Constitucionalidade e Incosntitucionalidade da Prisão em Flagrante

Por Sandro Roberto Vieira | 07/01/2011 | Direito

Prisão em Flagrante


"A prisão em flagrante é instituto que remota às eras mais recuadas do processo e já poderia ser encontrada até mesmo entre os romanos, na Lei das XII Tábuas" (MACHADO, 2005, p.74).
As Ordenações Filipinas já disciplinavam a modalidade da prisão em flagrante no período Colonial, passando a ser disciplinada também na Constituição Imperial de 1824.
Para Machado (2005) a prisão em flagrante tem nitidamente caráter cautelar, porém exibe natureza administrativa.
Comungando da mesma opinião Nucci, (2008, p.587):

Flagrante significa tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que ocorre. Neste sentido, pois, prisão em flagrante é a modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal (crime ou contravenção penal).

É a prisão que restringe a liberdade do individuo, gerando efeito imediato e produzindo severas conseqüências jurídicas, porém, apenas estará completa com a validação ou invalidação da autoridade judiciária.
O artigo 301 do Código de Processo Penal reza que: "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".
Seria incompressível se assim não o fosse, imaginemos a situação que qualquer pessoa que presenciasse um crime acontecendo na sua frente não pudesse deter o autor de tal ação imediatamente. Ou ainda ficasse a critério da autoridade policial deter ou não o criminoso conforme sua vontade.
Uma espécie de prisão cautelar que ocorre como forma de determinação legal nas hipóteses definidas em lei no artigo 302 do Código de Processo Penal , é denominada situação de flagrância.
Assim, verificado um fato em tese delituoso e sendo o agente encontrado cometendo a infração (art. 302, I, do CPP) ou acabando de cometê-la (inc. II) pode ser preso em situação denominada pela doutrina como "flagrante real", "flagrante próprio" e "flagrante perfeito".
Segundo Bonfim (2006, p. 370):

Em razão da etimologia do termo "flagrante", do latim flagrare (queimar) e flagrans, ntis (ardente, abrasador, que queima), a doutrina costuma definir a prisão em flagrante como a detenção do individuo no momento em que este esta praticando o crime. Esse conceito, contudo, não abarca todas as hipóteses de flagrante. De acordo com o art. 302 do CPP, pode ser preso em flagrante não só quem esta cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la como aquele que já a praticou, nas circunstancias ali especificadas.

As situações dos incisos I e II (do artigo 302 do Código de Processo Penal) são de constatação visual da relação do "agente/fato tido como criminoso". Não indicam que há certeza de ser ele o autor de um crime, uma vez que a certeza de autoria e o crime somente provem de sentença transitada em julgado, porém a um alto grau de probabilidade e justifica a qualquer um do povo executar a prisão em flagrante.
Já nas situações dos incisos III e IV (do artigo 302 do Código de Processo Penal), não há falar em constatação visual que confere o alto grau de probabilidade que legitima a prisão, porém, o legislador conferiu a elas uma equiparação legal aquelas situações de flagrante real, logo, também se o agente for perseguido ou encontrado nas condições previstas em lei, será preso em legítima situação de flagrância.
Doravante serão analisadas as situações de flagrante, com correspondência na legislação vigente, em sentido próprio, impróprio e presumido.

2.1.3 Espécies de Flagrantes

Flagrante em sentido próprio se dá com a situação em que o agente é surpreendido no exato momento do cometimento da infração ou então quando acaba de cometê-la (art. 302, I e II, do CPP), também chamado de perfeito, real ou propriamente dito: "Flagrante próprio ou perfeito (inciso I): ocorre quando o agente está em pleno desenvolvimento dos atos executórios da infração penal". (NUCCI, 2009, p.605).
Compartilhando do entendimento supramencionado Lopes (2008) relata que o flagrante do inciso I ocorre quando o agente pratica o verbo nuclear do tipo, ou seja, é surpreendido cometendo o delito, podendo esta prisão evitar a consumação do delito. No inciso II, o flagrante é considerado como próprio, não havendo lapso temporal entre a prisão e a prática do crime.
Para Nucci (2009) o flagrante próprio se concretiza quando o autor da infração penal acabou de concluí-la, é de fácil percepção o estado de flagrância no caso do flagrante próprio, por que o autor é detido no momento da ocorrência do crime, ou ainda quando acabou de consumá-lo, aparecendo como algo evidente, sem sombra de dúvida, estando o agente na cena do crime ocasionando a prisão do autor.
Quando há intervenção por parte de algum agente e essa intervenção impede o prosseguimento do cometimento do delito pode apenas resultar em tentativa.
No caso do flagrante impróprio (imperfeito ou quase-flagrante), diferentemente do flagrante próprio, a mesma evidência e certezas de autoria não são observadas, visto que apenas após algum tempo do cometimento do delito o suposto autor é capturado. Esse lapso temporal por vezes se estende por horas e dependendo do caso concreto, até mesmo dias.
Ao que tange o flagrante impróprio, chamado também por imperfeito ou quase flagrante, Bonfim (2006) explica que decorre da perseguição do agente logo após a prática de um fato delituoso por parte da polícia, por qualquer pessoa do povo ou ainda pelo próprio ofendido, em situação que se faça presumir ser autor da infração.
Lopes (2008) informa que a doutrina nacional denomina tais situações de flagrantes como "quase flagrantes" ou "flagrantes impróprios" por se tratar de interpretações mais frágeis sob o ponto de vista da legalidade, contrariando tais denominações por não serem adequadas, pois traduzem a idéia de que não são flagrantes.
O autor ainda completa (2008, p.67): "Dizer que é "quase" flagrante significa dizer que não é flagrante, e isso é um erro, pois na sistemática do CPP esses são flagrante delito".
Quanto ao adjetivo "impróprio", Lopes (2008) ressalta que se trata de um antagonismo com os que seriam "próprios", não correspondendo com a sistemática adotada pelo Código de Processo Penal e, a rigor não deveria ser utilizado, pois afasta o núcleo imantador que é a realização do tipo penal.
Essa elasticidade de tempo "logo após" gera certa dificuldade para estabelecer o estado de flagrância com clareza gerando incertezas e dúvidas sobre a autoria da ação e a possível prisão do agente.
O flagrante descrito no inciso III do artigo 302 verifica a possibilidade da prisão em flagrante quando o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer outra pessoa em situação que faça presumir ser o autor da infração.
"Note-se que a lei faz uso da expressão "em situação que faça presumir ser autor da infração" demonstrando, com isso, a impropriedade do flagrante, já que não foi surpreendido em plena cena do crime". (NUCCI, 2009, p.605).
Concluindo, no flagrante impróprio o agente não é preso, vindo a se evadir do local, por sua vontade ou de outrem, e sendo perseguido logo após pela autoridade policial, qualquer pessoa do povo ou até mesmo a vítima do ato delituoso.
A autorização legal da prisão se dá pela evidência da autoria e da materialidade.
É exigida a conjunção de três fatores, senão vejamos:
1. Requisito de atividade (Perseguição);
2. Requisito Temporal (Logo após);
3. Elemento circunstancial (Situação que faça presumir a autoria).
Acerca destas circunstâncias, Machado (2005) assevera que a prisão em flagrante necessita de duas: que a perseguição se inicie logo após o cometimento do delito e que o agente perseguido esteja identificado desde o inicio da perseguição, mesmo que seja capturado muito tempo depois da prática do delito.
Lopes (2008) ressalta a necessidade de haver contato visual inicial com o autor do delito, ou, ao menos uma proximidade razoável que permita a autoridade policial ir ao encalço do agente podendo identificá-lo. Ainda há extrema necessidade que a terminação "logo após o crime" seja seguida a rigor, mesmo não existindo um lapso temporal exigido em lei, e certamente sempre verificando a complexidade do caso concreto, a perseguição deve ser imediata.
Martins (2007) alerta para a necessidade de a perseguição ser ininterrupta contínua e ordenada, para ter certeza da pessoa que esta se perseguindo.
Machado comunga da mesma idéia (2005, p.79): "O que se exige, portanto, é que a perseguição tenha tido início imediatamente após o crime e não que a prisão seja efetuada logo após essa ação delituosa".
Exige-se que a perseguição se inicie logo após. Eis porque a prisão do agente que consegue manter sua identidade no anonimato é tida como ilegal, ou seja, se esconde por horas ou ainda dias, até que a autoridade policial, após vários atos investigatórios, consegue chegar a ele.
Lopes alerta (2008, p.68-69):

Não existirá uma verdadeira perseguição se a autoridade policial, por exemplo, chegar ao local do delito 1 (uma) hora depois do fato. Assim, "logo após" é um pequeno intervalo, um lapso exíguo entre a prática do crime e o inicio da perseguição.

Machado (2005) também explica que ao se iniciar a perseguição, conseqüentemente decorrido algum tempo após o cometimento do delito, a situação de flagrância perde sua característica.
Como norma de apoio e interpretação dessa, o conceito de perseguição pode ser extraído do artigo 290 do Código de Processo Penal, especificamente do parágrafo 1º, alíneas "a" e "b" .
Para Lopes (2008) mesmo que a lei não determine quanto tempo perdure não se pode confundir a duração da perseguição com seu início, pois o dispositivo legal exige que essa se inicie logo após o fato delituoso. O doutrinador ainda exemplifica colocando hipoteticamente um caso de um assalto a banco onde a autoridade policial é acionada, chegando imediatamente ao local do crime e saindo em perseguição dos assaltantes. Uma perseguição desse porte, não raras vezes, traz conseqüências de trocas de veículos, novos reféns, tendo uma duração de 30 horas depois do fato delituoso. Mesmo tendo por conseqüência um elástico lapso temporal haverá a configuração da prisão em flagrante, pois a perseguição se iniciou imediatamente logo após o fato, ainda durou ininterruptamente.
Nucci exemplifica uma situação de presunção de autoria e materialidade: (2009, p.605):

Exemplo disso é o do agente que, dando vários tiros na vítima, sai da casa desta com a arma na mão, sendo perseguido por vizinhos do ofendido. Não foi detido no exato instante em que terminou de dar os disparos, mas a situação é tão clara que autoriza a perseguição e a prisão do autor. A hipótese é denominada pela doutrina de quase flagrante.

Visto que é gritante o entendimento doutrinário acerca da existência da flagrância do inciso III do artigo 302 do Código de Processo Penal pátrio, é necessário em primeira análise que a perseguição seja iniciada poucos minutos após o cometimento do delito, e ainda em segunda análise, que o perseguido seja preso em situação que faça presumir ser o autor da infração.
Para Lopes (2008) em observância do principio constitucional da presunção de inocência , verifica-se que na segunda análise a disposição é inconstitucional, pois fere tal principio não podendo a autoria ser presumida nem mesmo extraída de elementos como estar na posse dos objetos subtraídos, arma do crime ou ainda diante reconhecimento da vítima, devendo a autoria ser comprovada mediante provas concretas.
Lopes ainda lamenta pela não observância dos princípios constitucionais (2008, p.69): "Infelizmente, o controle da constitucionalidade das leis processuais penais é incipiente, muito aquém do necessário para um Código da década de 40".
A última situação de flagrante é a do inciso IV, do artigo 302 do Código de Processo Penal que trata do flagrante presumido.
Flagrante presumido (ficto):
"É a situação em que o suposto agente seja encontrado, logo depois da ocorrência de fato delituoso, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração (art. 302, IV)". (BONFIM, p. 372).
Nessa situação basta que o agente seja flagrado logo após a ocorrência da ação criminosa com objetos, produto da ação criminosa, não necessitando que o mesmo seja perseguido pela autoridade policial.
No magistério de Nucci (2009, p. 606):

É o que comumente ocorre nos crimes patrimoniais, quando a vítima comunica a polícia a ocorrência de um roubo e a viatura sai pelas ruas do bairro à procura do carro subtraído, por exemplo. Visualiza o autor do crime algumas horas depois, em poder do veículo, dando-lhe voz de prisão.

Porém para Lopes (2008) diante de tal situação, se apresenta um grau de dificuldade para se determinar, com rigor necessário, o estado de flagrância que justifica a prisão do agente, ou seja, é uma espécie de flagrante frágil difícil de legitimar-se.
São essenciais três elementos para sua existência:
1. Requisito de atividade (encontrar);
2. Requisito temporal (logo após);
3. Armas ou objetos do crime (presunção de autoria).
Martins (2007) assevera que aqui, sem qualquer perseguição, o agente é encontrado em circunstâncias que levam a presumir que o agente é o autor do fato delituoso, mesmo que algumas horas após o crime. Portanto não há se falar em perseguição pela autoridade policial, qualquer pessoa ou vítima, satisfazendo que o agente seja encontrado com objetos que apontem indícios suficientes de autoria.
Comungando do entendimento supramencionado, Nucci (2009) relata que o indivíduo é encontrado com objetos, armas, papéis, enfim, instrumentos que demonstrem por presunção ser ele o autor do fato delituoso, mesmo não sendo perseguido após a prática do crime, constituindo estado de flagrância.
Lopes (2008) alerta que esse "encontrado" deverá ser causal. Por seu rastro o agente deve ser procurado, não se tratando de um simples encontrar sem qualquer vinculação com a relação.
Lopes ainda exemplifica com a situação de um veículo que foi subtraído e por coincidência depara-se com uma blitz rotineira da polícia, afirmando que nessa hipotética situação não haverá flagrante, pois não houve um procurar de quem encontrou (causal, portanto). Não se justifica neste caso uma prisão em flagrante, pois não houve uma perseguição.
No que tange ao requisito temporal "logo após", não existe um lapso de tempo fixo, cabendo ao juiz o reconhecimento, analisando cada caso concreto, as circunstâncias em que se deu a prisão do agente, determinando se houve ou não decurso de tempo.
Para Nucci (2009) o que determinará se a prisão em flagrante é necessária, será a autoridade policial e a judiciária, seguido pelo bom senso de ambos.
"Alguma controvérsia existe acerca das expressões logo após (art. 302, III) e logo depois (art.302, IV)". (BONFIM, p. 373).
Para Lopes (2008) ainda que os doutrinadores pátrios identifiquem as expressões "logo depois" e "logo após" como pequenos intervalos, esses terão que ser obrigatoriamente exíguos entre a prática do delito e a prisão e ainda exige que a perseguição do agente seja com contato visual. Já no requisito temporal do inciso IV, o autor alerta que o lapso temporal poderá ser mais dilatado, pois o ato de perseguir exige necessidade de estar próximo enquanto o ato de encontrar permite um grande intervalo de tempo entre o cometimento do delito e o encontrar do agente, sendo atos distintos.
Corroborando com a idéia, Nucci (2009) explica que a expressão não poderá ter larga extensão devendo ter lapso temporal exíguo, sob pena da prisão em flagrante perder sua característica.
Para uma melhor compreensão, exemplifica Lopes (2008, p.70):

Uma quadrilha rouba um estabelecimento comercial e foge. Para existir perseguição, a polícia deve chegar poucos minutos após a saída do estabelecimento, pois somente assim poderá efetivamente "perseguir", no sentido empregado pelo artigo 290. Caso isso não seja possível, diante da demora com que a polícia chegou ao local do crime, passamos para situação prevista no inciso IV, quando são montadas barreiras policiais nas saídas da cidade e vias de acesso àquele local onde o crime foi praticado, buscando encontrar os agentes.
Haverá prisão em flagrante se os autores do delito forem interceptados em uma barreira policial (encontrar causal), com as armas do crime e o dinheiro subtraído, ainda que isso ocorra muitas horas depois do crime. Daí porque, pensamos que a expressão "logo depois" representa um período mais elástico, que excede aquele necessário para que se configure o "logo após" do inciso III.

Todas as situações e requisitos anteriormente expostos devem estar configurados sob pena de depararmos com uma prisão ilegal, devendo essa ser relaxada de imediato pela autoridade competente.

2.1.4 Espécies Doutrinárias

Insta imprescindível discorrer brevemente sobre a análise das espécies doutrinárias, que distingue três hipóteses de flagrante:
1. Flagrante Esperado;
2. Flagrante Forjado;
3. Flagrante Preparado ou Provocado;
Na presente pesquisa será analisada a distinção das três hipóteses. Somente no flagrante esperado é perfeitamente possível à prisão do agente, enquanto nas duas hipóteses restantes a prisão em flagrante se torna ilegal, pois inexiste o crime.
No flagrante esperado, a autoridade policial, tendo conhecimento por qualquer meio de que irá ocorrer um crime, antecipa-se ao agente, colocando-se de vigilância e posteriormente efetuando sua prisão no momento do início à ação criminosa.
Bonfim assevera (2006, p.374): "Iniciada esta, a pronta intervenção dos agentes policiais, prendendo o autor, configura o flagrante".
"Assim quando a polícia não induz ou instiga ninguém, apenas coloca-se em campana (vigilância) e logra prender o agressor ou ladrão, a prisão é válida e existe crime". (LOPES, 2008, p.74).
"Essa é uma hipótese viável de autorizar a prisão em flagrante e a constituição válida do crime. Não há agente provocador, mas simplesmente chega à polícia a noticia de que um crime será em breve cometido". (NUCCI, 2009, p.608).
Comungando do mesmo entendimento supramencionado, Lopes (2008) ensina que esta prisão em flagrante é válida e legal. O que de veras ocorre na maioria das vezes, quando a autoridade policial é informada e se oculta para realizar a prisão, aguardando a ocorrência do delito, é que, dependendo da situação, com a intervenção da polícia o crime não ocorre, havendo apenas tentativa.
Para Martins (2007) não se verifica nenhum induzimento por parte da autoridade policial, nenhum estímulo a levar o agente a pratica do ato delituoso, portanto, se lograr êxito, a prisão em flagrante será legal.
No flagrante forjado a conduta do agente é criada pela autoridade policial com fim de justificar a prisão em flagrante do agente, onde o mesmo não pratica nenhuma ação criminosa. "Trata-se de um flagrante totalmente artificial, pois é integralmente composto por terceiros". (NUCCI, 2009, p.608).
Martins (2007) exemplifica essa situação: um policial mal intencionado, levianamente introduz substâncias ilícitas (drogas) ou armas no interior de um veículo de uma pessoa qualquer, a fim de realizar a prisão em flagrante dessa.
Lopes (2008) explica que quando uma situação é criada existe o flagrante forjado. É uma situação fática de flagrância delitiva na tentativa de legitimar a prisão, criando uma falsa situação fática.
Bonfim (2006, p.374) corrobora com a mesma idéia: "Ocorre nas hipóteses em que a polícia ou terceiros forjam elementos probatórios, dispondo-os de maneira a induzir a autoridade em erro com intuito de incriminar determinada pessoa, causando sua prisão".
Em análise do flagrante preparado ou provocado, este ocorre quando a autoridade molda situações que induzem o agente a praticar o fato delituoso, o que configura uma ilegalidade.
"Trata-se de um arremedo de flagrante, ocorrendo quando um agente provocador induz ou instiga alguém a cometer uma infração penal, somente para assim poder prendê-la". (NUCCI, 2009, p.607).
Bonfim (2006, p.373) reitera: "Ocorre quando a autoridade instiga a prática de um crime, de maneira que esse é cometido preponderantemente em razão de sua atuação".

2.1.5 Da Ilegalidade do Flagrante Forjado e Preparado.

Sobre o flagrante forjado, Bonfim (2006) ressalta que não há que se falar em flagrante, pois esse pressupõe o crime, não existindo fato delituoso.
Comungando o mesmo raciocínio, Nucci (2009) explica que nessa situação o agente em momento algum pensou ou concorreu para o cometimento da infração penal, tratando-se de fato atípico.
Esse flagrante não é válido, tratando-se de uma encenação e de abuso de autoridade, devendo a prisão, de pronta, ser relaxada, pois se trata puramente de constrangimento ilegal.
Tratando-se de flagrante provocado, Lopes (2008) ressalta que esse também é ilegal, pois somente ocorre quando há indução ou estímulo para que o agente cometa a infração penal, tão somente com o escopo da realização da prisão. Essa situação é o que o Direito Penal chama de "delito putativo por obra do agente provocador".
Para Martins (2007) trata-se puramente de uma cena teatral onde, de forma insidiosa, alguém provoca o agente a praticar o crime. Uma cilada normalmente provocada por um policial ou alguém a serviço seu.
Hipoteticamente, um policial a paisana se passa por usuário de entorpecentes, induz alguém a vender-lhe a substância, efetuando posteriormente a prisão em flagrante do mesmo.
Configura-se o flagrante preparado, como já explicado pela doutrina, uma forma ilegal de realizar uma provocação fazendo nascer em alguém uma intenção de prática de um delito, com um único fim: prendê-lo em flagrante.
Nesses moldes não haverá consumação do delito, pois se trata de uma armadilha.
"Trata-se de crime impossível (art. 17, CP ), pois é inviável a sua consumação". (NUCCI, 2009, p.607).
Lopes (2008) compartilha a mesma idéia: não há, penalmente, qualquer possibilidade do agente lograr êxito no cometimento da ação penal, considerando-se crime impossível, como dispõe o artigo 17 do CP.
Lopes (2008) insta em ressaltar que é gritante a ilegalidade do flagrante preparado, vinculando ao crime impossível. Nessa modalidade de flagrante não há indução nem provocação mas uma "perfeita" preparação.
"Ao mesmo tempo em que o provocador leva o provocado ao cometimento do delito, age em sentido oposto para evitar o resultado. Estando totalmente na mão do provocador, não há viabilidade para a constituição do crime". (NUCCI, 2009, p.607).
No caso em tela, a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal já assentou que "não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação".
Nos ensinamentos de Lopes (2008, p.74).

Noutra dimensão, o flagrante preparado exige muito cuidado e tem sua legalidade ou ilegalidade aferida no caso concreto, pois, dependendo da situação, estaremos diante de um crime impossível, aplicando-se o que dissemos no flagrante preparado e a incidência da Súmula 145 do STF.

Quanto a Súmula 145, STF, explica Nucci (2009, p.607): "É certo que esse preceito menciona apenas a polícia, mas nada impede que o particular também provoque a ocorrência de flagrante somente para prender alguém".

2.1.6 As garantias Constitucionais na Prisão em Flagrante

Como já mencionado, a prisão em flagrante poderá ser legal. Todavia é preciso cumprir determinadas formalidades legais, a fim de evitar abuso no tocante à prisão em flagrante, como reza o caput e o parágrafo 3º do artigo 304 do Código de Processo Penal, alterados pela Lei n. 11.113 de 13/05/2005 .
"Certamente, o realizador da prisão fica por ela responsável, podendo responder pelo abuso que em que houver incidido". (NUCCI, 2008, p.587).
Como sabido, a prisão em flagrante é medida coercitiva, sendo lamentavelmente inquisitória, pois no inquérito policial não se encontra o contraditório e a ampla defesa.
"É certo que a prisão em flagrante, bem como os procedimentos de sua formalização, é providência naturalmente inquisitiva" (MACHADO, 2005, p.95).
Martins (2007) explica que, a prisão em flagrante, mesmo sendo uma modalidade administrativa, ou seja, sem mandado de prisão expedido por autoridade competente, fica sujeita à avaliação imediata do magistrado, que poderá relaxá-la, quando vislumbrar ilegalidade, ou ainda verificar sua legalidade, pois se trata de medida que atinge a liberdade individual do indivíduo, sendo estabelecidas algumas formalidades, como reza o artigo 5º, incisos LXI, LXII, LXIII, LXV e LXVI da Carta da República .
No que tange o inciso LXI da Carta Magna, ressalvado nos casos de transgressão militar, verifica-se uma prisão processual, não oriunda de uma aplicação de pena.
Sobre a legalidade da prisão em flagrante em conformidade com o disposto constitucional, verifica-se a necessidade de informação dos direitos ao preso, dentre eles o direito de permanecer em silêncio; informar ao juiz e familiares, ou ainda pessoas que o preso indique o local onde esse se encontre preso; a identificação dos responsáveis por sua prisão; a assistência familiar e de um advogado.
Na mesma assertiva Martins reitera (2004, p.74):

Os pressupostos constitucionais estão diretamente ligados à observância pela autoridade a que competiu à prisão, dos direitos do preso estabelecidos na Carta política, atinentes ao direito da comunicação imediata à autoridade judiciária e a quem for por ele indicado, os direitos ao silêncio e à assistência familiar e de advogado, como da informação a respeito da identificação dos responsáveis por sua prisão.

Essa legalidade não se limita apenas ao exame das formalidades legais do auto de flagrante ou da subsunção da realidade fática a algum inciso do artigo 302 do CPP, mas compreende, em cada caso concreto, a necessidade do julgador demonstrar em decisão fundamentada a existência dos requisitos di fumus commissi delicti e do periculum libertatis.
As situações de flagrância integram, no campo provisório de início da persecução penal, fummus comissi delicti, tanto no tocante à materialidade quanto no referente à autoria da infração, onde se detalhará adiante em tópico próprio no que tange a matéria.
Lopes (2008) ressalva que havendo configuração da situação de flagrância, estarão preenchidos os requisitos do artigo 302, porque ele traz, com alto grau de probabilidade, a materialidade e a autoria da infração. Entretanto não é ele suficiente para manutenção de alguém na prisão, pois a regra constitucional é a liberdade durante o curso do processo, sendo a exceção à prisão cautelar (art. 5.º, LXVI, da Constituição Federal).
Dessa forma é imprescindível que o juiz demonstre se o requisito do periculum libertatis esta presente. Para isso, deverá indicar em sua decisão quais elementos dos autos de flagrante indicam que a liberdade do preso colocará em risco a instrução processual ou a proficuidade do processo.
Martins (2007) assenta que deverá o juiz demonstrar, com base nos autos, que existe perigo ao processo com a liberdade do preso por estar ele interferindo na instrução preliminar ou na instrução processual, ou ainda colocando em risco futura e eventual pena a ser a ele aplicada.
Por essa razão, demonstrada a inexistência de situação fática aos incisos do art. 302 do Código de Processo Penal, a prisão em flagrante deverá ser relaxada e conseqüentemente o preso deverá ser liberado.
Tourinho Filho (1998) enfatiza que na vigência da Carta da República todas as pessoas permaneçam em liberdade até que seja imposta a prisão pena por sentença condenatória transitada em julgado. Essa liberdade somente poderá ser afastada via prisão processual, devidamente disposta em lei em conformidade com as normas constitucionais.
Ademais, é de grande valia, assegurar os princípios basilares da dignidade da pessoa humana e o da presunção de inocência.
Machado (2005) informa que se deve assegurar um tratamento digno ao preso, ou seja, civilizado, preservando sua integridade física, e quando desnecessário evitar equipamentos agressivos, como, por exemplo, armas e algemas, gerando o menor constrangimento possível ao preso.
A não observância desses direitos caracteriza abuso de poder, como reza a lei 4.898/65 em seu artigo 4º, "b" .
Pelo princípio da presunção de inocência, apenas deve-se manter o indivíduo em cárcere se realmente se verificar tal necessidade, mesmo que haja flagrante, pois em nosso país a regra é a liberdade sendo a prisão exceção.
Lopes (2008) ressalta que o princípio da proporcionalidade ainda reforça esta liberdade individual, já que não se justifica a manutenção da prisão, quando essa é desproporcional em relação a sansão imposta ao indivíduo.
Sobre a liberdade individual, Machado (2005) explica que configura direito fundamental, tão resguardada pela Constituição Federal, sendo cláusula pétrea, aplicando-se imediatamente, ou seja, não podem ser afastadas pelo legislador constitucional, nem mesmo pelo juiz no momento processual, muito menos pela autoridade policial no momento da prisão em flagrante.
No magistério de Brandão apud Martins (2004, p.79):

Não é possível que em pleno Estado Democrático de Direito ainda se conviva com a prática absurda de nosso dia-a-dia, onde a comodidade determina que um simples homologo o flagrante passa ser suficiente para influir no jus libertatis de qualquer acusado.

A homologação do flagrante carece de fundamentação, pois possui carga decisória, influenciando diretamente a liberdade do indivíduo.


CIRILO DE VARGAS, José, Processo Penal e Direitos Fundamentais: Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p. 267.

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