento da dívida externa com a Inglaterra, aumentaram a insatisfação dos brasileiros com o governo imperial e esse fato foi um dos principais motivadores para a Proclamação da República.
O panorama da região que hoje é Mato Grosso do Sul após a Guerra do Paraguai mostrava fazendas destruídas, grandes áreas abandonadas, população dispersa e grande crise econômica. Em 16 de Agosto de 1872 os trabalhos demarcatórios foram iniciados nas cabeceiras dos principais rios divisores e só foram concluídos em 24 de Outubro de 1874.
A obra O livro da guerra grande conta a história da guerra que foi marcada pela instabilidade política e fragilidade econômica que dizimou grande parte de uma geração entre 1865 e 1870. O livro relata a história, aproximando-a do fantástico através de quatro histórias reescritas a oito mãos. Essa recriação coletiva é composta pelo paraguaio Roa Bastos, o argentino Alejandro Maciel, o uruguaio Omar Prego Gadea e o brasileiro Eric Nepomuceno. Dessa maneira, quatro escritores, cada um oriundo de um dos países envolvidos no conflito, expõem suas visões do fato histórico.
Tomando a memória de personagens dos campos de batalhas, como o faz PERNIDJI & PERNIDJI (2006), a história foi recriada; as cartas do viajante e observador inglês, Sir Richard Francis Burton, indicam um eixo da narrativa, corroborando as palavras de SANTOS (1996:16), para quem
O romance, pelo fato de ser uma manifestação em prosa, de possuir um cunho narrativo e de consistir num discurso que incide sobre uma realidade vivida, recuperando aspectos da vida corrente, passa a dividir com a historiografia a função de organizar os fatos em uma ordem discursiva.
Entretanto, o que chama atenção na obra O livro da guerra grande é o fato de termos quatro histórias, escritas por quatro autores distintos, mas que possui um eixo narrativo em comum. Dessa maneira, as narrativas possuem uma continuidade e, assim, não poderíamos afirmar se tratarem os textos de contos.
Roa Bastos baseia-se nos relatos de Burton para a construção de um diálogo entre o general argentino Bartolomeu Mitre e o artista Cándido López. Alejandro Maciel aborda a deserção do capitão argentino Francisco Paunero. Omar Prego Gadea explora os arquivos secretos do general uruguaio Rocha Dillpiane. Já Eric Nepomuceno mergulha no resgate da descendência de um dos conjurados do quilombo do Gran Chaco, o VII Barão de Ramalho. Em versões que dialogam entre si, esses relatos enriquecem as fronteiras entre ficção e a realidade.


2- História e Ficção
A linguagem é mediadora entre o homem e o mundo, sendo a literatura vista como ficção objeto fundamental para dar sentido a fatos históricos e conseqüentemente ao passado. A ficção tende a dar validade a determinados fatos históricos para que eles não caiam no esquecimento, ou possa ser vistos por outro ângulo, mostrando um ponto de vista diferente, em que história e literatura se unem. Umberto Eco nos deixa claro que o falso, visto como ficção serviu e serve de motor para constituir a história. Muitas explicações são dadas pela ficção, muitos relatos que aparentam ser reais, pois são estes relatos que completam a história. Sendo esta a finalidade da literatura, aproximar a história da ficção, e são neste ponto sempre persuasivos.
3. A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS

Na Antigüidade greco-romana, acreditava-se na existência de gêneros puros e distintos. Figuras notáveis como Platão, Aristóteles, Horácio, Quintiliano dedicaram estudos a respeito dos gêneros literários. Procuraram em suas obras esclarecer-nos que cada obra escrita se encaixaria em um dos gêneros literários. De acordo com Massaud Moisés, os gêneros existentes na Antigüidade eram épicos, dramáticos e líricos. Todas as obras então seriam distintas, se enquadrando em apenas um desses gêneros sem se mesclar com os demais.
Esse assunto sobre gêneros literários gerou várias polêmicas, pois muitos estudiosos não aceitaram a idéia de que os gêneros eram puros. Para eles os gêneros eram variados e suas características se multiplicavam com o tempo. Ao chegar à Idade Média, essa discussão tornou-se esquecida, e a curiosidade sobre se haveria ou não a mescla de um gênero a outro se tornou um assunto pouco estudado nesta época. As únicas pesquisas feitas na área literária nesse período foram a respeito das cantigas trovadorescas. Como nos diz MOISÉS (1974: 241):
A pobreza doutrinária em assuntos literários no curso da Idade Média se compensou com a criação de variedades formais novas: na poesia lírica, "as formas estróficas tão sábias, tão puras".

Porém, os estudiosos não se importavam em classificá-las em algum gênero literário, ou mesmo encontrar traços de mais de um gênero existentes nelas. Pode-se dizer que na Idade Média deixaram de se importar com a questão de gêneros literários dando mais importância para as criações.
O entusiasmo por esse assunto foi retomado no período Renascentista, em que estudiosos voltaram a se interessar por tudo o que era parte integrante do período clássico. Assim nos diz MOISÉS (1974:242):
O papel dos humanistas restringiu-se ao comentário e glosa dos textos clássicos, aos quais acrescentaram o resultado de suas meditações. Assim, aos gêneros e subgêneros ali mencionados ou herdados da Idade Média se somaram outros então descobertos.
Os preceitos da Antigüidade são novamente estudados, tais como: forma e conteúdo vistos de forma separada; literatura como realização imitativa da natureza e teoria normativa e perceptiva. Os estudiosos deste período pregaram os mesmos ideais dos teóricos da Antigüidade. Retomaram os mesmos preceitos, com os mesmos ideais, dizendo também que cada gênero era único, e sem se mesclar com os demais. Na atualidade, muitos são os teóricos que preconizam a mescla entre os gêneros e mesmo a não existência da divisão em três gêneros; há quem defenda a idéia da existência de apenas dois gêneros: prosa, todo e qualquer texto de cunho narrativo ou descritivo, e poesia, todo texto ritmado. Assim nos exemplifica MOISÉS (1974:250):
Existência de apenas dois gêneros e não três, a poesia e a prosa ? entendidas não apenas na sua aparência formal, mas no modo como divisam a realidade, segundo a qual a poesia seria a expressão do "eu" e da prosa, do "não-eu".

Assim sendo, não poderia mais haver ou dizer em poesias descritivas ou narrativas, a mentalidade neste período ficou fechada para essa visão de mundo. Deixando de considerar as outras características encontradas nas obras. Foi somente no Romantismo que a discussão para as novas criações foi retomada, os teóricos buscavam criar suas obras sem se preocupar com as formas fixas.
De acordo com Tavares foi durante o Romantismo que os críticos começaram a ter uma pesquisa sistematizada a respeito da literatura e de seus respectivos gêneros. Percebeu-se que forma e conteúdo são indivisíveis, um não existe sem o outro. Através de estudos teóricos puderam chegar à conclusão de que os gêneros não só poderiam se misturar, como era inevitável a sua mescla. Nessa fase moderna, o artista pode criar as suas obras com maior liberdade, sem ficar presos às convenções, sem se preocupar em fazer (ou criar) obras puras com apenas características de uma única modalidade, porque era uma espécie de combinação entre um e outro. Podemos reforçar essa idéia com o seguinte trecho de TAVARES (2002. p.113):
Gênero Literário é a combinação de um tipo de forma e um tipo de composição. Num conceito amplo diríamos: gêneros são as diversas modalidades da expressão literária.
Como anteriormente mencionamos, durante o Renascimento tinham-se as idéias de que toda obra literária deveria seguir as regras que já estavam pré-estabelecidas. A mudança de enfoque acerca da questão ocorreu durante o Romantismo; segundo Soares (2006), é no período conhecido como Romantismo que passaram a estudar a historicidade e também as variações dos gêneros. O autor passa a ser visto como gênio, em que pode escrever livremente, sem se preocupar que suas obras se enquadrem em um dos gêneros. Há liberdade de criação, por meio da qual se busca derrubar as regras e os conceitos do Neoclassicismo; agora ? no Romantismo - já não se vêem os gêneros como criações puras. Começa-se neste período a mesclar-se os gêneros, e desta mistura surgem novos subgrupos para os gêneros, alguns deles eram as tragicomédias, romances líricos, dentre outros.
Ao chegar ao século XIX, no período em que se prezavam as ciências naturais, os teóricos literários passam a apresentar estudos, em que a região (localização geográfica) interferia na produção literária, assim nos diz Soares (2006:15).
Uma evolução dos gêneros literários se dão historicamente, como nas espécies naturais, sendo também determinadas por fatores como raça ou herança, as condições geográficas, sociais, históricas e a individualidade. Assim, por exemplo, o romance teria nascido da epopéia ou da canção de gesta e, por sua vez, se transformaria em várias outras espécies (de aventura, épicas, de costumes...) que também se sucederiam temporalmente.

O teórico Brunietere acreditava que os gêneros eram entidades existentes, ele seria determinante para o que seriam as criações literárias. Então propôs o estudo da origem também de como os gêneros vieram a se desenvolver, pois para ele a obra literária tinha um conceito de imitação, e esta idéia foi rebatida por Benedetto Croce ao dizer que todo conhecimento ou é intuitivo ou lógico; assim aponta SOARES (2006. p. 15,16).
Croce recusava a sujeição da criação poética à realidade. E isso o aproxima das concepções românticas, embora sua proposta tenha ido mais longe, pois entendia a obra literária como individualidade, considerando que quaisquer semelhanças de uma com as outras seriam de importância secundária.
Em seus primeiros trabalhos, Benedetto Croce abandona a idéia da existência de gênero. Croce nega a substancialidade dos gêneros, mas admite a instrumentalidade para compor a obra literária. Os Formalistas Russos, e os teóricos vinculados ao New Criticism, voltam ao pensamento de Croce, e passam a discutir a idéia de que o gênero é um fenômeno dinâmico, está sempre em transformação, não sendo possível classificá-lo isoladamente, precisando levar em conta suas características para poder definir seu grupo. Então cada obra terá várias características, o que nos levará a ver que não há um gênero puro.
Segundo Bakhtin, os gêneros apresentam mudanças, de acordo com o sistema da literatura, e dos fatores que envolviam como fator social e cultural. Os teóricos românticos afastam-nos das classificações fechadas que os clássicos faziam a respeito dos gêneros, pois estes sempre procuram definir a obra literária como lírica, épica e dramática.
Os traços dos gêneros literários estão em constante transformação, então é preciso atentar ao leitor que há traços que irão caracterizá-los. E essas características são existentes na sociedade e na cultura. Com o passar do tempo e com a criação de novas teorias houve uma desestruturação do gênero literário em que não se pode mais permitir a separação dos mesmos, pois um sempre estará mesclado a outro.
Seguindo essa mesma postura (de se considerar a mescla) temos a intertextualidade, a mistura de um texto a outro, em que o autor busca em outros textos para elaborar o seu; a paródia ? outro exemplo de processo inovador - que é um dos mecanismos desta área marcando por um jogo de estilos em que se apresentam os planos "estilizantes" e o "estilizado" e esse jogo é composto por processos como a "máscara" e a "mecanização" de certos procedimentos usados na elaboração dos textos.

A História da Literatura é marcada constantemente pela "sucessão de movimentos de ruptura" que tentam deixar o passado e dar ao presente novos rumos e valores. A Humanidade e o mundo sofrem transformações continuamente, consequentemente as Eras, Épocas e Períodos Literários.
Outra característica da transformação dos gêneros é a "leitura crítica" que busca esclarecer para os escritores e leitores as "novas diretrizes literárias" e os "valores ou desvalores" das obras buscando esclarecer os processos de criação e do conhecimento a respeito da literatura.
Como foi visto os gêneros literários passaram por constantes transformações no decorrer do tempo. Não é fácil esclarecer o que é literário ou não, sendo que a cada época valoriza um aspecto, sendo confirmado com as palavras de SOARES (2006. p.77)
É, portanto necessários que examinem de modo aberto, não conclusivo, cada texto, respeitando os caminhos que ele próprio nos abra para focalizá-lo, em relação de concordância ou discordância, com a concepção dos gêneros.

As noções de gêneros da Antiguidade greco-romanas são passadas culturalmente e até chegar à Idade Contemporânea, passou-se por várias mudanças, e ainda assim não possuem definição própria e exata. Os gêneros literários podem se mesclar, e formar novos gêneros ou mesmo subgêneros. Temos que levar em conta fatores como ideologia e linguagem que proporcionam e fazem permanecer o literário. Mesmo com as resistências encontradas para se conseguir a evolução das próprias obras, o trabalho dos teóricos vem fazendo seu papel na atualização dos gêneros.
Levando em conta todos esses pontos podemos notar que os gêneros literários podem sim se mesclar e dar origem a uma nova modalidade dentro de criação literária. Cada obra é e pode ser considerada por si só um tipo de gênero, sendo que o artista quando elabora uma determinada obra, acrescenta características próprias ao seu trabalho. A cultura de um povo influencia na criação literária, pois se aquele que elabora e a obra estão inseridos dentro de uma determinada sociedade, de alguma forma, o autor usará em seu trabalho as peculiaridades de sua cultura.
Por isso, algumas obras literárias apresentam características que permitem ao leitor identificar a região que ela foi elaborada. Percebe-se assim a adequação do gênero literário para a nova criação. A influência de um outro gênero em obras regionais são pontos que merecem ser observados e analisados freqüentemente, em todas as épocas de Humanidade.
4. ELEMENTOS HISTÓRICOS PRESENTES NA OBRA O LIVRO DA GUERRA GRANDE

Durante os longos governos de José Gaspar Rodrigues de Francia (1813-1840) e de Carlos Antonio López (1841-1862), o Paraguai teve um desenvolvimento bastante original em relação ao dos outros países sul-americanos. A política de Francia e de Carlos López foi sempre a de incentivar um desenvolvimento econômico auto-suficiente, mantendo o maior isolamento possível em relação aos países vizinhos.
Foram retomadas tradições indígenas abandonadas pelos colonizadores, como a de realizar duas colheitas anuais. As represas e canais de irrigação, pontes e estradas feitos pelo governo e a valorização do trabalho comunitário elevaram a produtividade do trabalho agrícola.
O governo controlava todo o comércio exterior. O mate, o fumo e as madeiras raras exportados mantinham a balança comercial com saldo. O Paraguai nunca havia feito um empréstimo no exterior e adotava uma política protecionista, isto é, de evitar a entrada de produtos estrangeiros, por meio de impostos elevados. Defendia o mercado interno para a pequena indústria nacional, que começava a se desenvolver com base no fortalecimento da produção agrícola.
Francisco Solano López, filho de Carlos Antonio López, substituiu o pai no governo, em 1862, e deu prosseguimento à política de seus antecessores. Os personagens históricos são reais, assim como as datas presentes na obra e fatos ocorridos durante o período das batalhas e onde elas aconteceram. O crescimento econômico exigia contatos com o mercado internacional. O Paraguai, como se sabe, é um país sem litoral. Seus portos eram fluviais e seus navios tinham que descer o Rio Paraguai, depois o Paraná, para chegar até o estuário do Prata, e só daí alcançava o mar.
A obra começa com relatos históricos no capítulo Frente à frente argentina, em que meio a ficção encontra-se o fato das batalhas como a batalha de Curupaytí. A história de acordo com BASTOS, (2002:29)
A História se faz com datas. Bem, o encontro de Yataity-Corá foi em 3 de setembro, general. No dia 22 houve a batalha de Curupaytí que lhe mostrei na pintura.

Este trecho faz referência à Conferência fracassada de Yataity-Corá entre Bartolomé Mitre, Venâncio Flores e Solano López, sem a presença do Brasil, que se recusou a participar da reunião, Venâncio Flores abandona a conferência logo em seu inicio.
Entre as diversas batalhas, destacaram-se a do Passo da Pátria, a de Estero Bellaco e a primeira Batalha de Tuiuti, vencida pelos aliados em 24 de maio de 1886. Curuzu foi tomada de surpresa pelo barão de Porto Alegre, mas Curupati resistiu ao ataque de 20 mil argentinos e brasileiros, com o apoio da esquadra brasileira.
Não somente as batalhas foram relatadas, mas também o que a guerra traz de pior como as doenças, decorrentes da má alimentação e péssimas condições de higiene; causou muitas mortes, a epidemia de cólera, por exemplo, que atingiu as tropas aliadas. Segundo BASTOS (2002:30)
Este rio cheio de bocas não poderia vomitar mais aguado e aguaçais, nesta imundície de cólera e varíola, febre e diarréia.
Consta também o fato do livre comércio de mercadorias proposto por Françia. BASTOS menciona (2002:35)
Dexar passar, mestre. Que é preciso deixar passar?O livre trânsito da mercadoria para o comércio, pintor. Suas poções berrantes vêm da França, você pinta com mucilagens e alumens importados, sua colofônia provém de terras gaulesas.
Nos fatos trazidos no capítulo Em frente à frente paraguaia, começam os relatos de destruição de um país e sua população, a perda das tropas e como tiveram que enfrentar a guerra sem soldados. Bastos cita um pequeno trecho de Burton para descrever o final da guerra.
No final de 1870, pouco depois de terminada a guerra, mas não a destruição e o saque do país sob forças de ocupação, Richard Francis Burton publicou seu livro Cartas dos campos de batalha do Paraguai, muito inferior aos outros em qualidade literária e magia criativa, mas superior a todos eles como crônica do holocausto de um povo. "Um povo que vai desaparecer sem deixar rastros", Afirma o autor do prefácio. (BURTON).
Com as tropas dizimadas o Paraguai se viu obrigado a colocar as mulheres e crianças nos combates. Com isso o Paraguai sofreu grande redução em sua população. A guerra acentuou um desequilíbrio entre a quantidade de homens em sua população, e o país até hoje não se recuperou.
Continuando o relato do final da guerra BASTOS menciona (2002:56, 57)
Das anfractuosidades da cordilheira seguiu com seu binóculo os últimos combates de um punhado de pigmeus, barbudos e espectrais com lanças de taquara, contra os superarma dos esquadrões da cavalaria brasileira, apoiados pela artilharia de grosso calibre.

Outro fato histórico que consta na obra é o financiamento da guerra pelo império britânico, a Inglaterra foi a maior beneficiada com o conflito, que barrou o aparecimento de uma corrente comercial e lucrou com os juros dos empréstimos contraídos.
Em Fundação, apogeu e ocaso do Quilombo do Gran Chaco o autor volta a citar a presença de mulheres na batalha final do Paraguai e também fala sobre o bombardeio e uso da tecnologia de balões. Assim como também volta a falar sobre as doenças e pestes, segundo MACIEL (2002:111)
Mais tarde, os índios recrutas cochichavam coisas a seu respeito a meia voz. Um deles, depois de tomar aguardente, contou que a índia era a última sobrevivente de um grupo que tinha vivido no Chaco e que pouco a pouco se foi extinguindo devidos às pestes, às quais, segundo parece, era especialmente vulnerável. A índia fugiu quando a pele de seus familiares ficou coberta de erupções avermelhadas. Quando voltou às choças, todos os que tinham ficado estavam mortos.
O quilombo do Gran Chaco era uma comunidade formada por pessoas que fugiam da guerra: escravos libertos, fugitivos, índios e mulheres. De acordo com MACIEL (2002:123)
Índios mal adaptados à civilização, pessoas a quem a guerra havia espantado das cidades, libertos que cruzaram a fronteira fugindo de seus donos, pardos desertores dos quatro exércitos mestiços de todo o tipo, soldados prófugos e mulheres vindas ou trazidas de todos os lugares formam a população desse refúgio, ao qual o liberto Luvio batizou de ?Quilombo do Gran Chaco?.
"Nós nos fixamos na premissa de refundar um lugar que talvez nunca tenha existido: o Quilombo del Gran Chaco", conta Roa Bastos. No auge da Guerra do Paraguai, argentinos, brasileiros, paraguaios e uruguaios teriam esquecido eventuais diferenças e se unido numa comunidade. Eram os conjurados do Quilombo del Gran Chaco: soldados, civis e oficiais que desertaram tanto do exército paraguaio de Solano López quanto das forças de Brasil, Argentina e Uruguai, unidos na chamada Tríplice Aliança. O Quilombo do Gran Chaco era uma comunidade coletiva que tinha como objetivo acabar com a guerra.
Maciel fala das mulheres presentes nas batalhas de um modo diferente, fala de mulheres que assim como as outras pessoas, se cansam, e temem as batalhas e sentem medo. MACIEL (2002:140, 141)
Ontem à noite me acordaram para avisar que alguma coisa insólita tinha sucedido. Um batalhão de mulheres guerreiras do Paraguai chegou às portas para pedir hospedagem para si e seus cavalos, todos vencidos pelo cansaço, pela sede e pela fome. [...] A comandante retornou ladeada por duas companheiras e nos pediu algumas seguranças antes de deixar suas armas. Fiz um gesto com a cabeça e a mulher me advertiu que não confiava na palavra dos homens, pedia para ver alguma mulher de nossa cidade.

Em 28 de fevereiro de 1868 a esquadra brasileira bombardeia Assunção, com pouca resistência por parte dos paraguaios. MACIEL (2002:158).
?Estão ameaçando bombardear?, acaba de avisar alguém, quando o Téo da igreja é atingido por uma sacudidela violenta que destrói parte das molduras do teto. Alguma coisa daquilo que cai ? certamente escombros ? fere meu braço esquerdo e começo a sangrar. Do lado de fora, as criaturas desesperadas uivam entre os cânticos e as ordens para fazer andar os aparelhos que arrastam a maquinaria de madeira. O que pensará o comandante Souza ao ver o importante cavalo avançando na direção de seu exercito? Há um refugio e parece que uma bala de canhão atingiu um cavalo. Este começa a lançar fogo como se tivesse sangrando no peito enquanto os homens que estão dentro gemem, certamente presos entre as armações das entranhas do mostro.
Luis Alves de Lima e Silva, na época marquês de Caxias, chegou ao Paraguai em novembro de 1866. Assumiu o comando geral e reestruturou o Exército. Sob a orientação de Caxias, os aliados, depois de demorado cerco, derrotaram a principal fortificação paraguaia, a de Humaitá, em 25 de julho de 1868. Entrando no país, Caxias, em vez de avançar para a capital, já desocupada pela população e bombardeada pela esquadra, marchou para o sul e iniciou a Dezembrada, uma série de vitórias obtidas em dezembro de 1868: Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e Angostura.
No capitulo seguinte Os papeis do general Rocha Dellpiane fala sobre o diário de guerra argentino atribuído ao capitão Francisco Paunero, que foi guardado pela sua descendente.
Omar Prego narra o trabalho investigativo de um escritor que procura nas cartas, pistas oficiais de um uruguaio e de sua participação, pela ordem do Quilombo Del Gran Chaco, no assassinato do presidente Venancio Flores em 1868.
O acaso (no qual não creio) me conduziu, pouco depois de ter lido o diário de guerra argentino atribuído ao capitão Francisco Paunero, não a essa eventual testemunha (todos os participantes daqueles sangrentos episódios já morreram), mas à derradeira descendente de um dos nebulosos heróis daquela matança.

É quando ele começa a narrar seu curso investigativo, de ir até o casarão da descendente do general Rocha Dellpiane; lá a Sra. Rosa Rocha Saavedra havia guardado caixas de informações sobre o general, cartas que ele escreveu, recortes de jornais e seu diário particular. GADEA (2002: 164, 165).
[...] A Sra. Rosa Rocha Saavedra havia acabado de legar ao Arquivo Geral da Nação um baú contendo material que ainda não tinha começado a ser inventariado, e que até aquele momento permanecia em poder da descendente do militar, que García Vieira aproveitou para classificar como sendo um "prócer menor". Explicou-me que mal havia tido tempo de dar uma olhada naquele "profuso material", que incluía cartas e anotações, além de algo que parecia ser um livro de memórias ou romance. Havia também recortes de jornais e de revistas da época. "De repente, podem existir dados valiosos. Quem sabe não encontramos pistas dessa conjura, da qual fala o capitão Paunero?", perguntou.

O escritor admite que talvez um pesquisador profissional pudesse ter encontrado pistas que ele não conseguiu encontrar. GADEA (2002:172).
Admito que um pesquisador mais atento talvez encontrando algumas pistas esclarecedoras sobre a participação do general Rocha Dellpiane no assassinato do general Flores, ou que pelo menos servissem para saber se as motivações foram efetivamente as invocadas (a existência de uma conjura incipiente, cujo objetivo seria pôr fim à Guerra do Paraguai), ou se na verdade encobriam propósitos menos altruístas.
A nova realidade política era ambígua quanto a Guerra do Paraguai, pois os dois militares de maior patente que participaram do golpe, generais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, haviam lutado no conflito com reconhecida bravura e não manifestaram dúvidas quanto a sua validade. Contudo, o novo regime republicano tinha embasamento ideológico positivista e intelectuais adeptos deste pensamento, coerentes com seu caráter pacifista, condenaram a Guerra do Paraguai. Eles também atuaram, assim como outros aderentes da República, com a finalidade de justificar a nova realidade política brasileira e uma forma de fazê-lo era criticando homens e acontecimentos da história do Brasil Monárquico, inclusive o conflito com o Paraguai.
Por temerem uma restauração monárquica voltaram-se principalmente contra Pedro II, que tinha sido uma figura popular, e mesmo após sua morte, em dezembro de 1891, esse temor persistiu por algum tempo.
O Barão relata seus pertences todos da época da guerra, e fala disso com orgulho, relata que sua casa é como seu país, uma vez tudo foi novo agora tudo tinha envelhecido no capitulo Um barão não mente, envelhece.
Eric Nepomuceno relata o resgate da descendência de um dos conjurados do Quilombo do Gran Chaco, o VII Barão de Ramalho, que entra na justiça para que tenha o direito de ter o título de barão para isso ele busca todo sua genealogia, desde seu bisavô. NEPOMUCENO (2002:203).
Nada disso importa. Eu, que nem tenho Ramalho no nome, sou o VII Barão de Ramalho. Só isso conta.
Durante muito tempo após a guerra ouve uma censura com os documentos da época da guerra, somente os militares e historiadores podiam lê-los, e o que se sabia da guerra eram por relatos, assim como os que aparecem neste ultimo capítulo, segundo NAPOMUCENO (2002:216):
Esta moça não sabe nada da Guerra do Paraguai. Nenhum brasileiro nascido em 1972 sabe coisa alguma dessa guerra, e quase nada da história deste país. Alias, pensando bem, os nascidos em 1948, como eu, também não sabem grande coisa.
Eric também faz uma referencia de como ficou o país após a guerra e assim como os outros autores afirma a destruição do país. De acordo com NAPOMUCENO (2002:216):
E desando a falar: hoje, o Paraguai tem metade da população que tinha quando a guerra começou; é um país pobre, atrasado; foi, mais que uma guerra, um extermínio, um genocídio covarde como todos os genocídios. Quando acabou, o país acabou junto; quase não havia homens adultos; as mulheres vagavam sem destino, avassaladas pelos vencedores; um horror.
E no final do capitulo, Nepomuceno fala do envelhecimento do barão, "Porque os barões têm esse defeito: com o passar do tempo, costumam envelhecer".
Em relação às causas da guerra a maior parte das pessoas só conhece relatos de que a guerra do Paraguai só ocorreu por motivos econômicos, mas de acordo com Chiavenato, as verdadeiras causas da guerra foram escondidas pelas autoridades dos países envolvidos. Segundo CHIAVENATO (1996,35):
A guerra foi causada, em conteúdo, por motivos econômicos. Naturalmente há questões de limites, as reivindicações territoriais da Confederação Argentina e do Brasil. Mas pela sua falta de propósito para causar uma guerra, essas questões são meros pretextos para criar condições de uma invasão do Paraguai.
Pelo fato do Paraguai ter sua economia bem desenvolvida e não depender de outros países para se manter economicamente, a Inglaterra a Argentina e o Brasil que já possuíam interesses no país resolveram fazer a invasão para conquistá-lo e desfrutar das riquezas do país adversário. Outro fator importante a ser destacado é a participação do Uruguai na guerra.
O Uruguai "não passa de um contrapeso na guerra", por ser este país um dos responsáveis por manter o Paraguai como nação livre, o Brasil e a Argentina tratam logo de trazê-lo para seu lado, assinando um tratado no qual garantia a proteção do país e que qualquer ataque seria motivo de guerra.
O que se percebe, dada a narrativa produzida pelos quatro autores, nascidos cada qual em um dos países envolvidos no conflito, é que os horrores da guerra afetaram todos os envolvidos, sem distinção entre vencedores e derrotados. Além disso, percebe-se que a experiências de escrita "a oito mãos" não prejudica o texto em sua unidade.



















5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHIAVENATO, J. J. A guerra contra o Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1996.
COELHO, Nelly Novais. Literatura e Linguagem: a obra literária e a expressão lingüística. 4. Ed. São Paulo. Quíron, 1986.
DORATIOTO, F. Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
ECO, Humberto. Sobre a Literatura. Rio de Janeiro: Record. 2003
GRESSLER, L. A. e VASCONCELOS, L. M. Mato Grosso do Sul: Aspectos históricos e geográficos. Dourados/MS, 2005.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. São Paulo. Cultrix,1974.
NEPOMUCENO, E., MACIEL, A., GADEA, O. P., ROA BASTOS, A. O livro da guerra grande. Rio de Janeiro: Record, 2002.
PERNIDJI, J. E. & PERNIDJI, M. E. Homens e mulheres na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: IMAGO, 2003.
POMER, L. Paraguai: nossa guerra contra esse soldado. São Paulo: Global, 2001.
SANTOS, P. B. Teorias do romance: relações entre ficção e história. Santa Maria/RS: Editora UFMS, 1996.
SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 6.ed. São Paulo. Ática, 2006.
TAVARES, Hénio Ultimo da Cunha. Teoria Literária. 12.ed. Belo Horizonte. Itatiaia, 2002.