Considerações gerais acerca do fenômeno violência

Por | 09/09/2010 | Educação

Anderson Leão

1. INTRODUÇÃO

Um dos fenômenos que, de certo modo, ocorre com freqüência e, ao mesmo tempo é amplamente discutido em todos os grupos sociais é a "violência". Prova clara e concreta dessa inferência são os meios de comunicação em massa que, dia após dia, divulgam acontecimentos chocantes, marcas de uma triste e confusa realidade na qual os seres humanos estão inseridos. Entretanto, mesmo com essa realidade como pano de fundo, um fato, já apontado por Hannah Arendt, não pode ser negligenciado, parecendo, de acordo com a autora, algo "surpreendente a violência tão raramente ter sido objeto de consideração" (ARENDT, 2004, p. 7). Tendo como ponto de partida essa constatação arendtiana, buscaremos, no presente texto, estabelecer, ainda que de modo limitado, um conceito geral para "violência", mais precisamente no âmbito escolar, apoiando-nos, nesse aspecto, na obra Da Violência, de Hannah Arendt e em outros artigos voltados para o assunto.
É de grande interesse ressaltar que, de um modo muito geral, o senso comum identifica violência com agressões de ordem física e verbal. Todavia, ainda que válida esta identificação, compreendemos que, de certo modo, ela é limitada e deixa de lado importantes aspectos do conceito. Para verdadeiramente entendermos a violência é, sem dúvidas, imperativo, buscar e compreender as suas origens, suas manifestações e suas dinâmicas. Diante disso, comprova-se a deficiência da definição comum que mostra a manifestação do fenômeno e ignora a sua causa e a sua correta compreensão.







2. HANNAH ARENDT : A VIOLÊNCIA E O PODER

Como uma grande teórica do Estado, Arendt, no livro Da Violência, publicado inicialmente em 1969, traça de modo magistral, as suas considerações entre o poder e a violência. Um aspecto interessante que deve ser ressaltado é a válida e conhecida inferência de que nenhuma reflexão literária e, especialmente filosófica, é anacrônica. Desse modo, toda obra possui um contexto em que está inserida, contexto que exerce reflexos e influências em todo o seu conjunto produtivo. Qual é então o contexto em que Arendt escreve, em 1969? Basicamente, um período marcado pela violência e pelo medo, onde rebeliões estudantis e conflitos de ordem racial faziam-se freqüentes, período em que o receio de uma guerra nuclear iminente era uma das grandes agonias do ser humano. É este o mundo em que a autora viveu e produziu a sua obra, um mundo que lhe gerou preocupações e questionamentos, refletidos em todo o seu pensamento.
Ao buscar, de fato, estabelecer uma relação entre os conceitos de poder e violência, Arendt tenta, na verdade, corrigir toda uma tradição reflexiva, anterior e contemporânea a ela, que acabava por equiparar os dois fenômenos, colocando-os desse modo em um tripé de igualdade onde, a violência não seria nada mais do que a manifestação do poder. Postulando que a violência não emerge do poder, a autora acaba por classificá-los como fenômenos distintos e incompatíveis entre si. Desse modo, onde existe a violência não existe o poder e, vice-versa. Sendo opostos, um jamais poderá originar-se do outro, ou, nas palavras de Arendt "a violência não pode originar-se de seu oposto" (ARENDT, 2004, p. 36).
Estabelecido essa distinção entre os conceitos, Arendt encontra como relação entre eles o fato de que a impotência pode gerar violência e esta é, sem dúvidas, a substituta imediata do poder. Onde cessa o poder, a primeira medida é substituí-lo.

Diz-se freqüentemente que a impotência gera violência, o que psicologicamente é verdadeiro, pelo menos quanto às pessoas possuidoras de vigor natural, moral ou fisicamente. Politicamente falando, a questão é que a perda do poder torna-se uma tentação em substituir a violência pelo poder [...] e que a violência por si própria resulta em impotência (ARENDT, 2004, p.34).

Desse modo, deparamo-nos com outros três conceitos fundamentais que a autora elucida, a saber: vigor, força e autoridade. Vejamos:

Vigor , designa inequivocamente alguma coisa no singular, uma entidade individual; trata-se de uma qualidade inerente a um objeto ou pessoa e que pertence ao seu caráter, a qual pode manifestar-se em relação a outras coisas ou pessoas, mas que é essencialmente independente deles. O vigor do indivíduo mais forte pode sempre ser subjugado por aqueles em maior número, que freqüentemente se unem para aniquilar o vigor por causa de sua independência característica. [...] A força, que usamos freqüentemente no linguajar diário como sinônimo de violência, especialmente quando a violência é usada como meio de coerção, deveria ser reservada, na linguagem terminológica, para designar as "forças da natureza" ou "as forças das circunstâncias", isto é, para indicar a energia liberada através de movimentos físicos ou sociais. A autoridade, relativa ao mais indefinido desses fenômenos e, portanto como termo, objeto de freqüente abuso, pode ser aplicado às pessoas, como por exemplo na relação entre pai e filho, entre professor e aluno, ou pode ser aplicado a cargos [...]. A sua característica é o reconhecimento sem discussões por aqueles que são solicitados a obedecer; nem coerção e nem persuasão são necessárias [...] (ARENDT, 2004, p.28).

Todos esses conceitos e, mais precisamente o conceito de poder, diferem do conceito de violência. Entretanto, onde se encontra efetivamente tal distinção? Basicamente, nas palavras da autora, "a violência distingue-se por seu caráter instrumental. Do ponto de vista fenomenológico, está ela próxima do vigor [...]" (ARENDT, 2004, p.28), na medida em que seus instrumentos prestam-se à multiplicação ou aumento deste. Mas, mesmo existindo essa ligação, mais uma vez reiteramos que todos os conceitos são distintos, ficando provado, desse modo que a violência não pode originar-se do poder. Tendo tudo isso elucidado e levado em consideração, Arendt infere que "toda diminuição de poder é um convite à violência" (ARENDT, 2004, p.56).

3. OUTRAS REFLEXÕES

Ante o texto desenvolvido até o presente momento, outras considerações, de nossa parte, fazem-se necessárias, especialmente no que diz respeito à origem e práticas da violência. Para tal, apresentamos a seguinte citação:

A origem da violência tem sido estudada por muitos sociólogos e historiadores, que vêem na escassez de bens a fonte maior de conflitos entre os homens. Para estudiosos, entre os quais estão Hobbes, Rousseau, Marx e Engels, a origem dos conflitos e da violência remonta às organizações humanas mais primitivas (COSTA apud SILVA, sd, p. 2).

Um fator interessante a ser observado é que, se adotamos como verdadeira a presente afirmação, podemos concluir que a violência é algo que se manifesta somente entre os seres humanos. Outro fator, peculiarmente difundido e aceito entre os estudiosos é que, de fato, a violência tem sua origem no início da vida sedentária, com a queda do nomadismo e o advento da agricultura, da propriedade privada e dos grupos sociais. O fato de o ser humano passar a viver em grupo e, posteriormente, demarcar um espaço de terra como sua propriedade, altera significamente o relacionamento existente. A propriedade deve ser defendida de invasores e, no meio social, o acesso à política e à administração assume perspectiva primordial na vida do homem organizado socialmente. Diante desses fatos, os comportamentos agressivos e violentos passam a ser legitimados.

4. ESCOLA E VIOLÊNCIA: BREVES CONSIDERAÇÕES

Como o intuito da presente pesquisa é abordar justamente o fenômeno bullyng, uma das violências que ocorrem entre os pares no ambiente escolar, antes de passarmos para esse assunto específico, acha-se oportuno refletir, de um modo breve, a questão da violência na escola, em aspecto geral.
Sem dúvida, a sociedade vive um intenso e profundo período de crise e questionamento de todas as instituições sociais. A realidade constatada é uma realidade de dinâmicas e facetas violentas onde a escola, inevitavelmente inserida nessa realidade, não deixa de passar por questionamentos e de refletir essas dinâmicas. Diante dessa constatação surge a seguinte questão: de que modo isso é manifesto? O dia a dia escolar é, sem o menor revés, marcado por situações de depredação, conflitos internos entre alunos e professores, brigas, agressões de ordem física, moral e psicológica. São essas as situações que trazem à tona os aspectos violentos da instituição que tem por obrigação moral continuar o processo de inserção do indivíduo na sociedade e, desse modo, formar cidadãos coerentes. Entretanto, como isso não acontece, a escola acaba por reproduzir em seus limites aquilo que acontece fora, como é comprovado:

A violência entre alunos constrói-se e torno de duas lógicas complementares: de um lado, encenação ritual e lúdida de uma violência verbal e física; de outro, engajamento pessoal em relações de força, vazias de qualquer conteúdo preciso, exceto o de fundar uma percepção do mundo justamente em termos de relações de força. Nos dois casos, o que está em jogo são a reprodução e auto-reprodução de uma cultura de violência (PERALVA apud SILVA, sd, p.3).

Atualmente, os estudiosos da educação estão interessados em, de fato, pesquisar sobre o tema. Nesse sentido, como uma definição profunda e oportuna do conceito de violência, destacamos as seguintes:

Violência é o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Agressões físicas, brigas, conflitos podem ser expressões de agressividade humana, mas não necessariamente expressões de violência. Na violência a ação é traduzida como violenta pela vítima, pelo agente ou pelo observador. A violência ocorre quando há desejo de destruição (SACAVINO apud SILVA, sd, p. 5),

"Neste sentido, a marca constitutiva da violência seria à tendência a destruição do outro, ao desrespeito e à negação do outro, podendo a ação situar-se no plano físico, psicológico ou ético" (SILVA, sd, p. 5) sendo, deste modo, "toda e qualquer ação que utiliza o outro apenas como meio e não como fim em si mesmo" (DE LA TAILE apud ZANDONATO, 2004).
Estabelecido essa digressão, passemos a segunda parte de nosso texto onde buscaremos, à luz dos presentes conceitos de violência, elucidar o termo bullyng.





REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah. Da Violência. Digitalização no ano de 2004 do texto publicado originalmente entre 1969 e 1970. Tradução de Maria Cláudia Drummond. Disponível em <http://www.4shared.com/get/17504/586ee85d/Hannah_Arendt_-_Da_Violencia.html.> Acessado em 07/04/2010.

SEREJO, Lincoln Sales. Poder e Violência. Revista em Foco em Educação e Filosofia. ISSN, volume 1, sd. Pgs. 19 28. Disponível em < http://www.google.com.br/url?sa=t&source=web&cd=7&ved=0CC0QFjAG&url=http%3A%2F%2Fwww.educacaoefilosofia.uema.br%2Fv1%2F3.doc&rct=j&q=Hannah%20Arendt%20Da%20Violencia&ei=5mFhTNaNEcumuAfX0Mz-CA&usg=AFQjCNEgaMKMivBN4nAp0lbC-5QQNhbEtw>.
Acessado em 02/08/2010.

SILVA, M. G; SILVA, J et SOARES, G.M. Violência Escolar: Implicações no processo ensino-aprendizagem. Piauí: sd. Disponível em <http://www.ufpi.br/mesteduc/eventos/ivencontro/GT7/violencia_escolar.pdf>
Acesso em 30/06/2010.

ZANDONATO, Zilda Lopes. Indisciplina Escolar e a relação professor-aluno, uma análise sobre as perspectivas moral e institucional. Tese para a obtenção de título de mestre em Educação. UNESP, Presidente Prudente, 2004. Disponível em <http://www4.fct.unesp.br/pos/educacao/teses/zilda.pdf>
Acesso em 10/05/2010.