CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS ACERCA DO ABORTO

Por Luana Domingues Campos | 20/08/2009 | Direito

INTRODUÇÃO

Etimologicamente a palavra aborto significa privação de nascimento (ab: privação e ortus: nascimento). Para o Direito Penal e do ponto de vista médico-legal, o aborto é a interrupção do processo de gravidez com a destruição do produto da concepção, não implicando necessariamente sua expulsão.O aborto pode ser classificado como espontâneo ou natural, acidental, criminal, terapêutico, humanitário, estético, eugênico e social.

O CP brasileiro não definiu o aborto, e admite apenas duas formas de aborto legal: o aborto necessário, previsto no art. 128, I, e o aborto sentimental ou humanitário, através do art. 128, II. Este mesmo Código prevê de forma delituosa o auto-aborto, o aborto consentido e aborto não consentido.

O aborto é praticado em grande escala no Brasil e no mundo, principalmente abortos ilegais em consultórios clandestinos e em péssimas condições, o que coloca em risco a vida da gestante. Sendo assim, a prática do aborto, fora dos casos permitidos em lei constitui infração penal e deve ser punida.

1CONSIDERAÇÃOES HISTÓRICAS SOBRE O ABORTO

No decorrer da história há várias regras pertinentes ao aborto, em diferentes épocas, alguns condenando e outros admitindo em determinadas situações.

O Código de Hammurabi, a.C.,[1]já considerava o aborto como crime contra os interesses dopai e do marido, e também uma lesão contra a mulher.

No livro Êxodo da lei hebraica uma passagem diz que se um homem em uma briga espancar uma mulher grávida provocando-lhe um parto prematuro, será punido conforme o que seu marido e o árbitro social impuser.

A Lei de Mileto condenava a pena de morte a mulher que abortasse sem o consentimento do marido, pois somente os pais tinham o direito sobre a vida e a morte dos filhos.

Hipócrates aconselhava às parteiras métodos anticoncepcionais e até mesmo o aborto, apesar de ter prometido não dar à mulher grávida nenhum medicamento abortivo.

Sócrates em seu escrito "A República" propunha que as mulheres com mais de quarenta anos abortassem obrigatoriamente, além de aconselhar o aborto como meio de controle populacional.

Aristóteles também atentava pelo fato de o aborto ser eficaz contra o excesso de população, porém que fosse realizado antes da "animação" do feto, segundo a classificação foetus inanumatus e foetus animatus. Esse assim era considerado após sessenta dias de "vida", contados a partir da concepção.

O início da incriminação do aborto se deu através da Lex Corneliae,[2]cerca do ano 20 d.C, no reinado do imperador Septimius Severus e de seu filho Caracala. Punia-se a conduta pela frustração da esperança do pai pela sua descendência, as penas eram em geral severas, quando praticadas por terceiros, mais brandas nos casos em que a mãe tivesse cometido o aborto, e pena capital quando havia propósito de lucro.

O cristianismo foi que introduziu no conceito de aborto a idéia de morte de um ser humano, equivalente ao homicídio, e por isso passou a ser punido como tal. Quem cometesse o aborto seria excomungado.

Outros grandes nomes da história condenavam o aborto, entre eles: Clemente de Alexandria, Antenágoras, Tertuliano, Ovídio, etc.

No século XVIII a grande maioria das legislações equiparava o aborto ao homicídio. Atualmente está em grande discussão a prática do aborto, com países que permitem a prática e outros que a condena.

2 ESPÉCIES DE ABORTO

São aqueles em que a legislação penal vigente permite que seja praticado nas situações do seu art. 128, quando ocorrem circunstâncias que tornam lícita a prática do fato. São excludentes da criminalidade, embora a redação do dispositivo pareça indicar causas de ausência de culpabilidade ou punibilidade.

2.1 Aborto necessário

Previsto no art. 128, I do CP, o aborto necessário ou terapêutico caracteriza caso de estado de necessidade, são aqueles casos em que o médico por não ter outro meio e salvar a vida da gestante pratica o aborto. Tão só a certeza de que o desenvolvimento da gravidez poderá provocar a morte da gestante é motivo para o aborto, não sendo necessário que o perigo seja atual.

Convém destacar que não é levada em consideração o consentimento do paciente, cabe ao médico decidir sobre a necessidade do aborto visando proteger o bem jurídico mais importante que é a vida da mãe em prejuízo do bem menor, que é a vida intre-uterina.

A Encíclica Casti Connubii proíbe o sacrifício da mãe ou do filho, pois nega o estado de necessidade nessa emergência. A Igreja dizia que os médicos devem se esforçar para defender e conservar ambas as vidas, tornando-se indignos do nobre título e da glória de médicos os que pusessem em perigo de morte a mãe ou o filho.

São vários os Códigos que admitem expressamente o aborto necessário: os Códigos da Suíça, México, Costa Rica, Cuba, Peru, Equador, Venezuela, Paraguai, Uruguai, Argentina, Canadá, Inglaterra, França e Itália.[3]

O art. 128 do CP menciona que não se pune o aborto praticado pelo médico, porém pode ocorrer que outra pessoa que não o médico pratique o aborto devido a atual risco de vida para a mulher, alegando estado de necessidade, nos termos do art. 24 do CP.

2.2Aborto sentimental

O inciso II do art. 128 do CP autoriza a realização do aborto sentimental, ou ético, ou humanitário,[4] que permite o aborto de gestação decorrente de estupro. Entende-se que há também estado de necessidade ou causa de não-exigibilidade de outra conduta. Tem como justificativa o fato de que a gestação foi decorrente de um coito violento, não desejado, ficando desobrigada de cuidar do filho. Não se pode impor a gestante que crie um filho que não foi gerado pelo amor, que irá faze-la relembrar de momentos de pavor que viveu. Além de que o filho pode apresentar problemas ligados à hereditariedade do autor do estupro.

São requisitos do inc. II do art. 128 do CP: fecundação decorrente de estupro; consentimento prévio da gestante; consentimento de seu representante caso seja incapaz.

Para que o médico realize o aborto basta que se submeta ao Código de Ética Médica, admitindo como prova elementos sérios a respeito da ocorrência do estupro, não há necessidade de autorização judicial.

Caso não tenha havido o estupro, apesar dos indícios de que tenha ocorrido, o médico é isentado de culpa pela sua boa-fé, respondendo a mulher pelo delito do art. 124, segunda parte do CP.[5]

Diversos Códigos admitem o aborto sentimental: o da Polônia, Uruguai, Equador, Cuba, Argentina e outros.

2.3Auto-aborto

Trata-se o auto-aborto de crime especial, só a gestante pode praticá-lo, está previsto no art. 124 em sua primeira parte. Na segunda parte do artigo está o aborto consentido, a gestante é incriminada por consentir que outrem lhe provoque o aborto. Assim, a gestante pratica o delito tipificado no art. 124 e quem provocou o aborto o crime previsto no art. 126, em que a pena é mais severa.

Se o sujeito aconselha a gestante intervindo na conduta do seu consentimento deve responder como partícipe do crime do art. 124.

2.4Aborto provocado por terceiro

Previsto no art. 125 do CP o aborto provocado por terceiro tem pena mais grave, pois provoca o aborto sem o consentimento da gestante, que é vítima do crime. Nos casos de o autor desse crime empregar força, ameaça ou fraude, desde que seja no ato do aborto responderá pelo art. 125 e não pelo art. 126 do CP, que é quando usando dos meios supra citados objetivam obter o consentimento da gestante.

Presume-se o não consentimento da menor de 14 anos, por seu desenvolvimento mental incompleto, da alienada e da débil mental.

2.5Aborto consensual

Estipulado no art. 126 do CP, é a provocação do aborto com o consentimento da gestante, esta responderá pelo crime previsto no art. 124 e quem praticou o aborto será punido pelo crime do art. 126 do CP, sob pena mais severa.

O consentimento deve existir desde o início da conduta até a consumação do crime. Caso a gestante revogue seu consentimento durante a execução do crime o agente responde pelo art. 125 do CP.

Havendo erro do agente que acredita que há consentimento da gestante quando na verdade na há, é erro de tipo, portanto será responsabilizado pelo art. 126 do CP.[6]

2.6Aborto qualificado

As formas qualificadas de aborto estão previstas no art. 127 do CP. São formas qualificadas pelo resultado: aumento de um terço das penas cominadas nos artigos anteriores em decorrência do aborto ou dos meios empregados para provoca-lo gere lesão corporal de natureza grave na gestante; e duplicadas caso a gestante venha a falecer.

Tanto a lesão grave como a morte não devem ter sido desejada pelo agente, pois nesses casos responderá, em concurso com o aborto, por crimes de lesões corporais ou homicídio. O art. 127 refere-se ao crime preterdoloso há dolo quanto ao aborto e culpa quanto à morte ou lesão corporal.

O agente responderá por tentativa de aborto qualificado quando não se consumar a morte do feto, visto que a redação do art. 127 contempla não só o aborto, mas os meios empregados para provocá-lo.

As formas qualificadas são aplicadas apenas aos autores dos crimes previstos nos arts. 125 e 126, excluída a gestante.

Havendo lesão grave necessária para o aborto não ocorre a qualificadora, por ser conseqüência normal do fato.

CONCLUSÃO

O aborto é um tema de extrema complexidade e controvérsia, a possibilidade de ser feito de maneira legal e a possibilidade de crime com penas que oscilam de acordo com a circunstância levam as civilizações ao longo dos tempos a refletirem sobre o tema.

Atualmente está sendo discutido um projeto para modificação da lei penal em relação ao aborto, porém é claro que constitui crime, e deve ser punido, até porque fere o princípio da nossa Carta Maior do direito a vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 152 p.

BRASIL. Código penal; Código de processo penal; Constituição federal. São Paulo: Saraiva, 2007.

BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 5. ed., Rio de Janeiro: Rio, 1976.

MIRABETE, Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Atlas, 2001, v. 2.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 30. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2.

PRADO, Danda. O que é aborto. Rio de Janeiro: Abril Cultural/ Brasiliense, 1985.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 65.


[1] PRADO, Danda. O que é aborto. Rio de Janeiro: Abril Cultural/ Brasiliense, 1985, p. 42-43 (Coleção Primeiros Passos).

[2] BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 5. ed. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 156.

[3] BELO, Warley Rodrigues. Aborto. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 152 p.

[4] MIRABETE, Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal. 17. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Atlas, 2001, v. 2.

[5] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 30. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2.

[6] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 65.