Conformado Com A Mira

Por Robson Fernando | 16/11/2008 | Filosofia

O Brasil praticamente parou por causa da tragédia do seqüestro em Santo André, do mesmo jeito que no caso do ônibus 174 oito anos atrás. Mas infelizmente sei que mais uma vez a comoção generalizada novamente vai se reduzir à resignação e ao conformismo, como sempre. É um comportamento indesejavelmente freqüente no país esse ato de sentir pena e indignação temporárias e depois esquecer tudo como se nada tivesse acontecido. É algo que, pode ter toda a certeza, nos põe como inferiores à população de diversos outros países nos quesitos cidadania, preocupação social e também respeito ao próximo e além do mais é uma das grandes causas de a criminalidade ter se consolidado tão solidamente por aqui.

Não gostaria de fazer comparação entre nações, mas me vejo obrigado a fazê-lo, e digo que é de causar vergonha do povo a que pertenço quando vejo na internet protestos no Canadá, na Argentina, na Finlândia e em outros cantos do mundo eclodindo quando mesmo casos isolados de atentado à vida e à segurança dos cidadãos acontecem. Nesses países, basta que um episódio de violência (como a última chacina em escola na Finlândia) estampe os jornais ou as estatísticas de segurança pública apenas ameacem crescer (como em Buenos Aires em 2002) que o povo vai às ruas assegurar que a polícia não perca seu poder coercivo e o governo não amoleça nas políticas de bem-estar social. Ao seu modo, ora com cartazes e gritos ora com panelaços, o povo mostra que não se conforma quando sua liberdade e bem-estar são ameaçados e faz valer seu poder como senhor supremo de seu país.

Não é o que acontece no Brasil. Aqui os anos 90 e 2000 foram marcados pela promoção da violência urbana a níveis de guerra civil. Seqüestros já não ameaçam apenas gente endinheirada, bairros e municípios periféricos outrora tranqüilos estão dominados por assaltos e homicídios, casos de comoção nacional nos marcam numa freqüência muito maior que em outros lugares. E nada além de medíocres “caminhadas pela paz” e breves manifestações orquestradas por quem acabou de perder um ente amado mostram que a população não quer estar alheia à plenitude de seus direitos de viver e de ir e vir. Nada mais do que parcos pontos de protesto num país de dimensão subcontinental e demograficamente robusto.

Lembrei de um episódio com um colega meu de faculdade, que pensava em viajar para o Canadá. Exaltava a sociedade daquela nação: “não tem violência, não tem pobreza, não tem engarrafamentos, etc.”. E fiz questão de “complementá-lo” com uma verdade – considerando que ele havia poucos dias antes demonstrado múltiplas vezes um lamentável derrotismo para com seu país: “Não tem povo conformista...!”. Adorei sua cara de tacho. Aquilo simbolizou uma espécie de “beliscão motivacional” num povo que desistiu do direito de viver em paz em sua terra natal. E terei um apetitoso prazer em repetir essa atitude sempre que houver a oportunidade para isso acontecer, com outras pessoas.

Entre os motivos para essa letargia popular perante a arma apontada para si, releva-se mais o sistema educacional obtuso que não induz os jovens a trabalhar com sua realidade social, não desperta a cidadania e prefere ensinar-lhes um conteúdo concentrado na utilitariedade laboral. É enfaticamente necessário, no entanto, mostrar que essa não é a razão única para essa alienação, porque se fosse, todos aqueles que já estudaram em grandes escolas e universidades do exterior e voltaram para cá iriam tocar muitas revoluções por aqui, e não é o que acontece. É algo mais enraizado na cultura e que merece muito debate intelectual.

Escancarar essas razões culturais de tanta alienação e conformação em ser refém das hostilidades sociais de seu país vai ser de muita utilidade para se acordar o povo. Isso o tempo dirá como acontece, mas por enquanto vai-se vivendo conformado com a mira.