Conflito Fundiário

Por JULIANA FERNANDA MAFRA SOARES | 06/12/2016 | Direito

Juliana Fernanda Mafra Soares

O caso em questão diz respeito a uma comunidade ( comunidade Esperança) que sofre a ameaça de ser despejada da propriedade na qual residem há mais de 30 anos e onde já construíram toda uma infraestrutura que conta com postos de saúde, energia elétrica, abastecimento de água e até mesmo uma escola que, é importante ressaltar, é mantida com uma parte dos recursos da prefeitura. Essa comunidade possui mais de 1 milhão de habitantes e está localizada na região Metropolitana de Terra das Palmeiras que faz parte de uma Zona rural onde possui um manancial que abastece a si e a diversas outras famílias da região, sendo área de preservação ambiental.

No entanto, o sossego dos integrantes dessa comunidade encontra-se ameaçado devido a uma ordem de despejo proposta por Abelardo Teixeira de Freitas que se diz o legítimo proprietário e possuidor do terreno ocupado pelas famílias integrantes dessa comunidade, possuindo como prova um registro de 1997. Como justificativa para retirar as famílias e requerer a posse do terreno ele alegou que possui um projeto habitacional que proporcionará maior valorização para a área, atraindo diversos serviços como escolas, comércios, asfaltamentos das ruas, dentre outros. 

2 IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO 

2.1 Decisões possíveis

  • Parecer favorável à comunidade, devendo ela permanecer no terreno

  • Parecer favorável a Aberlado Teixeira, devendo ele reaver a posse de seu terreno 

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar Cada Decisão 

  • Parecer favorável à comunidade, devendo ela permanecer no terreno

- O artigo 1.228, §1° do Código civil assegura que “o direito de Propriedade deve ser exercido em consonância com suas atividades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. A fauna, a flora, e todos os demais âmbitos a serem preservados expostos nesse artigo estarão muito mais protegidos e resguardados se a propriedade for dada efetivamente à comunidade, principalmente por já ser uma área de preservação ambiental e possuir um manancial que abastece outras regiões próximas, pois o projeto habitacional depois de construído reduzirá imensamente a vegetação, aumentará os níveis de poluição sem contar o risco de contaminação da água do manancial;

- A propriedade particular deverá ser desapropriada e assim garantida a permanência da comunidade. Nas palavras de Odete Medauar (2007, p.348) a desapropriação consiste na retirada, pelo poder público, do patrimônio do proprietário mediante prévia e justa indenização e pode ser considerado um instrumento de realização de atividades de interesse público principalmente no tocante à mais justa distribuição da propriedade, como é o caso da situação ora analisada;

- Uma das características da Desapropriação é cumprir o interesse social. A Lei 4.132/62 lista os casos de desapropriação por interesse social e dentre eles, no inciso VII está “a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais.”;

- Permitir que a comunidade Esperança continue ocupando a propriedade que agora é objeto de litígio, é garantir a esses moradores o direito à moradia digna pois onde residem já contam com toda uma infraestrutura montada, dispondo de energia elétrica, postos de saúde, abastecimento de água e até mesmo escola. Nesse sentido Daniella Dias (2012, p.7) fortalece tal entendimento ao citar o conceito de habitação digna conforme a Agenda Habitar: “habitação digna ou adequada é aquela que oferece condições de vida sadia, com segurança, apresentando infraestrutura básica, como suprimento de água, saneamento básico e energia, e contando com a prestação eficiente de serviços públicos urbanos”, vale ressaltar que este direito está atrelado ao Princípio da dignidade da pessoa Humana;

- A propriedade deve atender à sua função social, essa função pode ser entendida conforme expõe o artigo 182, §4º, CF/88 os proprietários são obrigados a construir ou aproveitar adequadamente a propriedade urbana, sob pena de parcelamento compulsório, imposto progressivo ou desapropriação. O até então legítimo proprietário demorou 30 anos para cumprir com a função social da propriedade (projeto habitacional).

- Tem como fundamento a Supremacia do Interesse Público. “ Vemos a aplicação desse princípio, por exemplo, na desapropriação, em que o interesse público suplanta o do proprietário”(CARVALHO FILHO, 2012, p.32) 

  • Parecer favorável a Aberlado Teixeira, devendo ele reaver a posse de seu terreno

- Para defender que o legítimo proprietário do terreno deve continuar com essa propriedade e colocar em prática o seu projeto habitacional deve-se partir do pressuposto de que a concretização do projeto habitacional irá gerar melhorias não só no aproveitamento do próprio terreno, mas principalmente para a população que vive em  regiões próximas pois haverá maior valorização de seus imóveis, além de mais serviços à disposição da população;

- O entendimento do STJ é de que a quantidade de pessoas pertencentes a comunidade que estejam pleiteando pela propriedade é irrelevante, sendo a Administração Pública a responsável por garantir a essas famílias o direito à moradia digna, sendo o proprietário do terreno eximido de tal responsabilidade (STJ - RMS: 17046 DF 2003/0164523-4);

- Abelardo Teixeira de Freitas é o legítimo proprietário do terreno, possuindo prova documental (registro) disto.

-Não se pode alegar que a propriedade não está cumprindo sua função social, pois Abelardo já possui um projeto habitacional que construirá no terreno e pode não ter o concretizado antes por falta de recurso financeiro ou por seu planejamento ainda não estar totalmente concluso. 

2.3 Análise das questões secundárias 

  1. Qual instrumento jurídico poderá ser utilizado pela administração pública para a resolução do conflito ora apresentado? 

O instrumento jurídico será uma Ação Civil Pública de Desapropriação do terreno, tendo em vista tratar-se de um direito que abrange toda uma coletividade de pessoas. Tal entendimento encontra resguardo no entendimento do STJ, vejamos:

“Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública para a promoção de direitos individuais homogêneos, entendendo-se que a pretensão à moradia, ainda que seus beneficiários sejam pessoas determinadas, pode ser objeto de ação civil pública proposta pelo Ministério Público, tratando-se, pois, de interesse extrapatrimonial, marcado pela indisponibilidade” (MILAGRES, 20??, p.4) 

  1. Como os princípios constitucionais e os direitos fundamentais podem ser albergados pela administração pública? Qual o ponto de equilíbrio na balança entre interesse público e desenvolvimento? 

Os princípios e direitos fundamentais devem ser compreendidos como um conjunto, devendo a Administração Pública em suas decisões analisá-los cautelosamente utilizando de ponderações. O ponto de equilíbrio irá depender de cada caso concreto, utilizando-se sempre da ponderação dos valores envolvidos, não se podendo deixar de lado jamais a supremacia do Interesse Público, mas não esquecendo também que para que esse interesse seja satisfeito e tenha eficiência, é necessário não apartá-lo de situações que promovam desenvolvimento, desde que tal desenvolvimento não apresente mais pontos negativos que positivos para a coletividade. 

3 Descrição dos Critérios e Valores (Explícitos e/ou Implícitos) Contidos em cada Decisão Possível 

  • Principio da Função Social da Propriedade
  • Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
  • Direito à Moradia
  • Princípio da Supremacia do Interesse Público
  • Princípio da Proporcionalidade
  • Desapropriação
  • Proteção ao Meio Ambiente, bem como aos mananciais

 REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Civil de 2002. Brasília, DF, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm . Acesso em 26 de setembro de 2015.

BRASIL. Constituição Federal, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em setembro 2015.

BRASIL. Lei n° 4.132 de 10 de Setembro de 1962. Brasília, DF, 1962. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L4132.htm. Acesso em 26 de setembro de 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012.

DIAS, Daniela S. O Direito à moradia digna e a eficácia dos direitos fundamentais sociais. *Revista Eletrônica do CEAF. Porto Alegre - RS. Ministério Público do Estado do RS. Vol. 1, n.1, out. 2011/jan. 2012. Disponível em: http://www.mprs.mp.br/areas/urbanistico/arquivos/rochelle.pdf. Acesso em 26 de setembro de 2015.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MILAGRES, Marcelo de Oliveira. Ministério Público como autor de Ação Civil Pública de Desapropriação Imobiliária. Disponível em: www.ammp.org.br/inst/artigo/Artigo-31.doc. Acesso em 27 de setembro de 2015.

STJ - RMS: 17046 DF 2003/0164523-4, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 06/12/2005, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 24.05.2006 p. 124.