CONSEQUÊNCIAS DA DISLEXIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E SEUS TRATAMENTOS
Por Antonia Cleojane de Araújo | 21/01/2015 | EducaçãoCONSEQUÊNCIAS DA DISLEXIA PARA O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA E SEUS TRATAMENTOS
Antonia Cleojane de Araújo[1]
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais consequências da dislexia para o desenvolvimento da leitura, mostrando como pais e professores devem atuar para ajudar uma criança disléxica a torna-se uma boa leitora. O artigo baseia-se em pesquisas científicas recentes e apresenta formas de identificar e suplantar os problemas de leitura.
PALAVRAS-CHAVE: Dislexia. Leitura. Consequências. Tratamentos.
ABSTRAT: This work aims to present the main outcomes of dyslexia to the development of reading, showing how parents and teachers should act to help a dyslexic child to become a good reader. This article is based on recent scientific research and presents ways to identify and overcome the reading problems.
KEYWORDS: Dyslexia. Reading. Consequences. Treatments.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por princípio mostrar os principais problemas que a dislexia causa em crianças que estão em processo de desenvolvimento da leitura, destacando como pais e professores podem identificá-los. Em seguida, apresenta que atitudes devem ser tomadas ao se detectar o problema, possibilitando que a criança disléxica possa, no futuro, dominar o sistema linguístico e tornar-se um bom leitor.
Sabendo-se que a dislexia é um problema na linguagem expressiva, e não no pensamento, o presente artigo baseia-se em pesquisas recentes, utilizando o conceito de uma das principais especialistas mundiais em leitura e dislexia, Sally Shaywitz (2005, p.87), que a este respeito, afirma: “[...] a dislexia apresenta uma área de pesquisa muito ativa[...], estão sendo realizadas novas descobertas. [...] Com isso, o modo de detectar e diagnosticar a dislexia deve seguir essas novas descobertas.” Ou seja, se as descobertas estão avançando, é necessário que o diagnóstico da dislexia esteja de acordo com esse novo conhecimento.
Geralmente as pesquisas realizadas acerca da dislexia não apontam estratégias que auxiliem pais e professores a agirem diante de crianças disléxicas, isso devido serem pesquisas voltadas mais para o problema em si do que para as soluções. Buscando evidenciar essa realidade, este artigo faz um paralelo entre as consequências e os possíveis tratamentos, mostrando que pessoas disléxicas podem desenvolver perfeitamente a leitura e se transformarem em grandes profissionais.
SINAIS DE DISLEXIA NA FALA
A dislexia, segundo Dubois (1993, p.197) “é um defeito de aprendizagem da leitura caracterizado por dificuldades na correspondência entre símbolos e gráficos, às vezes mal reconhecidos, e fonemas, muitas vezes, mal identificados.” Mesmo sabendo que a dislexia manifesta-se mais visivelmente durante o processo de aprendizagem da leitura, muito antes da criança chegar a esse processo já é possível identificar os primeiros indícios desse problema.
O primeiro sinal indicativo da dislexia pode ser um atraso na fala. Geralmente as crianças dizem suas primeiras palavras por volta de 1 ano e suas primeiras frases por volta de 1 ano e 6 meses a 2 anos. As crianças disléxicas só começam a pronunciar suas primeiras palavras depois de 1 ano e 3 meses e suas frases depois de 2 anos. Para os pais, o atraso na fala pode ser algo insignificante, muitos atribuem o acontecimento a um histórico familiar, afirmando que seus parentes começaram a falar tardiamente. Um atraso na fala sempre é sinal de alerta, pois isso pode significar que a capacidade fonológica da criança não está se desenvolvendo como deveria, além disso, pode ser um sinal precoce de um futuro problema de leitura.
Outro sinal pode ser apresentado quando a criança começa a falar: as dificuldades na pronúncia. Por volta dos 5 anos, a criança deve pronunciar a maioria das palavras corretamente. Quando a mesma pronuncia uma nova palavra ou palavras longas e apresenta problemas relativos à articulação, tais como: fonemas se atropelando quando saem da boca, ausência dos sons iniciais ou inversão dos sons internos de uma palavra, pode ser um sinal importante de dislexia, pois é um problema no aparelho articulatório que compromete a linguagem verbal e, interfere posteriormente no processo de leitura.
Ao ingressarem na pré-escola as crianças apresentam sinais de dislexia mais perceptíveis, por ser nesta fase que ocorre a preparação para a aprendizagem da leitura. Uma das primeiras atividades desenvolvidas na pré-escola é a aquisição das rimas. Esta atividade é explorada com objetivo de fazer com que a criança perceba que as palavras podem ser divididas em segmentos menores de som e que palavras diferentes podem compartilhar um som comum. Nesta fase a criança desenvolve uma sensibilidade quanto a distinção dos sons. Sally Shaywitz (2005, p. 84) afirma: “essa sensibilidade é um indicador muito precoce de estar pronto para a leitura. A familiaridade das crianças com rimas acaba sendo um forte indicativo do sucesso na leitura”. Por outro lado, crianças disléxicas têm problemas quando tentam compreender a estrutura sonora das palavras, como consequência, são menos sensíveis à rima. Por este motivo elas não são capazes de dizerem as rimas mais comuns. Ou seja, enquanto as outras crianças exploram as rimas mergulhando em sua estrutura sonora, as crianças disléxicas talvez não consigam demonstrar que ao menos as ouvem. Segundo Shaywitz (2005, p. 84): “isto acontece porque estas crianças não conseguem concentrar-se em apenas uma parte da palavra”.
À medida que as crianças crescem, as dificuldades tendem a aumentar, geralmente suas falas são vagas, usam termos incorretos para dizer algo e utilizam termos como “coisas” ou “negócios” em vez do nome verdadeiro do objeto. Vale lembrar que a criança sabe exatamente o que quer dizer, a dificuldade está em buscar a palavra certa. É a necessidade de produzir uma palavra necessária que é problemática para a criança disléxica.
Ao entrar na vida adulta os problemas continuam se manifestando e, de forma mais intensa, pois o disléxico sofre com a pressão que lhe é imposta pelo meio, ou seja, a demanda por respostas imediatas que gera ansiedade e interfere ainda mais na busca por palavras. Nesta fase é comum a fala ser cheia de hesitações, muitas pausas longas e uso de palavras indiretas no lugar da palavra correta.
Ainda na pré-escola a criança apresenta um sinal fundamental para se detectar a dislexia. Sally Shaywitz afirma:
Neste período, os fonemas indistintos interferem na capacidade de o leitor iniciante aprender os nomes e os sons das letras do alfabeto. Espera-se que a criança conecte as letras aos nomes que damos a elas e a seus sons. Isso é o início da leitura, fator indispensável para que a criança leia (SHAYWITZ, 2005, p. 86).
Caso contrário, é um forte sinal de que a criança talvez tenha um problema de leitura.
SINAIS DE DISLEXIA NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LEITURA
Quando as crianças começam a ler (estágio logográfico), elas não usam o conhecimento dos nomes das letras ou dos sons das letras para “leem” uma palavra. Para realizarem a “leitura” apoiam-se em sinais familiares, como “pare” ou “coca-cola”. Essas crianças não prestam atenção à própria palavra, mas, memorizam algum sinal visual a ela relacionado, dependendo deste para memorizar e depois conhecer a palavra. Mas, depender somente da memorização não será o suficiente para progredir na leitura. Elas terão de aprender como funciona o código alfabético. Segundo Sally Shaywtz (2005, p. 89): “Para ler eficazmente, a criança precisa prestar atenção a todas as letras de uma palavra, a fim de conectá-las aos sons que ouve quando esta é pronunciada e, assim, decodificá-la”.
À medida que avançam no aprendizado da leitura, as crianças dependem cada vez mais das tentativas de relacionarem as letras aos sons que ouvem. Shaywitz afirma:
[...] a transição para a situação de boa leitura requer que a criança concentre sua atenção nos detalhes internos das palavras, nas letras específicas que as compõem e nos sons que elas representam (SHAYWITZ, 2005, p.90).
A etapa seguinte no processo de leitura é o armazenamento do vocabulário; ou seja, a criança passa do estoque de imagens de letras ao armazenamento de palavras. O melhor meio de criar um vasto repertório de palavras é através da leitura. Quando já estiver com o repertório bem rico, tudo o que a criança precisa é olhar para a palavra impressa e relacioná-la à palavra estocada em seu cérebro.
Infelizmente em crianças disléxicas as etapas para se tornarem leitores fluentes não acontecem com tanta facilidade. Primeiro porque nessas crianças o processo de aprendizagem de leitura é extremamente lento. As dificuldades em relacionar as letras aos sons interferem na aprendizagem da leitura. Ao longo do tempo, quando o disléxico começa a ler, começa também a construir seu próprio estoque de letras e de palavras. Infelizmente, o leitor disléxico relaciona poucas letras de uma palavra a seus sons. Como consequência, o armazenamento dessa palavra é incompleto. Mais tarde, quando o disléxico se deparar com essa mesma palavra, talvez ache difícil localizar onde está armazenado o som que a ela corresponde. Para que tenha uma representação clara de uma palavra impressa, precisa estar em contato com ela durante um período de tempo muito mais longo e em muitos casos a representação armazenada continua a ser imperfeita, o que impede o acesso imediato as palavras.
Como consequências desses modelos sonoros imperfeitos, os leitores disléxicos dependem do contexto para o obter o significado de uma palavra e acabam se limitando a essa situação. O fato de o disléxico chegar ao significado sem ter decodificado inteiramente a palavra o leva a não ter uma representação fiel dela em sua memória. Quando se deparar com a palavra novamente terá de passar pelo mesmo exercício de usar o contexto para chegar ao significado. Essa dependência do contexto gera outro problema, a dificuldade do disléxico ao ler palavras curtas, como: em, sobre, que, aquele, o(s), a(s), dentre outras. Sally Shaywitz afirma:
Pelo fato de os leitores disléxicos dependerem muito do contexto, é difícil para eles entenderem a função gramatical de uma palavra funcional, cujo significado não pode ser inferido no contexto (SHAYWITZ, 2005, p.95).
As palavras funcionais são tão neutras que é difícil para a criança disléxica encontrar algum significado que a ajude a fixá-las e lembrar delas.
Algo interessante é que crianças com graves problemas de dislexia podem aprender a ler não apenas decodificando palavras isoladas, mas, compreendendo o que leem. Isso acontece quando elas são atraídas por algum assunto, seja ciência, futebol ou qualquer outro. Daí vem a importância do material de leitura ser interessante e significativo. Dependendo do material, o leitor pode achar o conteúdo tão interessante que ao invés de o repelir passa a ser atraído por ele.
COMO IDENTIFICAR A DISLEXIA
Nos tópicos anteriores vimos os principais problemas que a dislexia causa ao processo de aquisição da leitura. Agora, com base no estudo realizado por Sally Shaywitz (2005), veremos o que pode ser feito para amenizar as consequências desse problema, ajudando os disléxicos a se tornarem leitores fluentes.
A primeira atitude que pais e professores devem ter, é o acompanhamento, em princípio da fala e posteriormente da leitura. Através da observação fica fácil detectar os primeiros sinais da dislexia e quanto mais cedo eles forem detectados melhores serão os resultados. A partir do momento que a criança ingressa na pré-escola os sinais de dislexia tornam-se mais visíveis, por isso essa fase é a ideal para realizar as observações.
É interessante ler com o disléxico, escutar com cuidado quando ele inicia uma leitura, observar se ele relacionada as letras aos sons e se articula os fonemas com perfeição. À medida que o ano passa, observe se a criança presta atenção aos componentes internos das palavras, se consegue penetrar na estrutura das mesmas e decodificá-las, veja se já possui um vocabulário rico. Preste atenção ao ritmo da leitura, dependendo da série, a criança deve ler a maior parte das palavras fluentemente, veja se a criança entrecorta, omite ou substitui palavras, isso é indício importante de que a criança não está no caminho certo para se tornar um bom leitor.
Além dos problemas de leitura a ortografia deficiente também é um sinal de dislexia. Segundo Sally Shaywitz:
À medida que uma criança disléxica avança na escola, as dificuldades com a ortografia persistem. Na verdade, erros de ortografia podem persistir muito além do momento em que uma criança disléxica tenha aprendido a decodificar corretamente a maioria das palavras. A análise dos erros ortográficos revela com frequência omissões de blocos inteiros de sons ou confusão na ordenação dos sons (SHAYWITZ, 2005, p. 97).
Com isso, percebe-se que os manuscritos ajudam a identificar a dislexia. Geralmente crianças disléxicas tem uma letra terrível, isso reflete o problema que a criança tem para compreender os sons que compõem uma palavra.
Outro passo importante é observar as dificuldades que um leitor disléxico tem para dominar a fonologia de uma língua estrangeira. Sofrem quando tentam aprender outra língua. Se para o disléxico é difícil dominar o código fonético de sua língua materna, imagine sua aflição ao tentar dominar o código fonético de uma L2.
Há mais um indicativo de dislexia: o fato de que eles dizem sentir dor.
A dislexia lhes inflige dor. Representa uma grande agressão à autoestima. Nas crianças [...] isso pode se expressar em relutância de ir à escola, mau-humor ou expressões como “sou burro”. Os adolescentes [...] ficam envergonhados e trabalham mais para esconder seu problema de leitura, faltando às aulas, fingindo que esqueceram de fazer os deveres [...]. Os adultos sentem uma dor e uma tristeza profunda, que refletem anos de agressões ao seu sentimento de autoestima (SHAYWITZ, 2005, p. 98).
Neste indicativo, o que se destaca é a autoestima do disléxico. Daí a importância dele ser incentivado a enfrentar essas dificuldades que o cerca.
Quando estimulados, apesar de suas limitações, os disléxicos adquirem um potencial enorme para a leitura, principalmente quando se interessam por determinado assunto. Em sua pesquisa, a autora Sally cita vários exemplos de pessoas disléxicas que enfrentaram as dificuldades e se especializaram em um assunto tornando-se pessoas renomadas. Segundo a mesma autora (2005, p. 99): “seu interesse apaixonado por um assunto levou-os a ler tudo que podiam sobre ele. Isso permitiu que se concentrassem em uma área restrita de palavras”. De tanto o disléxico ler sobre o mesmo assunto, ele acrescenta-o a sua memória e assim torna-se leitor fluente nessas palavras.
Todos esses sinais, citados anteriormente, podem alertar pais e professores sobre a possibilidade de uma pessoa com quem convivam seja disléxica.
AÇÕES QUE AMENIZAM O PROBLEMA DA DISLEXIA
A infância é a época da aprendizagem. Quando uma criança se atrasa na codificação do código fonético, perde muito da prática de leitura para a construção da fluência e do vocabulário, ficando cada vez mais para trás na aquisição de conhecimentos. Quando percebe-se que uma criança está ficando para trás no domínio da capacidade de leitura, deve-se agir imediatamente. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica para a criança recuperar a fluência na leitura, isso devido à grande quantidade de prática de leitura que a criança perde à medida em que continua a ler com dificuldade.
Geralmente os pais e professores atrasam a intervenção em crianças com dificuldades de leitura, pois acreditam que os problemas são apenas temporários e serão superados. O que não acontece. De acordo com Sally Shaywitz (2005, p. 101), “Os problemas de leitura não são superados, pois são persistentes”. Ou seja, sem a intervenção devida, todas as crianças que cedo tem dificuldades de leitura terão de lutar bastante para ler no futuro.
Com os novos estudos acerca da dislexia ficou mais fácil diagnosticar crianças disléxicas. Sally destaca que o primeiro passo é submetê-las a três tipos de testes: teste de leitura, visando a decodificação das palavras; teste de compreensão de leitura e teste de leitura oral. Além desses, a criança também deve passar por testes ortográficos.
O segundo passo são testes de QI. Através deles são medidas as discrepâncias entre a capacidade de leitura e a inteligência. Geralmente por esses testes serem orais os disléxicos se dão bem neles. Além destes, também existem outros testes, como: apontar imagens relativas às palavras e nomear objetos.
Os testes de leitura (precisão, fluência e compreensão), ortografia e linguagem representam o grupo principal para o diagnóstico da dislexia nas crianças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização destas pesquisa, pode-se concluir que o sucesso para evitar muitas frustrações de modo geral, principalmente em relação à aquisição da leitura, é reconhecer e diagnosticar a dislexia o mais cedo possível, mesmo antes da criança começar a ler. Como foi visto que a dislexia é uma dificuldade fonológica, a diagnose dela pode ser realizada pelo histórico da criança, pela observação e por testes específicos.
Portanto, conclui-se que a dislexia não é um problema irreversível. Felizmente, a ciência e a nossa compreensão sobre a leitura progrediram muito. Isso contribui de forma significativa para a identificação e o tratamento deste problema que se manifesta de forma discreta, mas quando não tratado, causa grandes consequências e frustrações.
REFERÊNCIAS
KAUFMAN, Diana. A natureza da linguagem e sua aquisição. In GERBER, Adele. Problemas de aprendizagem relacionados à linguagem: sua natureza e tratamento. Tradução de Sandra Costa. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
SHAYWITZ, Sally. Entendendo a dislexia: Um novo e completo programa para todos os níveis de problemas de leitura. Artmed, 2005.
[1] Graduanda em Letras habilitação em Língua Portuguesa (Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA). E-mail: cleojane1@hotmail.com