Comportamento Cognitivo no Voleibol

Por Andre Guimaraes Bento | 16/07/2009 | Sociedade

INTRODUÇÃO

Durante uma partida de voleibol nos surpreendemos com a atuação dos jogadores ao realizarem saques, bloqueios e cortadas de forma rápida e precisa, sendo que estes, em muitos momentos, são inesperados e originais, impossibilitando qualquer reação do adversário.

O voleibol é uma atividade esportiva com habilidades bem definidas em sua execução, caracterizado por uma formação ampla e variada de memória motora a qual resulta em ações precisas, onde o atleta, ou mesmo a equipe, teve ter, antecipadamente, uma resposta eficiente ao presente problema.

Por este motivo esta modalidade esportiva é constituída por várias ações motoras as quais requer capacidade de recepção, elaboração e armazenamento de informações afim de que a execução dos gestos motores objetive a eficiência de suas ações.

A ação motora neste sentido torna-se um elemento indispensável para a solução de problemas alem de representar uma forma de expressão do comportamento, portanto a ação será reflexo da técnica e da tática adquirida pelo atleta durante sua vida esportiva.

Por conseguinte, vê-se que movimentos precisos por si só não garantem resultados, mas a aplicação destes de acordo com as exigências do meio. Diversos autores concordam em afirmar que "atualmente não há mais o interesse na preparação de um jogador que saiba apenas executar com perfeição um gesto técnico. O que se busca hoje em dia é preparar um jogador que saiba aplicar o gesto técnico com oportunismo, inteligência e principalmente criatividade".

Diante disso KORSAKAS (2002) afirma que a iniciação esportiva não pode considerar apenas o gesto técnico, ou tornar as ações táticas inflexíveis e com pouca variabilidade, grande destaque deve ser dado ao desenvolvimento de processos cognitivos do atleta. Para tanto é necessário que ofereça uma ampla variedade de experiências para que desenvolva os aspectos técnicos concomitantes aos cognitivos, em outras palavras, incluir conceitos teóricos de tática.

A cognição de acordo com GRECO, PAULA e SOUZA (2001, p. 12) "é um termo comum, utilizado para designar todos os processos ou estruturas que se relacionam com a consciência e o conhecimento". Para estes autores a tática irá se manifestar diante da aplicação do conhecimento durante uma tomada de decisão, na qual o jogador devera decidir o que fazer, onde e quando, em milésimos de segundos.

Saber decidir corretamente e com variabilidade é uma condição imprescindível nos jogos coletivos, para adequar as constantes mudanças do contexto.

Para GRECO, PAULA E SOUZA (2001) uma tomada de decisão adequada exige conhecimentos específicos prévios da situação, das conseqüências e das diferentes possibilidades de ação tática, os quais irão formar a Base de Conhecimento. De acordo com CAMPOS, GALLAGHER e LADEWIG (1996) a Base do Conhecimento é o conhecimento acumulado na memória de longa duração, a qual auxilia na tomada de decisão já que possibilita a associação das informações armazenadas. A base de conhecimento declarativo e de procedimento.

O primeiro é definido como o "conhecimento de fatos, isto é a identificação de estruturas estabelecidas", isto é um conhecimento teórico; enquanto o segundo é entendido como o "conhecimento de padrões de ação que se aplicam a um determinado domínio", ou seja, um conhecimento que não pode ser formulado explicitamente. Segundo OLIVEIRA e TAVARES (1996) as bases do conhecimento estão ligadas ao "saber que", que é denominado de "conhecimento declarativo, proposital, explícito, teórico, objetivo e impessoal", e o "saber como" denominado de "conhecimento de procedimento, implícito, tático, subjetivo, prático e pessoal".

CAMPOS, GALLAGHER e LADEWIG (1996) afirmam que nas crianças, normalmente a base de conhecimento é devido a uma menor experiência, quando comparadas com os adultos. Entretanto crianças com grande quantidade e qualidade de prática podem ter desempenhos similares ou mais eficientes que adultos.

Paula (apud GRECO, PAULA E SOUZA, 2001) validou um teste de conhecimento específico para avaliar a tomada de decisão e o conhecimento declarativo de jogadores de voleibol. Foi realizado um estudo semelhante sobre o voleibol.

O objetivo deste artigo foi comparar entre gêneros o conhecimento específico de atletas da categoria infanto-juvenil de voleibol participantes da XXV Copa SESC, realizada no ano de 2006.

METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada com 32 atletas infanto-juvenis de voleibol, com idade entre 14 e 16 anos, que faziam parte das equipes finalistas, masculina e feminina da XXV Copa SESC. Sendo estas equipes, CPMG Ayrton Senna e CPMG Hugo de Carvalho Ramos, que fizeram a final masculina, Colégio Dinâmico e CPMG Ayrton Senna, a final feminina.

Foi aplicado um questionário elaborado pelo pesquisador contendo vinte questões de múltipla escolha, sendo dez (10) de conhecimento declarativo e dez (10) de conhecimento de procedimento, com perguntas como: a) (CD) Quando, no saque, a bola toca na rede e cai no campo adversário o que acontece?b) (CP) Como deve ser a movimentação de um jogador que acaba de realizar um saque?O questionário foi respondido individualmente.

As respostas foram definidas por três (3) técnicos de voleibol, com mais de 10 anos de experiência na área. As questões nas quais as respostas não haviam um consenso foram eliminadas.

Os dados da pesquisa foram analisados através da estatística descritiva (teste de média e do desvio padrão) o que permitiu ao observador observar e registrar opiniões dos grupos e, dos testes ANOVA One-way e o teste de Post-Hoc, a fim de efetuar a correlação dos dados coletados e detectar se havia diferenças entre os grupos e se estas eram significativas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A Tabela abaixo mostra os resultados dos testes de conhecimento especifico dos (as) participantes da pesquisa:

 

Referência

Mulheres

Homens

Conhecimento Declarativo (CD)

 

Total de pontos

10

X = 9,8*

DP = 0,3

X = 8,5

DP = 1,3

Conhecimento de Procedimento (CP)

Total de pontos

10

X = 7,5

DP = 0,9

X = 7,0

DP = 1,2

Legenda: X (média); DP (Desvio Padrão); * houve diferenças significativas entre homens e mulheres no CD.

Pode-se observar que as mulheres tiveram um maior conhecimento declarativo, quando comparado aos homens, sendo que os dados revelaram diferenças significativas entre os dois grupos. O Desvio Padrão do CD das mulheres foi menor, isso significa que as respostas foram mais homogêneas e próximas da media. Esta diferença pode ser em função das meninas serem mais atenciosas e dedicadas nas aulas de voleibol – modalidade esportiva preferida na opinião feminina – segunda a professora de duas das equipes finalistas, uma feminina e outra masculina. No estudo desenvolvido por Campos (2004) houve diferenças significativas dos conhecimentos específicos no futebol em grupos de diferentes níveis de escolaridade. No que se refere ao conhecimento de procedimentos as mulheres novamente tiveram resultados superiores, entretanto não houve diferenças significativas entre os grupos.

Um fato interessante na discussão dos resultados é que as equipes finalistas foram todas de equipes escolares o que contribui para efetivar os objetivos da pesquisa, pois em equipes de colégios dá-se importância também ao "pensar sobre" e não somente em realizar tal ação (é o que se pressupõe). Vale ressaltar que a Copa SESC é um evento esportivo aberto, portanto as inscrições são abalizadas a qualquer equipe que queira se inscrever e participar do torneio.

De acordo com GRECO, MATIAS e PAULA (2004) o voleibol, tanto o feminino quanto o masculino é uma potencia mundial com vários títulos conquistados. Entretanto, poucos são os estudos referentes aos aspectos cognitivos. No estudo realizado por estes pesquisadores não houve diferenças significativas do Conhecimento Declarativo entre jogadoras da seleção brasileira infanto-juvenil e de jogadoras que participaram do campeonato infanto-juvenil da Federação Mineira de Voleibol. Mas é necessário ressaltar que a combinação de aspectos técnicos e táticos é determinante para chegar a seleção. Este estudo não fez comparação entre gêneros.

Provavelmente o contexto cultural brasileiro, no qual o voleibol é a modalidade mais praticada depois do futebol tenha influenciado decisivamente para que mais de 85% das questões no conhecimento declarativo e 70% no conhecimento de procedimento fossem acertadas em ambos os grupos. No Brasil o voleibol tem sido amplamente divulgado e considerado um ótimo investimento de marketing por diversas empresas, o que tem contribuído para o aumento do numero de participantes desta modalidade. A pesquisa realizada por Campos, Gallagher e Ladewig (1996) sugere que o contexto cultural influencie no desempenho em testes cognitivos. Os pesquisadores compararam jogadores de futebol experientes com novatas e não identificaram diferenças significativas. Tais dados, provavelmente se devem a grande popularização do futebol no Brasil.

Outro aspecto importante verificado com os dados dessa pesquisa foi a necessidade de m conhecimento especifico relativamente alto para que as equipes chegassem a final. O que denota a importância dos processos cognitivos nos jogos coletivos ressaltados por GRECO, PAULA e MATIAS (2004); CAMPOS, GALLAGHER e LADEWIG (1996) e GRECO, PAULA E SOUZA (2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos pela pesquisa mostraram que os processos cognitivos foram decisivos para que as equipes chegassem à final da XXV Copa SESC de voleibol. Embora houve diferenças significativas no conhecimento declarativo entre os gêneros, estes dados não são conclusivos, pois há a necessidade de novas pesquisas considerando os níveis de escolaridade dos pesquisados.

O estudo revelou também a forte influencia do contexto cultural para o desenvolvimento da base de conhecimento.

Desta forma inferimos a proeminência da pesquisa mostrando a importância do conhecimento declarativo e de procedimento nas situações reais de jogo que são encontradas pelos atletas durante uma partida de voleibol, onde o atleta vê-se obrigado a decidir e elaborar respostas certas, precisas e velozmente, o que implica uma função do intelecto, uma atividade cognitiva. O conhecimento cognitivo sobre a técnica e a tática do voleibol exerce uma influencia considerável sobre a execução eficaz da ação motora em questão e, consequentemente no resultado do jogo.

Assim, acreditamos na necessidade da haver um avanço da compreensão entre os técnicos esportistas e mesmo entre os professores de educação física, que é possível das um salto de qualidade estratégica em suas equipes, para isso é necessário introduzir nos treinos e/ou aulas um conhecimento teórico das táticas e técnicas para que a prática se torne mais eficaz. Coadunando com as idéias de Kunz (2000) acreditamos que o aprendizado do esporte não se dá apenas pelas experiências objetivas, mas também pelo próprio falar sobre as experiências e entendimentos do mundo dos esportes.

Espera-se que este artigo possa estimular novas reflexões e auxiliar no desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas ao conhecimento específico no voleibol.

REFENCIAL BIBLIOGRÁFICO

CAMPOS, Rosangela Soares. Estudo comparativo das habilidades motoras e cognitivas em praticantes de futebol de diferentes locais de prática. Tese de Mestrado – Curitiba, 2004;

CAMPOS, W.; GALLAGHER, J; LADEWIG, I. Os efeitos da idade e nível de experiência na performance motora em crianças praticantes de futebol. Revista Synopsis. Curitiba, v. 7, 1996;

GRECO; MATIAS E PAULA. Conhecimento tático no voleibol: um fator determinante ou não para se estar na seleção brasileira de voleibol. In 10° Congresso de Ciência do Desporto e Educação Física dos paises de língua portuguesa. Revista Portuguesa de Ciência do Desporto;

GRECO, PAULA E SOUZA. Processo de validação de teste para avaliar a capacidade e o conhecimento declarativo no voleibol: situações de ataque de rede. Belo Horizonte: Escola de Educação Física da UFMG, 2001;

KOSARKAS, P. O esporte infantil: as possibilidades de uma prática educativa. In: Rose Jr., Esporte e atividade física na infância e na adolescência: uma abordagem multidisciplinar. Porto alegre, 2002;

KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do esporte. Ijuí - RS; ed. UNIJUI, 2000;

OLIVEIRA, J. e TAVARES, F. Estratégia e Tática nos jogos desportivos coletivos. Porto: CED, 1996;


SISTO, Fermino F.; GRECO, P. J. Comportamento tático nos jogos esportivos coletivos. Departamento de Psicologia Educacional – UNICAMP, 1994.