Considerações sobre o Ser-Doente e o Ser Saudável Existencialmente

Por RAFAEL LUAN FERREIRA DA COSTA | 06/06/2017 | Psicologia

O existencialismo enxerga o homem como um “ser” em constante construção que, em relação as suas escolhas, torna-se livre, na medida em que se desenvolve, mas responsável por essas escolhas. Caracteriza-se em um processo intenso e contínuo por meio das suas relações com outros indivíduos e dimensões socioculturais.

Loffredo (1994), apud Cardella (2002) veem este encontro do existencialismo com o homem, sob a ótica da fenomenologia, como possibilitador do suporte para a atitude fenomenológica. Não se trata de um método de descrição do que se observa, mas de questionamentos do “todo” que aparece. Indicando, para terapeuta gestaltista, a importância do “o que” e “como” em vez do simples “por que”. Ou seja, o homem passa a ser visto como agente construtor da sua história e do seu desenvolvimento.

Este “ser” passa a existir por suas relações com algo ou alguém, atribuindo significado e sentido a seu viver, na medida em que compreende o mesmo como a existência prática da vida em momentos específico do “hoje”, mesmo que, em algum momento, transcenda o definitivo hoje pelos seus resgates memoriais, entre o hoje e suas possibilidades futuras, que permitem-no entrar em contato com sentimentos antigos, memoriais, ou novos, no sonho, consciente ou inconscientemente.  

De acordo com (FORGHIERI, 1993, p.51):

Vive num certo espaço e em determinado tempo, mas os vivencia com uma amplitude que ultrapassa estas dimensões objetivas, pois consegue transcender a situação imediata. Seu existir abrange não apenas aquilo que está vivendo em dado instante, mas, também, as múltiplas possibilidades às quais encontra-se aberta a sua existência. (Forghieri, 1993, p.51).

Porém, transcender sobre esta abertura existencial não é fácil porque a mesma exige que saibamos conviver com obstáculos e restrições, uma vez que estes encontros são constantes em nossas vidas. Em contra partida, este encontro com obstáculos compreendidos como existenciais têm sua função positiva, já que, ao mesmo tempo, e com êxito, nos tornamos melhores e existencialmente felizes, mesmo que, de acordo com o autor, em determinado momento e em um só lugar.

Este paradoxo, originalmente humano, permite que nós, “seres racionais” reflitamos sobre o fluxo de nossa existência imediata, a partir de nossas experiências, nos permitindo sermos, e nos sentirmos, tranquilos e instáveis, contentes e contrariados, conformados ou inconformados, o que seria “ser” livre em seus sentimentos e ações, uma vez que também amamos e odiamos.

‘‘Finalmente, somos vivos, mas, também mortais. Vivemos e morremos, de certo modo simultaneamente, pois, a cada dia que passa, nossa existência tanto vai se ampliando quanto vai se tornando mais curta. No decorrer do nosso existir caminhamos, a cada dia, para viver mais plenamente, assim como para  morrer mais proximamente.’’  (Forghieri, p. 18.).           

Forghieri, também sinaliza para o tempo indeterminado da vida do “ser”, quando diz: “No decorrer do nosso existir caminhamos..., para viver mais plenamente, assim como para morrer mais proximamente.”, fazendo uma aproximação intrigante entre o viver plenamente e o morrer mais proximamente.

De acordo com Boss, 1976, p 14.

“A essência fundamental do homem sadio caracteriza-se, precisamente, pelo seu poder dispor, livremente, do conjunto de possibilidades de relação que lhe foi dado manter com o que se lhe apresenta na abertura livre do seu mundo” (Boss, 1976, p14.).  

Boss, (1976), traz, também, a sua versão sobre essa relação oposta ao “morrer mais proximamente”, sinalizando para o homem sadio e sua essência fundamental, atribuindo a esta essência sadia do homem a relação com o seu “dispor-se à”. Logo, ser sadio existencialmente tanto está relacionado com “se abrir às próprias possibilidades” como se dispor em aceitar e enfrentar todos os paradoxos e restrições a que estamos sujeitos em nossa vivencia no mundo.

“O ser-doente só pode ser compreendido a partir do modo de ser-sadio e da constituição fundamental do homem saudável, não perturbado, pois todo modo de ser-doente representa um aspecto privativo de determinado modo de ser-são” (Boss, idem, p.14).

Para Boss, (1976), a compreensão e o entendimento em relação ao homem doente só são possíveis se compreendermos que estes se dão pela maneira como compreendemos o “ser-sadio”. Só assim, teríamos um melhor entendimento de seu oposto, “ser-doente”.

Em nossas vidas, estamos diariamente, mesmo que por pouco tempo, em contato com pessoas que não conseguem reconhecer, nem aceitar, sua insegurança, medo e limitações paradoxais da sua própria existências, o que lhes faz sentir-se confusas, as vezes desanimadas, alheias ou inconformadas com esses paradoxos. Em outros momentos, contatamos-nos com pessoas que se sentem ameaçadas quando confrontadas com possíveis riscos a sua vida e tentam a qualquer custo esquivar-se, passando a viver restritamente, diminuindo seus potenciais de redescoberta e compreensão de si mesmos e do mundo, encontrando-se existencialmente doentes.Para Boss, (1975):

"A essência de todos os sofrimentos humanos fundamenta-se no fato de que a pessoa perdeu essa capacidade de se abrir e de se decidir livremente acerca de suas possibilidades de comportamento normal... Os métodos psicoterapêuticos têm por objetivo devolver à pessoa, na medida do possível, a livre disposição de suas possibilidades existenciais de comportamento que respondem aos dados do mundo." (Boss, 1975, p. 24.).

Mais uma vez, Boss sinalizada para a perda da capacidade de se abrir e decidir sobre possibilidades do “ser” e “viver”. O que remete a importância da presença do terapeuta, porque pode promover a recuperação destas pessoas enfermas, pelo envolvimento e sintonia com outro. Uma vez que este outro, seja quem for, sempre esteve presente em nossas vidas, no envolvendo e nos ensinando a andar por um mundo que não é só nosso.

Referências

CARDELLA, B. H. P. A Construção do Psicoterapeuta – uma abordagem gestáltica. São Paulo: Summus, 2002.

FORGHIERI, Yolanda Cintrão. Psicologia fenomenológica. Fundamentos, método e pesquisa. São Paulo: Pioneira, 1993. p. 51.

Forghieri, Y.C. (1984,p.18) Fenomenologia e Psicologia. São Paulo: Cortez.

Forghieri, Y.C. (1993b) O ideal de bem-estar e saúde existencial: contribuição da contrariedade e angústia para a sua conquista. Lisboa. Actas do 8º World Congress of Sport Psychology, 545-550.

Boss, M. (1976) As descobertas daseisanalíticas. Revista Daseinsanalyse, s/n, 14 -22.

Boss, M. (1975) A Medicina Psicossomática e o princípio de causalidade. Hexágono, 2( 1), 10-24.