CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAS

Por Rodrigo de Assis Soares | 17/03/2011 | Direito

CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAS
Dever do Estado Democrático de Direito*

Rodrigo de Assis Soares**
Tiago José Mendes Fernandes

Sumário: Introdução; 1 Diretos Sociais; 1.1 Concretização dos direitos sociais ? CF/88; 2 Estado Democrático de Direito; 3 Obstáculos para efetivação dos direitos sociais; Conclusão; Referências.

RESUMO
Apresenta-se um breve histórico dos direitos sociais, examinando também qual o melhor conceito desta classe de direitos. Discorre-se sobre a relevância da concretização dos direitos sociais para a sociedade. Destaca-se o papel do Estado Democrático de Direito para se chegar a uma efetiva aplicação dos direitos sociais, bem como se faz uma reflexão sobre os obstáculos para realização de tais direitos.

PALAVRAS-CHAVE
Direitos Sociais. Estado Democrático. Concretização.

Introdução

O presente artigo versa sobre a direta correlação existente entre os direitos sociais e a atuação da máquina estatal para efetivação dos mesmos, visto que estes direitos necessitam de uma atuação positiva por parte do Estado. No discorrer do trabalho são feitas colocações tanto pelo viés normativo, como pelo lado doutrinário, buscando com isso ampliar e problematizar o tema em tela.
Se faz mister enfatizar que, para que seja feita uma análise completa da função do Estado como garantidor dos direitos sociais, deve ser explanado primeiramente sobre o que vem a ser estes direitos, e qual foi o percurso histórico e político dos mesmos até chegarem ao status constitucional dos dias atuais.
Além de tratar da tarefa do Estado, como um todo, de realizar a prestação dos direitos sociais, o artigo também traz um breve comentário sobre quais são as barreiras que necessitam ser transpostas por este, assim como é apresentado algumas ferramentas que a sociedade possui para exigir a concretização destes direitos, visando reduzir os problemas advindos deste assunto.

1 Direitos Sociais

Antes de adentrar ao conceito em si de direitos sociais, se faz mister uma breve introdução histórica, demonstrando como esses direitos se formaram ao longo do tempo e quais foram seus antecedentes, pois a história constitucional nos revela que sempre houve uma preocupação com os direitos hoje denominados de direitos humanos, direitos fundamentais.
No contexto histórico, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, é considerada a mola propulsora da busca pelos direitos do homem, consubstanciada nas idéias iluministas presentes no ideal da Revolução Francesa. Há de se destacar que, essa declaração em seu art. 16 nos mostra que, "toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos nem determinada a separação dos poderes, não tem Constituição", isto posto, notadamente a idéia do constitucionalismo está intrínseca no texto.
Essas primeiras declarações têm como objetivo resguardar os homens contra o poder estatal, esses direitos chamados direitos individuais são direitos de 1ª dimensão , percebidos no Bill of Rights (Carta Inglesa de Direitos de 1689), cabe enfatizar que a Constituição brasileira de 1824 foi a primeira a positivar os direitos considerados fundamentais.
Os direitos individuais naturais precedem os direitos sociais, a efetiva admissão destes últimos na Constituição, é uma conquista do século atual, tendo como precursora a Constituição da Alemanha de 1919, também chamada de Constituição de Weimar, e a Constituição do México de 1917. A referida constituição alemã, trazia intrinsecamente em seu bojo o pensamento socialista democrático, transparecendo em seu texto colocações decorrentes da relação entre Constituição e socialismo, Estado Liberal de Direito.
Na história constitucional brasileira, os direitos sociais aparecem primeiramente na Constituição de 1934, quanto à atual Constituição Brasileira, estes direitos são percebidos explicitamente nos arts. 6º a 11 e também sua implícita inserção na ordem social, presente nos arts. 193 a 232, sendo que, os primeiros artigos citados tratam do conteúdo dos direitos sociais, enquanto que os demais versam sobre o seu mecanismo e aspecto organizacional.
Os direitos sociais podem ser relativos ao: trabalhador, à saúde, à educação e à cultura à família, estes são direitos fundamentais de 2ª geração, constituem como nos ensina José Afonso da Silva:

"[...] prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. [...], que criam condições materiais propícias ao auferimento da igualdade real." (SILVA, 1999, p. 289-290)

Na área dos direitos sociais, o caráter protetor adquire primazia, e o comando normativo supre deficiências da ordem social existente. Os direitos individuais foram instrumentos contra o Poder, aprofundando o fosso existente entre a liberdade e a autoridade do Estado, ao passo que os direitos sociais superaram o confronto entre a liberdade e o poder, transformando-se em instrumentos do Poder, para que este pudesse realizar direitos coletivos.

1.1 Concretização dos Direitos Sociais ? CF/88

A consagração dos direitos fundamentais, pelo ordenamento jurídico brasileiro representa o coroamento do processo de positivação no direito interno, entretanto essa constitucionalização, por si só, não efetiva os direitos, notadamente aqueles que precisam de ações do poder público para se implementarem, principalmente os direitos sociais, isto é, deve-se buscar além da validade jurídica, a vigência sociológica junto às condutas humanas para os direitos positivados.
BOBBIO chama atenção para o problema da inexeqüibilidade dos direitos, "o problema grave do nosso tempo com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim de protegê-los". (BOBBIO, 1992, p. 24-25)

"Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados."(Ibid, p.25)

O Brasil é um excelente exemplo deste problema citado por Bobbio, pois nossa carta magna em seu artigo 6°, afirma quais são os direitos sociais, todavia o que se vê é a negação desses direitos, verificando-se alto percentual de analfabetismo, os sistemas de saúde e de previdência social falidos, a elevação dos índices de desemprego e a precarização das relações de trabalho, e o abandono da infância com milhares de crianças vivendo nas ruas, sem acesso à escola ou exploradas no trabalho.
É preciso empenho, principalmente por parte do Estado, mas também por parte da população que deve exigir os seus direitos, para criar condições visando à ampla realização dos direitos consagrados. Para que isso aconteça, é necessário que se tenha além da validade formal (jurídica), uma validade social, ou seja, se faz mister que haja uma aplicação efetiva dos direitos no mundo fático, senão nossa constituição se tornará mera folha de papel, como nos diz Lassale . (LASSALE, 1985)

"O sentido técnico-jurídico atém-se às noções de aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, perpassando pelo exame do preenchimento das condições intra-sistêmicas aptas à produção de efeitos jurídicos específicos. Já o sentido sociológico, real ou empírico da eficácia diz com a conformação das condutas às normas, vale dizer, o cumprimento das normas no cotidiano social. "(NEVES, 1994, p. 42)

Havendo uma aplicação concreta dos direitos estabelecidos estará se fazendo valer da força normativa da constituição, defendida por Konrad Hesse (HESSE, 1991) , a partir daí teríamos a efetiva concretização dos direitos sociais estabelecidos em nossa Constituição Federal, atendendo assim sua principal característica, qual seja sua aplicação imediata, corroborando assim com o pensamento do ilustre autor Luís Roberto Barroso, no qual "a Constituição foi capaz de promover, de maneira bem sucedida, a travessia do Estado brasileiro de um regime autoritário, intolerante e, por vezes, violento para um Estado democrático de direito." (BARROSO, 2007, p.3)

2 Estado democrático de Direito

A democracia se caracteriza pelos seus valores, valores estes que deverão ser princípios basilares da convivência humana em harmonia, de maneira igual. O estado por sua vez vem ser uma instituição "organizada" de forma política, social e jurídica, criando leis para que aquela convivência humana seja efetivada.
Se formos aglutinar estes conceitos, se observará a construção de um estado onde os seus indivíduos possuem o direito de gozar de suas liberdades fundamentais. Analisando tal construção, é de se admoestar uma viga liberal, como sustentáculo dos conceitos acima expostos, consolidando então a definição de um Estado Democrático de direito de um estado liberal.

"(...) as leis devem modificar o status quo sob a diretriz do Estado. Pois ele tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade. Significa dizer: a lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir da realidade social. " (SILVA, 2003, p. 121)

A atualidade mostra um estado democrático de direito, com sua feição liberal, mais material, deixando de lado o individualismo, a formalidade e a neutralidade para ?escanteio?, camuflando-se de acordo com o ambiente, ora dogmático ora querendo realizar a justiça social, caracterizando-se como um "estado social de direito.", estado esse que vive hoje uma enfermidade, conseqüências das mudanças e desenvolvimentos da sociedade, outrossim, a uma crise ética, sem prazo de validade, na política mundial. A socióloga jurídica Adriana Loche faz o seguinte comentário, relacionado à questão da boa política:

"(...) ou como se conquista o poder e como ele é exercido, quais são as funções dos magistrados, quais são os poderes atribuídos ao governo e como se distinguem e interagem entre si, como se fazem as leis e como se faz para que sejam respeitadas, como se declaram as guerras e se pactua a paz, como se nomeiam os ministros e os embaixadores. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. "Em relação aos indivíduos, doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres; em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos". (LOCHE, 1999, p. 42)

Então o Estado Democrático de Direito, se configura em unir de maneira formal os conceitos de Estado de direito e Estado democrático, ou seja, trata-se de um conceito novo, que na atualidade bebe do liberalismo e por fim se incorpora dos componentes que arrolam a revolução do status quo.

3 Obstáculos para efetivação dos direitos sociais

Como dito acima, os direitos sociais visam a garantia da igualdade material, tendo como finalidade permitir a todos a possibilidade não só de sobrevivência, mas de inserção plena na vida em sociedade. Tais direitos precisam de conduta positiva do Estado para sua concretização, o que Jellinek denominou de status positivus socialis (JELLINEK apud ALEXY, 1993, p. 488), pressupondo por parte do governo distribuição e redistribuição dos recursos existentes, que ocasionam, em alguns países, da disponibilização de bens por vezes indisponíveis.
Isto posto, nota-se que é imprescindível para efetivação dos direitos sociais o que ALEXY chama de "atividades estatais" (Ibid, p. 487), como, a atuação do legislador na regulamentação desses direitos, que em alguns casos, são preceitos vagos e imprecisos, e também da efetiva atuação dos agentes governamentais para a execução de políticas públicas e prestação dos serviços estipulados. E, finalmente, mas não menos importante, para fazê-los valer no caso concreto, é necessária a intervenção do Poder Judiciário que, deve, atentando para a natureza constitucional destes preceitos, obrigar o Estado a cumprir estas determinações, como autênticos direitos subjetivos públicos, obedecendo assim o art. 5º, §1º da CF/88 .
Tendo em vista as limitações de ordem econômica à efetivação dos direitos sociais prestacionais, passou-se a sustentar que estes estariam condicionados ao que se convencionou chamar de reserva do possível, conceito oriundo da Alemanha, que o indivíduo só pode requerer do Estado uma prestação que se dê nos limites do razoável. Estas limitações de cunho econômico, que acarretam a falta de produção de efeitos das normas sociais, entretanto vale lembrar que nossa Carta Magna nos diz que, as normas instituidoras de direitos sociais são normas jurídicas em sentido pleno, possuindo todos os atributos inerentes à espécie.
Sendo assim, o grande obstáculo no caminho para a eficácia dos direitos sociais, é traduzida na necessidade de dispêndios públicos (alto custo), para a concretização destes, tendo em vista a ausência de recursos. O STF tem se posicionado em favor da prestação efetiva dos direitos sociais por parte do Estado, como fornecimento de remédios e acesso à educação , pesando a importância da inviolabilidade dos direitos fundamentais previstos no art. 5º da CF de 1988, principalmente o direito à vida, utilizando da reserva do possível ponderadamente de acordo com cada caso.

"Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia constitucional e um direito subjectivo." (CANOTILHO, 1998, p.322)

A solução mais plausível em nossa concepção é a máxima efetivação destes direitos, com o estabelecimento de políticas públicas para o desenvolvimento econômico do Estado, sempre visando a redistribuição dos recursos existentes, na forma prescrita constitucionalmente. Além disso, a Constituição prevê inúmeros remédios constitucionais, como o Mandado de Injunção, a Ação de Inconstitucionalidade por omissão e a Ação Popular que, mesmo não surtindo efeitos imediatos, devem ser constantemente invocados, de maneira a atenuar as resistências por parte dos operadores jurídicos.
São estas iniciativas que podem se constituir em uma saída para a situação das camadas mais pobres do País, que tem na atuação governamental talvez a única possibilidade de serem definitivamente integrados à realidade social, gozando de uma autêntica cidadania, nos moldes da Carta Magna de 1988.
A partir disso, busca-se evitar que haja a criação de uma ?ilusão? de efetivação dos direitos humanos constitucionalmente consagrados, tornando-os simbólicos, deve-se primar pela concretização normativa desses direitos, impedindo que nossa constituição seja, no dizer de NEVES, nominalista (simbólica), ou semântica (instrumental). (NEVES, 2005, p. 19)

Conclusão

A constituição de 1988 nos assegura os direitos sociais, na qual são garantidos a toda sociedade. Direitos esses que começaram com a Declaração de 1789, como propulsora e se consolidaram com a Constituição de Weimar de 1919 e a do México de 1917 tendo como precursora a Constituinte Alemã, conquistas essas que são o grande marco do século.
A efetivação destes direitos Sociais aparece com a figura do Estado Democrático de Direito, personagem este fundamental para a concretização dessas garantias, ou seja, protagonista que tem o intuito de fazer com que a população goze dessas liberdades. Ao mesmo tempo em que se tem uma Constituição Democrática regulado por um estado que, outrossim, se auto denomina "Democrático", percebe-se nesse conjunto de democracia fatores que formam grandes obstáculos para efetivação de tais direitos ,um paradoxo. Nesse sentido, ficam em aberto algumas questões, que merecem ser objeto de reflexões futuras de maneira a avançar e compreender os nossos Direitos Sociais.


REFERÊNCIAS

BÁSICA:
BARROSO, Luiz Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito. (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica de Direito do Estado (RERE), Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 9, março/abril/maio, 2007.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

NEVES, Marcelo. A Força Simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado (RERE), Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 4, outubro/novembro/dezembro, 2005.

COMPLEMENTAR:
ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1991.

LASSALE, Ferdinand. A essência da constituição. Produção e Revisão Antônio Cordeiro Filho, Rio de Janeiro: Liber Juris, 1985.

LOCHE, Adriana et. al. Sociologia Jurídica. Porto Alegre: Síntese, 1999.

NEVES, Marcelo. A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Acadêmica, 1994.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

_____________. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

VICTOR, Rodrigo Albuquerque de. O papel do Judiciário na concretização dos direitos sociais prestacionais. Problemática conducente à escassez de recursos. Disponível em: . Acesso em: 2 Abr. de 2008.