Condenação com Provas Colhidas Apenas no Inquérito Policial

Por Andre Luiz do Nascimento Barboza | 07/03/2018 | Direito

CONDENAÇÃO COM PROVAS COLHIDAS APENAS NO INQUÉRITO POLICIAL Introdução O inquérito policial é um procedimento administrativo inquisitório, ou seja, não se desenvolve sob o manto sagrado do contraditório. Sendo assim, para que as provas colhidas na fase inquisitorial possam fundamentar eventual condenação, há a necessidade que estas sejam repetidas na fase processual (onde vigora o contraditório) a fim de serem ratificadas. Se assim não for, servirá tão somente como peça informativa para o oferecimento da denúncia. Da inconstitucionalidade de sentença fundamentada apenas em provas da fase inquisitória A Constituição Federal traz, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito, em seu art. 5º, inciso LV, o princípio do contraditório: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; Portanto, segundo o art. 5º, inciso LV da Constituição Federal, é garantido a todos os cidadãos processados o direito de se defender, de contradizer o que está sendo dito pela acusação, como meio de defesa. Em um processo criminal, primeiro é feita uma investigação pela autoridade policial e, a partir do relatório desta investigação, o Ministério Público oferece a denúncia (petição inicial no processo crime) ao juiz para que se instaure o processo e inicie a instrução deste para apurar o cometimento do crime em questão e, se for o caso, punir o acusado, através de um decreto condenatório (sentença). Para que o juiz possa prolatar uma sentença condenatória, este precisa fundamentar sua decisão em provas existentes no processo, de onde tirou sua convicção de que o acusado realmente cometeu aquele crime. Esta é a regra trazida pelo art. 155 do Código de Processo penal: Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Note que, conforme preceitua o artigo acima, o juiz formará sua convicção apreciando a prova produzida sob o contraditório, não podendo decidir somente em elementos informativos provenientes da investigação (inquérito policial). Esta decisão só pode ser fundamentada com provas colhidas na fase de inquérito policial se estas forem confirmadas durante a instrução criminal, onde o acusado teve a oportunidade de confrontá-las. Do contrário, o cidadão poderia ser condenado por provas produzidas unilateralmente pelos órgãos responsáveis pela acusação, sem ter tido possibilidade de se defender, já que na fase de inquérito a defesa não pode atuar (mesmo com a mudança no Estatuto da OAB, que será tratada mais ao final). Caso uma sentença seja fundamentada em provas colhidas apenas na fase investigatória, esta estará ferindo o principio constitucional do contraditório. Sobre o assunto, nos ensina o Ministro do STF Celso de Mello: “Não podemos desconhecer, no ponto, que o processo penal, por representar uma estrutura formal de cooperação, rege-se pelo princípio da contraposição dialética, que, além de não admitir condenações judiciais baseadas em prova alguma, também não legitima nem tolera decretos condenatórios apoiados em elementos de informação unilateralmente produzidos pelos órgãos da acusação penal. A condenação do réu pela prática de qualquer delito – até mesmo pela prática de uma simples contravenção penal – somente se justificará quando existentes, no processo, e sempre colhidos sob a égide do postulado constitucional do contraditório, elementos de convicção que, projetando-se “beyond all reasonable doubt” (além, portanto, de qualquer dúvida razoável), veiculem dados consistentes que possam legitimar a prolação de um decreto condenatório pelo Poder Judiciário. Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório.”(Questão de Ordem no voto como Revisor na AP 985/MT, Segunda Turma STF, 06/06/2017) Por possuir independência formal, entendo que o inquérito policial deveria ser desentranhado dos autos após ser oferecida a denúncia, pois corre-se o risco destas provas, colhidas distantes do crivo do contraditório, influenciarem o magistrado que irá sentenciar o acusado. A jurisprudência considera incabível a declaração de nulidade do processo quando apontada ilegalidade ocorrida na fase inquisitória: “eventuais irregularidades ocorridas na fase investigatória, dada a natureza inquisitiva do inquérito policial, não contaminam a ação penal” (STJ, HC 232.674). O raciocínio para que a jurisprudência faça essa interpretação é que se o inquérito tem natureza inquisitória, qualquer irregularidade ocorrida nesta fase seria incapaz de contaminar o processo, vez que o magistrado não está vinculado a estas provas, que ainda teriam que passar pela instrução processual para serem ratificadas. Ora, se não existe nulidade do processo porque as provas colhidas na fase de inquérito policial não tem força processual, jamais estas provas poderiam ser utilizadas pelo juiz para fundamentar um decreto condenatório. No entanto, o que se vê na prática é são sentenças condenatórias fundamentadas apenas nas provas colhidas na fase de inquérito policial, apesar de reiteradas decisões do STF sobre o tema. Mudança no Estatuto da OAB e a atuação da defesa no inquérito policial Houve uma modificação no Estatuto da OAB, no ano de 2016, com a inclusão do inciso XXI no art. 7º, que “acrescentou” como direito do Advogado: XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração; a) apresentar razões e quesitos; Entretanto, na prática, na maioria das vezes, esta norma não é respeitada pelas autoridades que presidem os inquéritos policiais (os Delegados de Polícia), que respeitam (não todos, mas, neste caso, a grande maioria), apenas a prerrogativa de acessar os autos do inquérito e a possibilidade de se comunicar com o investigado preso, desrespeitando a Lei Federal que trata do Estatuto da Advocacia, que prevê a apresentação de quesitos para os peritos, juntada de documentos e requerer oitiva de testemunhas. Como ainda não há orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores sobre esta nova realidade na atuação dos advogados no inquérito policial, trazida pela modificação do Estatuto da Advocacia, infelizmente, em termos práticos, nada mudou, por isso o inquérito policial continua sendo um procedimento inquisitório e, portanto, as provas colhidas exclusivamente nesta fase inquisitória, continuam não podendo ser utilizadas pelo julgador para fundamentar decreto condenatório, pois não passaram pelo crivo do contraditório (garantia constitucional de todo acusado). Conclusão Em que pese a mudança trazida pelo Estatuto da Advocacia, permitindo ao advogado formular quesitos, requerer oitiva de testemunhas e juntar documentos no inquérito policial, como na prática o procedimento continua sendo inquisitorial, uma sentença fundamentada em prova produzida sem o crivo do contraditório (apenas na fase inquisitória), é nula, por ferir o principio constitucional do contraditório, tão caro ao Estado Democrático de Direito.

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